Anistia, Greves, Brasileiros nas Ruas e Diretas-Já!

A mudança da “distensão’ de Geisel para a “abertura” de Figueiredo, que tomará posse em 15 de março de 1979, não resultará em doações democráticas do Ditadura. Pelo contrário: a pressão do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) e das centenas de comitês pelo Brasil afora, além dos comitês de exilados, é que levará ao decreto da Anistia, em 28 de agosto de 1979.

A pressão pela volta à democracia resultará no decreto que porá fim ao bipartidarismo, ainda que a Ditadura impeça a legalidade dos partidos comunistas, como o PCdoB e o PCB[1]. Muito menos a Ditadura de Figueiredo deixará de lado a repressão. Em 27 de agosto de 1980, uma carta-bomba explodirá na sede da OAB, no Rio de Janeiro, matando a secretária Lydia Monteiro. Desde o início daquele ano, diversas bombas explodiram no País, sobretudo atingindo bancas que vendiam jornais e revistas de oposição. Os grupos terroristas e paramilitares de direita, sem ação efetiva contra eles por parte da Ditadura, agiam abertos e/ou clandestinamente contra a redemocratização. Mas o caminho estava sendo sem volta. Em 19 de novembro de 1980, a Emenda Constitucional nº 15 restabeleceu as eleições diretas para governador e senador e eliminou a figura do senador biônico.

Em 1981, em 30 de abril, por sua vez, novamente em ação contra a abertura, integrantes do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do I Exército explodiram acidentalmente a bomba dentro do automóvel, antes do planejado atentado para o show de música alusivo ao Primeiro de Maio, no Rio Centro, no Rio de Janeiro. A farsa da Ditadura para responsabilizar a esquerda logo se mostrou.

A Ditadura tratou também de impedir as Diretas para Presidente, respondendo aos movimentos políticos iniciados em 1983. Como resposta, a Emenda das “Diretas Já”, uma das últimas vitórias da Ditadura foi obter a maioria no Congresso, um ano depois, em 25 de abril, das eleições indiretas.

Entretanto, o impedimento de eleições para a Presidência da República, não represou a derrota final da Ditadura. E isto é o mais significativo naquele processo histórico de resistência, iniciado ainda nos primeiros dias de 1964. Coube papel decisivo nesse processo ao protagonismo dos movimentos sociais e políticos de oposição que foram se construindo ao longo dos anos, os quais se ampliaram na fase final da Ditadura, especialmente a partir de 1979.

Foi naquele ano, com a ampliação das greves, de diversos tipos e categorias, que uma boa parte dos brasileiros reencontrou o caminho para a reivindicação de direitos e de ampliação das mobilizações. Com quase cem participantes, entre oRio de Janeiro, São Paulo, Recife e Fortaleza, a greve de fome de presos políticos contra a Anistia limitada, iniciada em 22 de julho de 1979, durou 23 dias e resultou na condenação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ao projeto de anistia do ditador Figueiredo. Foi a senha para que, em 14 de agosto, vinte mil fossem às ruas no Rio pela anistia ampla, geral e irrestrita, mas ainda mobilização insuficiente para a Anistia ampla, geral e irrestrita. Ainda em agosto, Figueiredo sancionou a Anistia, parcial, limitada e recíproca, uma conquista importante, mas limitada, haja vista que colocou no mesmo pacote a isenção dos ditadores, torturadores e do Estado Brasileiro em relação aos crimes praticados até então. De qualquer forma, parte dos presos políticos conquistou a liberdade, enquanto os exilados voltaram para o País e a militância clandestina retornou à atuação política legal. Finalmente, João Amazonas, Luiz Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes e tantos outros poderão continuar sua luta oposicionista em território nacional.

A luta política pela anistia tinha correspondência nas lutas econômicas contra a Ditadura, pois os trabalhadores foram os principais responsáveis para pagar a conta da política econômica, mais ainda com a crise decorrente, sobretudo a partir de 1973. A ampliação dos movimentos grevistas vai se transformando rapidamente em greves políticas contra a Ditadura, pois não havia mais como derrotar a política econômica da Ditadura de Segurança Nacional no Brasil, sem derrotar a própria Ditadura. Em finais de outubro 1979, a greve dos metalúrgicos de Belo Horizonte, de Contagem e de Betim, em Minas Gerais será seguida pela parede dos metalúrgicos de São Paulo e Guarulhos, declarada ilegal pelo Governo do ditador Figueiredo.

No final de 1979, outra categoria que voltou ativa às greves foi a dos bancários. Em 5 de setembro, os bancos de Porto Alegre são fechados pela greve que resulta na intervenção no Sindicato e em cinco prisões. Ali, nascia a liderança política de Olívio Dutra, futuro governador do Rio Grande do Sul. A greve de Porto Alegre levou os bancários a pararem o trabalho no Rio de Janeiro e em São Paulo, também com novas intervenções nos sindicatos, prática recorrente desde o Golpe de 1964. Mas a Ditadura não tinha mais como evitar as manifestações cada vez mais massivas nas ruas do País.

