Por que Bolsonaro ataca o cinema brasileiro?

A gente fala o tempo inteiro de soberania nacional. E quando fala disso, pensa logo em petróleo. Ou minério de ferro. Ou indústria. Mas cinema também é indústria e patrimônio nacionais: gera emprego e renda, colabora com a composição do Produto Interno Bruto do País, e desempenha papel, diria que central, na conformação da auto-imagem da Nação.

Estes dias, o povo do audiovisual – os que trabalham com a coisa: produtores, agentes culturais, diretores, atores et coetara – plantou-se à porta da Ancine – Agência Nacional do Cinema, e depois migrou para as escadarias do Teatro Municipal do Rio, para protestar contra o ataque desferido pela extrema-direita contra o setor.

Não era sem tempo. Quando Temer tentou desmontar o Ministério da Cultura, artistas e fruidores de arte e cultura se uniram e ocuparam espaços e ruas em protesto. O golpista teve de recuar e reestabelecer o status do órgão gestor nacional do setor. Nada de mera secretaria. A cultura manteve seu ministério.

Entrou o Capitão Caverna, cadê o "povo da cultura". Tinha tomado doril. Precisou o cabra pisar muito na garganta; precisou chegar no audiovisual, pólo dinâmico da economia criativa, para que a reação se fizesse sentir.

Ocorre que esta luta, ficando restrita à sua dimensão corporativa, tende a se isolar. Cultura não é assunto de quem "faz cultura". Audiovisual, cinema, televisão, vídeo por demanda, não dizem respeito a só fazer, ser por isso remunerado, assistir e, com isso, fruir, curtir, no âmbito de cada individualidade.

O audiovisual é uma poderosa indústria internacional. Movimenta bilhões, emprega milhões, enriquece uns tantos, e cria hábitos, propaga ideias, e modos de ver, pensar, perceber e sentir. Tem dupla dimensão: econômica e sociológica. Pode ser instrumento de emancipação ou de domínio. Pode cavar fundo no melhor de nós, ou fazer emergir a besta que espreita no poço fundo do demasiado humano.

Audiovisual é tão estratégico quanto petróleo. E Trump, juntamente com os magnatas de Hollywood, sabem disso.

O governo Bolsonaro já foi devidamente caracterizado como autoritário, ultraliberal e reacionário. Autoritário porque saudoso dos anos do AI-5, e doido para lá nos reconduzir. Ultraliberal, porque composto de corretores e milicianos, cuja missão é entregar patrimônio público e a vida do povo ao mercado, e desnacionalizar o que puder em favor do imperialismo norte-americano. É um governo pinochetista e entreguista.

Além de traidor da Pátria e carrasco do povo, é um governo reacionário, porque proto-fascista. Seu mandatário, e o clã deste mandatário, feito de filhos conhecidos por números e truculências, policiais milicianos, astrólogos de meia-pataca e pastores picaretas, são neo-nazistas, adeptos de Hitler e Mussolini, admiradores de Franco, Salazar e Ustra. O "ideólogo" da patota é leitor de Schopenhauer e Nietzsche, filósofos idealistas e pensadores-base do irracionalismo filosófico – não à toa, autores de cabeceira de Adolf Hitler e sua gangue.

Desmontar a política nacional de audiovisual e seus instrumentos, construídos ao longo de, ao menos, duas décadas, faz parte, portanto, do projeto político e ideológico da extrema-direita. Cota de tela, Fundo Nacional do Audiovisual, Prêmio Adicional de Renda, Programa de Incentivo à Qualidade, Editais de Fomento, entre outros programas da Ancine, atrapalham os planos de entrega total de nosso mercado ao produto norte americano, de domínio ideológico das classes dominantes autoritárias, e de realinhamento geopolítico, de caráter flagrantemente neocolonial, do Brasil aos EUA.

A luta em defesa do audiovisual brasileiro e da Ancine é uma luta de alto teor democrático, porque diz respeito ao direito à livre produção, circulação e fruição de ideias, de opiniões, de linhas estéticas. Não há, todavia, como apartar este teor do teor nacional da batalha. Por outras palavras: não há como dar consequência ao teor democrático da luta, se ele não for entendido como acoplado à dimensão estratégica desta mesma luta: uma luta por soberania e independência nacional.

Porque é uma luta pelo direito de sermos brasileiros, de nos vermos nas telas em proporção majoritária; uma luta pelo direito à pluralidade; uma luta em defesa de nossa economia, de nossa indústria – porque o audiovisual é um importante e dinâmico setor desta economia e desta indústria -, ela é uma luta democrática e nacional (de todos os brasileiros honrados, portanto). E, somente sendo uma luta de todos, ela será capaz de resistir aos ataques da extrema-direita entreguista e antidemocrática.

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