A mulher que desafiou a fúria fundamentalista

No dia 20 de agosto morreu nos Estados Unidos, aos 93 anos, a norte-americana Vashti Ruth McCollum, duas vezes presidente da Associação Humanista Americana (American Humanist Association, AHA). Praticamente desconhecida no Brasil, ela lutou pela separação

O pai de Vashti, Arthur G. Cromwell, um arquiteto apreciador de Spinoza e Thomas Paine, presidiu a Sociedade dos Livre-Pensadores de Rochester (Rochester Society of Free Thinkers) e foi o responsável pelo fim da educação religiosa no único condado em que tal acontecia até a ação da sua filha. No julgamento dessa  ação, antes de chegar ao Supremo, Arthur Cromwell informou a Corte que era ateu e, em decorrência, recusou-se a jurar dizer a verdade “em nome de Deus”, já que o próprio juramento seria uma mentira. A revista Time considerou o famoso julgamento da evolução, o Monkey Trial, tinha sido uma brincadeira de crianças em comparação com este.


Vashti Cromwell nasceu em Lyons, Nova York, em 6 de novembro 1912. Casou-se com o dr. John P. MCCollum em 1933, com quem teve três filhos. Freqüentou escolas públicas e se formou no Colégio Liberal de Artes e Ciências, em 1944, e se especializou em comunicação em 1957. Quando seu filho mais velho, James Terry, foi obrigado a assistir aulas de religião, ela e seu marido resolveram entrar com uma ação para liberá-lo desse suplício. Foi graças a essa ação que o Supremo Tribunal dos EUA adotou a resolução de 9 de Março de 1948 (votação de 8 contra 1), declarando que a educação religiosa em propriedade pública era inconstitucional, já que violava a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos.


A Primeira Emenda (I Amendment) impede o Congresso norte-americano de infringir seis direitos fundamentais: estabelecer uma religião oficial ou dar preferência a uma dada religião; proibir o livre exercício da religião; limitar a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o direito de livre associação pacífica e o direito de fazer petições ao governo com o intuito de reparar agravos.


No livro “Luta de uma Mulher” (A woman's fight), que Vashti publicou em 1951 para divulgar esse caso, escreveu: “Temos de agarrar todas as oportunidades para defender a causa da liberdade”. Não foi fácil. Seu filho James foi hostilizado e perseguido pelos colegas por não assistir às pregações religiosas e até agredido pelo professor da 5ª série. O processo movido durou três anos. Numa das sessões do júri, James repetiu o comportamento do avô, e se recusou a jurar, “em nome de Deus”, a dizer a verdade, pois estaria mentindo, já que era ateu. No período, Vashti e sua família receberam inúmeras ameaças físicas e sua casa foi alvo de vandalismo. Vashti foi alvejada com tomates e couves podres e demitida do cargo professora assistente de educação física de mulheres. Seu marido também foi ameaçado de demissão na universidade em que dava aula, mas conseguiu manter o emprego. O ódio dos que defendiam o ensino religioso na escola pública foi direcionado até para o gato da família McCollum, que foi linchado!


Devido a esse caso, quando o comunismo passou a ser considerado inimigo da humanidade, nos EUA, em especial durante o período macartista (para detalhes do período, assista os filmes Boa Noite, Boa Sorte, de George Clooney – 2005 –, Testa de Ferro por Acaso, de Martin Ritt, com Wood Allen –1976 –, ou Culpado por Suspeita, de Irwin Winkler, com Robert De Niro – 1993), e os ateus eram vistos como comunistas, a família McCollum sofreu sérias perseguições. Mas em especial Vashti resistiu, mesmo sendo derrotada em fóruns inferiores, até a decisão da Corte Suprema. Graças a essa ação corajosa, Vashti foi a segunda pessoa a ser honrada com o prêmio da Associação Unitária pela Justiça Social – entre os que receberam esse prêmio estão os ativistas dos direitos civis Whitney Young, Roger Baldwin e Martin Luther King, Jr.


“Uma mulher de força e coragem extraordinárias, Vashti McCollum lutou pela separação da igreja e do estado numa época em que a hostilidade social contra o ateísmo era profunda e o preço pessoal era muito elevado. Poucos de nós poderiam suportar a oposição que ela enfrentou. Suas contribuições à Associação Humanista Americana  e ao movimento humanista são incalculáveis; sua morte é uma perda tremenda e será extremamente sentida”, afirmou Roy Speckhardt, diretor executivo da AHA.

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