O Estado no Brasil resiste à Democracia

A estrutura do Estado está colada ao sistema capitalista vigente pela definição do poder pessoal hierárquico que a burocracia assegura. Por um lado não foi alterada a "cultura oligárquica" predominante na sociedade e os direitos de cidadania não foram adotados institucionalmente. Existem e são impostos pela força dos movimentos sociais e apoiados por partidos de esquerda com representação nas estruturas políticas nacionais.

A Presidência da República tem o seu poder dependente da composição partidária do Governo e a sua ação em defesa dos interesses dos cidadãos, portanto da democracia, só prevalece com o apoio dos movimentos sociais e forças de esquerda integrados na estrutura do Estado.

Um exemplo na área da comunicação social foi a criação dos canais de televisão gratuitos -tv justiça, tvescola, tvsaúde – que expõem com liberdade as informações mais avançadas mundialmente nas respectivas áreas de conhecimento, promove debates e pesquisas sobre a realidade vivida na sociedade brasileira. Observa-se, no convívio diário com os serviços públicos das mesmas áreas – setores do INSS, SUS, escolas – que na maioria das vezes o comportamento dos funcionários públicos não corresponde aos princípios democráticos e de fundamentação teórica enunciados pelo Governo através dos canais de tv abertos ou de seus discursos oficiais. A contradição entre o ideal e o real existe passados 12 anos da primeira eleição que levou Lula à Presidência do Brasil.

Há mudanças positivas que vão sendo institucionalizadas, sempre que a massa social apoia e exige, e os órgãos de poder municipal adotam: a bolsa família, o atendimento médico e escolar nas regiões antes abandonadas do país, a criação de cooperativas de produção rural, a expansão de redes de distribuição de água e de energia em localidades mais distantes, as quotas raciais nos cursos superiores, a criação de escolas de formação artística e técnica em zonas sociais marginalizadas, etc.

No entanto, tais mudanças não se revelam dentro das estruturas dos ministérios que continuam a agir como no velho sistema oligárquico de tendência conservadora e elitista onde o cidadão mais carente é tratado sem qualquer respeito pela sua condição e os que exigem uma conduta democrática sofrem represálias e não conseguem solucionar os seus problemas. Em todos os setores federais que prestam serviços públicos sociais o atendimento humilhante e discriminatório predomina, com raras exceções pessoais de funcionários dotados de consciência de cidadania que têm que manter esta atitude de forma clandestina para não ser prejudicado por denunciantes ou chefes internos do serviço.

Constatei pessoalmente as situações que refiro acima, tanto em agência do INSS como do SUS de uma pequena cidade do litoral. Durante anos tentei obter acompanhamento médico mas nunca consegui ultrapassar o poder de um enfermeiro autoritário que intermediava o cliente com o médico frequentemente ausente. No INSS, depois de oito anos de descaso recorri a um Juizado Especial Federal que levou 3 anos para publicar uma Sentença Judicial que foi desprezada e contestada pelo INSS que "forjou" uma informação contraditória com as que antes deram e consta do processo, recorrendo a um Tribunal onde eu deveria ser representada por um advogado defensor. O JEF ficou impotente e a Sentença por ele emitida perdeu o valor. Como resultado, apesar de eu ter a soma de 204 meses de comprovados descontos à Previdência (17 anos) – no Brasi, Chile e Portugal, que têm convênios para somar os benefícios devidos ao trabalhador), e fora os muitos meses de desemprego derivado da necessidade de emigrar durante a Ditadura de 1964 no Brasil e de 1973 no Chile, obtive uma aposentadoria por idade equivalente a um terço do salário mínimo com o direito a receber em Portugal um complemento de subsistência de valor equivalente. Para poder usufruir de algum conforto, vi-me forçada a emigrar aos 76 anos pondo à venda a minha casa, e poder utilizar o que restou do patrimônio que constituí com o meu trabalho em funções de técnica de formação universitária desde os 19 anos para manter minha família. Certamente muitos cidadãos brasileiros sofreram as mesmas injustiças, muitos deles em piores situações de saúde e de vida.

No entanto tive oportunidades de conhecer alguns funcionários com consciência de cidadania que procuravam ajudar o utente do serviço público a procurar formas de apoio através de contactos com Ouvidorias. Mas, de forma geral, a boa vontade permanecia impotente perante a teia de poderes contraditórios nas estruturas ministeriais. O funcionário "típico" do poder do Estado é o burocrata que humilha o cidadão com comentários jocosos e repetidas exigências de novos documentos desnecessários e marcação de novos atendimentos.

