“O mercado de notícias” poder de vidro

Cineasta gaúcho Jorge Furtado põe jornalistas brasileiros para analisar o poder, as falácias e as manipulações da imprensa nacional do século 21.

Em princípio este “Mercado de Notícias” poderia ser um daqueles documentários que se assiste com prazer e depois o cita por seus acertos e verdades. Em se tratando do cineasta gaúcho Jorge Furtado sempre se pode esperar mais. Como ocorreu com sua obra-prima “Ilha das Flores”, sobre o ciclo do lixo, ele não se interessa em apenas discutir a grande mídia nacional, quer mostrá-la como ela realmente é: um poder de vidro.

Usa para isto os recursos do documentário, para configurar o real, e da ficção, para satirizar suas dubiedades. Põe diante de sua câmera treze conceituados jornalistas da própria grande mídia para, a partir da peça do dramaturgo britânico Ben Jonson (1572/1637), “O Mercado de Notícias”, apontar suas fraturas, fragilidades, erros e seu enorme poder. Durante 94 minutos convivem argutas análises destes profissionais e a sátira de Jonson (“Volpone”) sobre a imprensa britânica do século 17.

O britânico trata na peça da conversa de um dono de jornal com um jovem nobre sobre seus negócios no novo ramo empresarial. E expõe ao interlocutor suas etapas de produção sob ferinos comentários das damas do coro. Este paralelo mostra a construção da notícia, a manipulação e os interesses envolvidos, atestando que a notícia é um produto. “As notícias existem para justificar os anúncios, porque eles, sim, são a razão da existência dos jornais”, defende o jornalista Jânio de Freitas.

A grande mídia é hoje um partido

Estas dualidade ficcional e factual dão ao filme uma atualidade que põe o espectador diante das páginas dos jornais, da mídia televisiva, dos noticiários das rádios e da internet. Dá para ele intender o papel que a mídia burguesa exerce hoje no Brasil. Segundo Mino Carta, ela é hoje “um partido político”. Isto se configurou a partir da eleição de Lula em 2002, devido a visão dos barões da mídia de que as forças de direita não conseguem se articular para se opor ao governo atual.

Então, não basta ser partido, é preciso, segundo eles, liderar as oposições em seu nome e deles mesmos, em completa inversão democrática-republicana. Querem fazer valer o slogan de serem, de fato, o “Quarto Poder”. Esta visão lhes permite “ditar a pauta política” no Congresso e denunciar sistemática “corrupção” nos governos da coalizão. E abrem espaço, na opinião do jornalista Jânio de Freitas para a verdadeira “luta de classes”.

Dubiedades fragilizam a mídia burguesa

Esta tática torna a mídia burguesa vulnerável por suas próprias dubiedades. Para confirmá-las, Furtado cita exemplos de clamorosos erros cometidos por ela: 1) – o Escândalo da Escola Base, em 28/09/1994, sobre suposta pedofilia praticada pelos professores da Escola de Educação Infantil Base, do bairro Aclimação, na capital paulista, denunciado por emissoras de rádio e tv e jornais (TV Globo, SBT, Rádio e TV Bandeirantes, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Isto É, TV Record).

A justiça apurou ser a denúncia inverídica e sentenciou-os a indenizar os donos da escola. Porém a escola foi fechada, seus proprietários Icushiro Shimada e sua companheira Maria Aparecida Shimada já faleceram e apenas Maurício Monteiro Alvarenga e Paula Milhin Alvarenga estão vivos. O processo em fase de recurso continua a tramitar na Justiça em Brasília.

Não menos ofensivo é o caso de Orlando Silva (PCdoB), ex-ministro dos Esportes dos governos Lula e Dilma, hoje vereador por São Paulo, vítima de denúncia do jornal Estado de São Paulo e da Revista Veja, em 2011, sobre suposto envolvimento no “Escândalo do Programa Segundo Tempo”. Furtado mostra imagens e manchetes desmentindo sua participação, sem que os citados veículos se retratem ou se penitenciem perante seus leitores e a população.

Para o jornalista Paulo Moreira Leite “a Imprensa aceita que a suposição se transforme em notícia, sem exigir do jornalista a confirmação do fato”. Esta prática termina manchando reputações e provocando tragédias, sem haver uma Lei de Liberdade de Expressão que puna com rigor tais casos. Há uma conflito entre liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Esta é direito de todo cidadão, seja de que classe for, enquanto a liberdade de imprensa, como diz o jornalista Maurício Dias, “é a liberdade do patrão”.

O comportamento da mídia burguesa no Brasil reflete sua luta desesperada para sobreviver. Ela enfrenta a transição da mídia imprensa para mídia virtual, a Internet. E se o Brasil antes tinha grandes jornais no Rio de Janeiro e em São Paulo, hoje restaram apenas três: O Globo (RJ), Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e o Valor Econômico (estes em SP). Ela não se deu conta da perda de poder para blogs, sites, jornais virtuais, mídias sociais, e se apegam ao velho sistema enquanto agonizam.

Com esta abordagem, Furtado mostra-a como um polvo que expande seus tentáculos para além da liberdade de expressão. Torna-se, deste modo, um poder acima do Estado, por não se submeter a regras que a impeça de impor seus interesses acima dos da própria sociedade. O caso do New of the World, de Robert Murdoch, na Inglaterra, bem o prova.

O Mercado de Notícias”. Documentário/comédia. Brasil. 2013. 94 minutos. Música: Leo Henkin. Montagem: Giba Assis Brasil. Fotografia: Alex Sernambi/Jacob Solitrenick. Direção/roteiro: Jorge Furtado.



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