Meu coração é vermelho

Quando criança, lá em Caruaru, Pernambuco, havia uma disputa folclórica em minha cidade em torno do Azul e do Vermelho, que eram dois cordões do Pastoril. É uma brincadeira de origem europeia, encenada sempre perto do natal.

Lembro-me muito bem que eu ficava esperando a vitória das pastoras vestidas de “encarnado”, contra as de azul. Um dos motivos é que eu adorava esta palavra: encarnado! No Auto de Natal, a Mestra (vermelha) e a Contra-mestra (azul) fazem uma espécie de disputa musical para conquistar a platéia para suas cores. O cordão que angariar mais votos sai vencedor. Eu ficava feliz com a vitória do cordão encarnado…

Hoje, vésperas da eleição presidencial no Brasil, o embate entre o azul e o vermelho tomaram dimensões nacionais… E mais uma vez tenho lado e torcida: o Cordão Encarnado…

Na história das cores, o Vermelho é a cor mais antiga. Como pigmento, começou a ser fabricado desde muito cedo; como símbolo, logo apareceu ligado às forças de poder, de fogo, de guerra. E de luz.

O Vermelho foi escolhido também como a cor dos que se posicionam à gauche na vida, como diria nosso poeta Drummond. É a cor da bandeira dos Partidos Comunistas. Diz o historiador francês Michel Pastoreau que isso se deu em 1789, quando a Assembleia Constituinte francesa decretou que uma bandeira vermelha seria colocada nos cruzamentos das ruas para mostrar que as manifestações públicas estavam proibidas e que a polícia deveria intervir a qualquer momento. O Vermelho significava, então, interdição de se manifestar publicamente.

Foi assim que no dia 17 de julho de 1791 milhares de parisienses se reuniram no Campo de Marte para exigir a destituição de Luís 16. O prefeito de Paris, Bailly, mandou içar no alto uma grande bandeira vermelha, para que não restasse dúvida de que o povo devia se manter longe das ruas. Mas o povo tomou a praça e a polícia investiu contra os manifestantes, matando mais de 50 pessoas. Por causa disso, numa “surpreendente inversão” simbólica, a mesma bandeira vermelha que era usada para impedir que o povo francês se manifestasse, lavada desta forma pelo “sangue desses mártires”, passou, desde então, a ser o emblema do povo oprimido e da revolução em marcha. “A bandeira vermelha, diz um dos revolucionários franceses, além de ser um símbolo da miséria do povo também é um sinal de ruptura com o passado”.

O “drapeau rouge” (bandeira vermelha) se transformou, desde o século XIX, num símbolo do movimento operário e das lutas sociais. Daqueles que sonham juntos o sonho de um mundo justo, com igualdade para todos e justiça social. Todos os partidos de esquerda no mundo adotaram a cor vermelha em sua bandeira, como é o exemplo do Partido Comunista do Brasil, que já tem 92 anos de existência ativa na política brasileira. O vermelho de sua bandeira anuncia um lado: o lado do povo, dos trabalhadores, dos que produzem.

O Partido dos Trabalhadores – PT – fundado em 1980, tem reunido em torno de si um dos maiores movimentos de esquerda da América Latina. Sua bandeira também é vermelha, com uma estrela branca. Depois de 12 anos mudando o Brasil, propiciando uma mais justa distribuição de renda, embora ainda mínima, assim como garantias básicas de direitos sociais e aumento da qualidade de vida do povo brasileiro, a ala esquerda, o Cordão esquerdo vestido de vermelho que hoje toma as ruas do Brasil aponta para mais uma vitória do povo, com a eleição novamente da presidenta Dilma Rousseff. O que nos resta esperar é que essa sede de mudanças que toma conta do Brasil gere forças ainda maiores para que a presidenta radicalize ainda mais nas mudanças estruturais e necessárias do seu próximo governo. Um tempo novo se delineia, e é preciso manter o coração valente ainda mais valente depois das eleições!

Depois que vi a capital do meu estado, Pernambuco, tingida de encarnado na noite desta quarta, dia 22, me lembrei da minha infância em Caruaru. Fiquei com vontade de entoar a canção brasileira que exalta a cor vermelha, que transcrevo abaixo. O compositor Chico da Silva escreveu a letra que foi cantada por Fafá de Belém, assim como por Daniela Mercury:

"A cor de meu batuque tem o toque, tem o som da minha voz
Vermelho, vermelhaço, vermelhusco, vermelhante, vermelhão!
O velho comunista se aliançou ao rubro do rubor do meu amor
O brilho do meu canto tem o tom e a expressão da minha cor (Vermelho!)

Meu coração é vermelho, de vermelho vive o coração
Tudo é garantido após a rosa avermelhar.
Tudo é garantido após o sol vermelhecer.

Vermelhou no curral a ideologia do folclore avermelhou
Vermelhou a paixão
O fogo de artifício da vitória avermelhou!"

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