“Quem Se Importa”: Meias soluções

Documentário da cineasta brasileira Mara Mourão discute o empreendedorismo social, nascido das ONGs, em meio à crise do sistema capitalista

Nestes tempos de incertezas, criadas pela crise do sistema capitalista, é comum surgir meias soluções para amenizar as agruras das camadas populares. Já tivemos a fase das Organizações Não Governamentais (ONGs), brotadas nos anos 80 do forno neoliberal de Margareth Thatcher. Agora é o empreendedorismo social, cujo guru é o estadunidense Bill Drayton, da Aschoka. Se o primeiro foi apresentado como Terceiro Setor para “preencher” o espaço do Estado em várias áreas, inclusive sociais, este surfa na falência do sistema financeiro para insistir no microcrédito, como solução das carências financeiras das camadas populares em todos continentes.

Pelo discurso apresentado por seus portavozes no documentário “Quem Se Importa”, da brasileira Mara Mourão, eles não acreditam mais no Estado (Capitalista). Suas soluções como ocorre na micropolítica são individuais. Seu lema é: “Faça a sua parte”. Embora critiquem a falta de políticas de inclusão social, não apontam os culpados pela miséria vivida pelas camadas populares. Seus projetos são pontuais: saúde, moradia, assistência jurídica, microcrédito. Suas organizações sociais preenchem espaços deixados pelo Estado burguês, com microsoluções. A crise do neoliberalismo fez surgir projetos sociais em suas bordas, que podem amenizar não solucionar os problemas criados.

Há um clima de autoestímulo para solucionar um problema específico das camadas populares. O empreendedor social africano instalou banheiros populares e eles se tornaram fonte de renda para a comunidade. O paquistanês Mohammad Yunus criou o microcrédito para emprestar pequenas quantias às camadas populares e recebeu o Prêmio Nobel da Paz. E serviu de modelo para o canadense Al Et Masnski montar seu projeto de microcrédito virtual e o brasileiro Joaquim Melo criar a moeda “Palma”. É a expansão do supostamente pequeno capital para as camadas excluídas entrarem no mercado financeiro.

Diferentes são os projetos sociais dos brasileiros Vera Cordeiro, que dedica sua vida a construir casas para as famílias de baixa renda, e do médico que se embrenhou na floresta amazônica para prestar assistência às famílias carentes de assistência à saúde. Enquanto os primeiros ocupam o espaço deixado pelo sistema financeiro, que exclui as camadas de baixa renda, eles preenchem o espaço deixado pelo Estado capitalista, que não investe em políticas de moradia e saúde. São estágios avançados das ONGs, hoje desacreditadas devido à má gestão e escândalos financeiros. O terceiro setor ganha, assim, sobrevida no início do Terceiro Milênio, cheio de boas intenções.

Apenas o social é pura caridade

O que Mara Mourão faz em seu documentário é reunir vários segmentos de empreendedores e mostrar seus projetos, numa época de plena descrença nas estruturas de Estado e de governo capitalistas. A advogada sueca Karen Tse descreve a situação em que se encontram as mulheres, inclusive crianças, esquecidas em masmorras africanas e asiáticas. Desta forma, dá acesso às “sem-justiça”. Seu projeto adquire outro significado. Destoa dos demais empreendedores sociais por enfrentar preconceitos, resistências de governos e levar os excluídos a acreditar em si mesmos. Não atua, portanto, à margem, vai ao centro da injustiça.

Embora devamos ter um olhar crítico sobre “Quem Se Importa”, devido ao tema: empreendedorismo social como solução para a crise da estrutura capitalista, pois é disto que se trata, Mara Moura consegue escapar ao documentário de entrevistas. Os retratinhos falantes, os 3×4. Mescla animação, depoimentos e efeitos especiais para ilustrar sua narrativa. Esta flui, sem bocejos. Intercala imagens das comunidades, cidades e áreas onde vivem os marginalizados de sete países africanos, sul-americanos e asiáticos. Os problemas se tornam mais explícitos e os entrevistados verdadeiros. O filme, em si, é louvável.

Sua contradição está em mostrar o aproveitamento que os empreendedores sociais fazem dos espaços deixados pelo Estado capitalista. Eles se lançam numa empreitada para amenizar as agruras das camadas populares, sem organizá-las para mudanças profundas no próprio sistema. Não têm a mesma virulência dos movimentos “Primavera Árabe”, “Indignados da União Européia” e “Ocupe Wall Street”, que embora não busquem a substituição do sistema capitalista, pelo menos denunciam o 1% que concentra toda a riqueza e defendem os 99% que ficam com as migalhas. Se não o social pelo social vira caridade. É preciso se importar.

“Quem Se Importa”.
Brasil. Documentário. 2011. 91 minutos.
Fotografia: Christiano Wiggers/ Daddo Carlin.
Música: Alexandre Guerra,
Narração: Rodrigo Santoro.
Direção: Mara Mourão.
Participação: Mohammad Yunus, Bill Drayton, Karen Tse, Vera Cordeiro, Joaquim Melo, Al Et Manski.

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