Como emigrante em Portugal, conheci uma criação inovadora do MNE que oferece uma rede de funcionários cuja função é ajudar o emigrante brasileiro com vínculo direto aos vários serviços públicos. Além de evitarem as voltas infindas pelos sites de cada Ministério que iludem o cidadão com indicações inúteis e, algumas vezes, com endereços de correio errados, agem com eficiência e boa vontade contrariando a fórmula do burocrata tradicional da oligarquia. Depois de esperar uma resposta a uma solicitação de reembolso a que tinha direito no INSS protocolada em 06/07/12 sem êxito até 02/05/14, obtive a solução em duas horas depois de ter falado com a funcionária do Organismo de Ligação APS que resultou de um Acordo do Brasil e Portugal feito pelo Itamaraty.

Nem sempre temos a sorte de encontrar um funcionário habilitado e com consciência de cidadania, pois há uma herança pesada de um passado oligárquico ainda recente. Mas, nota-se que uma nova geração de funcionários com princípios democráticos está sendo admitida em alguns serviços públicos que não constituem feudos de forças políticas oportunistas que se aliam eleitoralmente aos governantes democráticos. Para quem luta pela transformação do Estado Brasileiro em um Estado Social, é uma esperança reconfortante.

As contradições que o cidadão brasileiro, frequentador dos balcões do Serviço Público, assiste desde a primeira eleição de Lula traduz-se na melhoria do atendimento pessoal nas agências da Receita Federal que se preocuparam em reciclar os funcionários nos moldes do respeito humano, solidariedade e simpatia. As agências do INSS, ao contrário, investiram no conforto e modernização das salas de espera e afixaram avisos ameaçadores de prisão a quem faltar com o respeito aos funcionários. A diferença só pode ser devida á preocupação das Finanças em induzir o cidadão a pagar e não fugir ao registro das suas atividades, enquanto que o INSS pretende retardar ou mesmo se furtar ao pagamento do que os cidadãos têm direito. Esta triste constatação aplica-se também aos serviços médicos de saúde, apesar do esforço pessoal de alguns funcionários, enfermeiros e médicos que fazem grande esforço para superar as carências e os privilégios que existem na estrutura do MS.

Nas escolas é mais comum encontrar um atendimento positivo, com consciência de cidadania, sobretudo por parte dos professores que ganham um salário insuficiente para o muito que estudam fazendo reciclagem, trabalham em locais inadaptados, enfrentam os problemas de violência que atinge toda a sociedade e deforma a cultura da juventude. É neste setor social do Estado em que o cidadão comum melhor se identifica, por sofrer de forma igual os problemas da má distribuição de rendas e as pressões do sistema capitalista que promove um falso e desequilibrado modelo de vida através da publicidade e das deturpadas notícias da grande mídia.

É urgente construir um retrato da realidade social brasileira e das limitações da brilhante fase de desenvolvimento econômico do país que ainda é dominado pelos privilegiados do sistema e aumenta o poder da elite financeira.

O MST tem alterado o seu projeto de Reforma Agrária adequando-se à realidade viável que a Nação Brasileira oferece. Sendo um importante movimento social com grande força popular, demonstra uma maturidade ideológica admirável que contradiz os voluntaristas que preconizam ações radicais mal planejadas que acabam por favorecer a direita ligada ao imperialismo.

Stedile disse: como deixou de sr possível a reforma agrária clássica por imposição do agro-negócio que industrializou a produção agrícola, das sementes aos fertilizantes e às técnicas de plantio e colheita, (…) "Diante dessa nova realidade agrária, com o domínio do capital internacional e financeiro, fizemos um intenso debate dentro do MST (…) aprovamos essa formulação da necessidade de uma reforma agrária popular."

"Reforma agrária popular porque agora ela precisa atender não só as necessidades dos camponeses sem terra, que precisam trabalhar. Mas as necessidades de todo o povo. E o povo precisa de alimentos, alimentos sadios, sem venenos, precisa de emprego, precisa de desenvolvimento da agroindústria, precisa de educação e cultura. Então, o nosso programa de reforma agrária de novo tipo, parte da necessidade de democratização da propriedade da terra, fixando limites, e propõe a reorganização da produção agrícola, priorizando a produção de alimentos sem venenos. Para isso precisamos adotar e universalizar uma nova matriz tecnológica que é a agroecologia."

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