1979 também terá outra marca: em 29 de novembro, ocorreu a tomada simbólica da sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro. Um dia depois, os estudantes enfrentaram o ditador Figueiredo, em Florianópolis. Tudo isto no contexto da primeira eleição direta na UNE, ocorrida dias antes, em 3 de outubro. Dali em diante, a Ditadura não conseguirá mais tirar a maioria dos estudantes brasileiros das ruas.

A conjuntura das greves não mudará no início da década. Em março de 1980, começou a grande greve de trezentos e trinta mil metalúrgicos no ABC paulista, além de outras quinze cidades de São Paulo. Em São Bernardo, durante quarenta e um dias. O movimento grevista conseguirá o feito político de pautar a política brasileira. No décimo sétimo dia da greve, o Ministério do Trabalho interviu nos sindicatos, mas não conseguiu terminar com a greve. Nessa conjuntura, se tornava cada vez mais nacional a liderança política de Luiz Inácio “Lula” da Silva, operário que, ainda em 10 de fevereiro, junto com outros sindicalistas, intelectuais, líderes rurais e religiosos, havia criado, no colégio Sion, em São Paulo, o Partido dos Trabalhadsores (PT). Em 19 de abril, treze líderes grevistas do ABC, entre eles Lula, foram presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional (LSN)[2]. Como a greve não terminava, uma semana depois, nova prisão de líderes grevistas aconteceu no ABC. A repressão gerou o seu contrário, o aumento da resistência. Em Primeiro de Maio, em São Bernardo, centro e vinte mil trabalhadores foram para a greve, no contexto de ocupação da Polícia Militar do centro da cidade. Após muita tensão e pressão, o governo foi derrotado e uma manifestação gigantesca ocorre, antecedendo a histórica concentração no estádio da Vila Euclides. Em 5 de maio, terminou, após trinta e cinco dias, a greve dos metalúrgicos em Santo André. Apenas seis dias depois, depois de diversos choques entre piqueteiros e a Polícia Militar, os metalúrgicos de São Bernardo voltaram ao trabalho, após a greve de um mês e onze dias, no movimento que desafiou a Ditadura de Segurança Nacional. Alguns meses depois, 24 de novembro, por sua vez, foi a vez dos de sete mil operários pararem as obras da usina de Tubarão, no Espírito Santo. A partir de 1980, os trabalhadores rurais e os movimentos indígenas também ampliaram suas resistências, alguns deles sendo assassinados pela repressão. Nessa conjuntura de final da Ditadura, o movimento grevista também não cederá. A ampliação da reorganização da classe trabalhadora resultará, em 21 de agosto de 1982, em Praia Grande, São Paulo, com cinco mil delegados de 1.126 entidades, na realização da Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT), a qual elegeu a Comissão Pró- CUT. Um ano depois, também em agosto, no dia 26, ocorrerá o início do Congresso de fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em São Bernardo, o qual deliberará, no dia 31, na fundação da Central de trabalhadores mais ativa e de oposição nos anos finais da Ditadura.

Ainda em 1982, a luta pela moradia, que continuou durante toda a Ditadura, entrará em novo patamar para a organização dos movimentos sociais urbanos e populares. Em 17 de janeiro, em S. Paulo, ocorrerá o Congresso de fundação da Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM). Em paralelo, a luta pela terra não dava tréguas à Ditadura. Em 12 de março, os sem-terra de Encruzilhada Natalino, no Rio Grande do Sul, deixaram seu acampamento no rumo da conquista de um assentamento. Dali em diante, a repressão não conseguirá mais impedir a mobilização dos sem-terra para sua organização política. Tanto que, em de 21 a 24 de janeiro de 1984, no Encontro Nacional de Cascavel, no Paraná, foi fundado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), acúmulo maior da luta pela reforma agrária contra a Ditadura[3]. O renascimento sindical dos trabalhadores do campo, através da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) também se consolidava.

Nas cidades, as lutas e as resistências dos trabalhadores urbanos também não arrefeceram nos anos finais da Ditadura. Em 27 de abril de 1983, será a vez da greve dos metalúrgicos da Grande Porto Alegre, sobretudo parando as fábricas de Canoas, cidade operária importante da região metropolitana. Em 17 de junho, o protesto de funcionários de estatais no Rio, reunindo seis mil trabalhadores, se ampliará para o Rio Grande do Sul, para o Pará, para São Paulo e para o Distrito Federal. Todo esse acúmulo de mobilizações e greves de trabalhadores resultará, em 21 de julho, na primeira greve geral nacional após o Golpe de 1964, obtendo êxito parcial e contando com forte repressão da Ditadura, tendo como exemplos as intervenções nos sindicatos dos Metroviários e Bancários de São Paulo. No final do ano, em 6 de novembro, será a vez da greve de vinte mil sapateiros de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, bem como, dois dias depois, de nova greve dos metalúrgicos do ABC paulista, paralisando sessenta mil operários da categoria[4]. No ano seguinte, outras greves mobilizaram o movimento sindical brasileiro. Assim, a luta operária e do movimento sindical, dos movimentos sociais e populares, não poderia deixar de resultar em nova retomada de luta política contra a Ditadura.

Em 27 de novembro de 1983, ocorreu o primeiro comício pró-diretas, reunindo 10 mil pessoas no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Em 12 de janeiro do ano seguinte, em um comício que reuniu sessenta mil em Curitiba, oficialmente iniciou a Campanha das “Diretas-Já” e o uso do amarelo como sua cor-símbolo. A resposta da Ditadura foi o lançamento da candidatura a presidente de Paulo Maluf. A resposta da oposição foi o comício que reuniu trezentas mil pessoas, na Praça da Sé, em São Paulo, em 25 de janeiro[5]. São Paulo dará exemplo para o resto do Brasil. Outro comício pró-Diretas, reuniu duzentas e cinquenta mil pessoas em Belo Horizonte, em 2 de fevereiro; em 21 de março, uma passeata de trezentos mil se realizará no Rio de Janeiro; uma prévia para o 10 de abril, quando o comício de um milhão e duzentas mil pessoas pelas defenderão as Diretas-Já, na Candelária; em 12 de abril, aconteceu o comício pró-Diretas, em Goiânia, reunindo duzentas e cinquenta mil pessoas; mas, o maior deles ainda viriam no mesmo mês: no dia 16, um milhão e milhão setecentas mil pessoas se reuniram no Anhangabaú, em São Paulo. Era o auge do Movimento pelas Diretas-Já. Tanto que, dois dias depois, o ditador Figueiredo decretou Estado de Emergência no Distrito Federal. A maior mobilização de rua desde o início da Ditadura, e que reuniu milhões de brasileiros (como no panelaço ocorrido em várias cidades na véspera da votação da emenda das Diretas, em 24 de abril), entretanto, não resultou em vitória da emenda das Diretas, que não passou na Câmara dos Deputados, pois, com 298 votos a favor, 65 contra e 112 ausências, obteve 22 votos a menos que os dois terços exigidos. Dialeticamente, a Ditadura saía vencedora, pois impedia as eleições diretas para presidente, mas saía derrotada politicamente do episódio[6].

A derrota das “Diretas Já’, o maior movimento de massas desde o Golpe Civil-Militar de 1964 no Brasil, foi um prenúncio que levou, em 15 de janeiro de 1985, a eleição indireta para a Presidência de Tancredo Neves e José Sarney (ex-líder do PDS, embrionário da ARENA, no Congresso e articulador do Golpe que depôs Jango) no Colégio Eleitoral, vencendo o candidato da Ditadura, Paulo Maluf, derrotado por 480 x 180 votos no Colégio Eleitoral.

A ascensão dos movimentos sociais e políticos iniciada em meados da década de 1970, marcada por movimentos de rua, por greves, pela luta pela Anistia e por uma Constituinte Autônoma, Exclusiva e Soberana, não conquistou as diretas há trinta anos atrás, nem impediu uma transição pelo alto como gostava de dizer Florestan Fernandes, mas não inpediu o “Curso da História” para o Brasil de Hoje. Em janeiro de 1984, os sessenta mil brasileiros em Curitiba, que oficialmente iniciaram a Campanha das “Diretas-Já”, e os trezentos mil de São Paulo, talvez nem soubessem que nos representavam, pois a maioria de nossa geração queria, como quer em 2014, “Votar para Presidente!”, certamente um ensinamento da renhida luta de classes de três décadas atrás, mesmo que ainda nossa democracia econômica, social e política ainda só engatinhe.

* Várias das considerações apresentadas abaixo estão presentes no artigo “A democracia não foi doada: a resistência na Ditadura Civil-Militar Brasileira”, de Diorge Alceno Konrad, texto completo apresentado para a II Jornada de Estudos sobre Ditaduras e Direitos Humanos, organizada pelo Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS) e ocorrida em Porto Alegre, entre 24 e 27 de abril de 2013. Disponível em: http://issuu.com/jornadaditadurasedh/docs/ebook_ii_jornada_ditaduras_e_dh. Acesso em 28 jan. 2014.

Notas

[1] A Lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979, extinguiu a Arena e o MDB e restabeleceu o pluripartidarismo restrito.

[2] Em 25 de fevereiro de 1981, a Justiça Militar condenou Lula e mais dez sindicalistas do ABC. Mais tarde, as penas serão revogadas. Em 7 de agosto, após quinze meses, terminou a intervenção no Sindicato, quando Jair Menegueli foi eleito presidente.

[3] De 29 a 31 de janeiro de1985, o MST realizou seu 1º Congresso Nacional, em Curitiba, no Paraná.

[4] Em 2 de abril de 1984, dez mil metalúrgicos de São José dos Campos, em São Paulo também entraram em greve, na principal paralisação do último ano da Ditadura.

[5] Este comício ganhou notoriedade internacional, haja vista que a TV Globo ignorou o que se passava, situação que logo mudará.

[6] Ainda em 27 de junho, um comício no Rio de Janeiro tentou relançar a luta pelas Diretas já, mas a Ditadura seria derrotada de forma indireta, com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985, por quatrocentos e oitenta votos, contra cento e oitenta votos para Paulo Maluf e dezessete abstenções.

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