Mais um delírio anticomunista

Não contente com a produção nacional – aliás, volumosa, mas medíocre – anticomunista, a classe dominante brasileira lança, este mês, mais um panfleto para atacar os que lutam por uma sociedade fraterna e justa. O gazetilheiro é o norte-americano Kevin D. Williamson, e a publicação é "O Livro Politicamente Incorreto da Esquerda e do Socialismo".

O título é modernoso, ao estilo de certo tipo de humor de tendência fascista que tem dominado a mídia oligopolista, mas o conteúdo é velho de quase dois séculos (considerando que o termo “socialismo”, designando a luta por uma sociedade socialmente justa, foi usado por Pierre Lerous na década de 1830): o combate às propostas socialistas, desvirtuando seus conteúdos.

O autor, que é periodiqueiro da National Review, um semanário que se opõe ao presidente Barak Obama pela direita, escreve no livro: "O calcanhar de Aquiles do socialismo é que a organização política de determinada atividade não elimina de fato os riscos nem os reduz de modo confiável e previsível". Ora, quando os socialistas afirmaram que construção do socialismo elimina riscos? Pelo contrário, o planejamento econômico socialista objetiva enfrentar desafios e garantir desenvolvimento com justiça social, preparando o terreno para a sociedade sem classes, e é constantemente revisto justamente por causa dos riscos que possam ocorrer e dos novos desafios que sempre surgem.

Para Williamson, o fervor revolucionário seria um mero disfarce ao apego à comodidade. Um contrassenso, pois fervor revolucionário é ação, exatamente o oposto da comodidade. Ele repete a ladainha de que o socialismo é militarista e só beneficia os detentores do poder e desinforma: "O defeituoso sistema de escolas públicas não garante que os estudantes pobres e pertencentes às minorias escaparão de um fardo que os deixará em desvantagem por toda a vida: ter recebido uma educação de baixa qualidade a um custo exorbitante". Isso é desconhecer totalmente a inclusão social e educacional que a China, por exemplo, realiza. É ignorar, para citar um exemplo que nos é caro no momento, a excelência de qualidade da formação dos médicos cubanos. Ignorar, não; esconder, fraldar, pois é no capitalismo que as escolas públicas perdem em qualidade diante de algumas escolas particulares. É no capitalismo que a educação – aliás, como todas as atividades humanas – é tratada como mera mercadoria.

Mas essa ladainha é velha, e sequer consegue ter sabor pós-moderno, como tenta o escriba ianque. A indigência teórica desse tipo de anticomunismo é antiga. Leandro Konder, no livro “Em torno de Marx”, apresenta um levantamento dessa literatura, no Brasil, na primeira metade do século passado, em especial depois de vitoriosa a Revolução Russa de 1917. Conta ele que, em 1936, Ramos de Oliveira, em “Aspectos sociais sob dois prismas”, comparou o marxismo ao catolicismo e concluiu pela óbvia superioridade do segundo, uma vez que o primeiro foi elaborado por um homem (Karl Marx) “absolutamente inapto para ganhar a vida” e levado à prática por outro (Lenin) que “não era muito dedicado ao trabalho”.

No mesmo ano, o jornalista Soares D’Azevedo, abordando a Guerra Civil na Espanha, diz que a dirigente comunista Isidora Dolores Ibárruri Gómez (La Pasionaria) prometia aos soldados da República, nos comícios: “Muchachos, quando regressardes, tereis a vossa disposição as donzelas da aristocracia e da burguesia de Madri”. As mulheres que defendiam a República, de acordo com o jornalista, andavam com os seios de fora.

Em 1937, Prado Ribeiro publicou “Que é o comunismo: o credo russo em face da atualidade brasileira”, onde vituperou: ”Para o marxismo, o trabalho intelectual nada significa. De forma que cérebros privilegiados de um Goethe ou de um Gottfried Leibniz valeriam menos que qualquer estivador ou fabricante de tamancos”. Desqualificou: “Não conheço coisa mais frágil, mais discutível e até mais irracional do que os princípios econômicos de Karl Marx.” E sentenciou, como atualmente fazem algumas revistas semanais do oligopólio midiático: “Só os ignorantes e mistificadores propagam essas ideias fracassadas.” Aliás, assim como essas revistas, Azevedo Amaral, também em 1937, no livro “O Estado autoritário e a realidade nacional”, assegurou que o marxismo estava morto, era “um fóssil sociológico”.

O senador cearense Valdemar Falcão, da Liga Eleitoral Católica, seu partido, escreveu em “Contra o comunismo anticristão”, de 1938: “O marxismo foge ao espírito da verdadeira investigação científica. O marxismo se opõe à ciência com seus dogmas pomposos, com suas imprecações ululantes, pregando a subversão da ordem social, esquecido de que isso totalmente aberra de uma boa tese científica”.

Segundo Leandro, “o anticomunismo mais exasperado era, talvez, o do juiz Raul Machado, do Tribunal de Segurança Nacional”. Em 1940, esse reacionário de toga (também os reacionários de toga não se modernizaram), no livro “A insídia comunista nas letras e nas artes no Brasil”, chega a este extremo, ao tratar da influência esquerdista no samba: “A música se transformará em violência de ruídos visando também uma finalidade única, a negação da melodia, porque esta leva naturalmente a um estado de exaltação espiritual, incompatível com as tendências da doutrina materialista. O canto clássico e a coação sentimental são, pelos mesmos motivos, repudiados, fazendose a apologia do samba, porque seus temas são dissolventes da moral, a sua letra é a do homem do povo e a sua técnica, se existe, foge a qualquer preceito artístico de criação burguesa”.

Deve ter se virado no túmulo quando os sambistas Netinho e Leci Brandão foram eleitos parlamentares pelo Partido Comunista do Brasil…

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor