Terceirização: a força de trabalho como mercadoria

“O modo de produção capitalista repousa no fato de que as condições materiais da produção encontram-se nas mãos dos que não trabalham, sob a forma de propriedade do capital e propriedade do solo, ao passo que a massa possui apenas a condição pessoal da produção – a força de trabalho”.

É essa força de trabalho o componente necessário para a produção em qualquer estágio da sociedade. Mas é somente sob o capitalismo que ela se transforma em mercadoria.

Se nos modos de produção anteriores (escravista e feudal) prevalecia uma complexa estrutura hierárquica, na época atual, onde vigora o capitalismo, as contradições de classe são simplificadas em dois campos com interesses opostos: burguesia e proletariado. E o desenvolvimento do capitalismo torna cada vez mais profundo o abismo entre essas classes. Prova disso é que pela primeira vez na história a riqueza acumulada de 1% da população mundial tende a superar a dos outros 99% já em 2016, segundo a organização britânica Oxfam.

Dessa forma, a discussão ora em voga – e que absorve os mais amplos setores da sociedade – sobre o Projeto de Lei 4330, que regulamenta a terceirização do trabalho no Brasil, pode ser dividido, grosso modo, entre esses dois polos, ou seja, os que coadunam com a essência do capitalismo e tratam o trabalho (consequentemente o trabalhador) apenas como uma mercadoria e, portanto, sujeito à maximização da extração da mais-valia; e aqueles que, em defesa da classe trabalhadora, valorizam o trabalho – mesmo sob a égide do capitalismo – além de sua esfera simplesmente mercadológica.

Nesse embate, de um lado firmou posição a Fiesp (e demais organizações da indústria nacional), as representações do comércio, o patronato em geral, os partidos de direita, e todos os liberais que, em uma santa aliança, buscam aumentar a eficiência no trabalho que, antes de tudo, significa aumentar a mais-valia relativa e, em alguns casos, até a mais-valia extraordinária. Tecnicamente estão corretos, pois de acordo com Marx “o valor da força de trabalho, como de qualquer outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho necessário à sua produção e, consequentemente, também à reprodução deste objeto especial de comércio”. Nesse sentido, é inegável a eficácia do trabalho terceirizado em diversas situações.

Não se trata aqui, portanto, de desqualificar os méritos e as vantagens que a terceirização oferece à produtividade das empresas. A terceirização das atividades-meio melhora a eficiência nos resultados e traz benefícios para o contratante como redução de custos, otimização do tempo, possibilidade de expansão sem grandes investimentos e de conferir maior foco aos negócios centrais da empresa.

Entretanto, com o histórico de elevação da produtividade mundial em escala estratosférica, é de se esperar que o aumento dos direitos trabalhistas e a elevação do nível de vida dos trabalhadores acompanhem essa trajetória. Mas não é isso que assistimos nos países capitalistas, como o nosso.
Na China, por exemplo, os salários dos trabalhadores menos qualificados, oriundos do interior do país, aumentaram de 861 yuans (US$139) ao mês, em 2005, para 2.864 yuans hoje . Ou seja, em apenas uma década a remuneração desses trabalhadores mais que triplicou. Claro que uma importante razão para isso é o fato de o excedente populacional no campo estar se esgotando, mas é inegável o esforço do governo em oferecer melhores condições de vida aos trabalhadores, mesmo que isso impacte momentaneamente no PIB chinês.

Fato abominável é o oportunismo de setores do movimento operário, que se configura no exemplo mais clássico do que Lênin chamava de “aristocracia operária”. “Com o apoio da burguesia, a aristocracia operária ocupa postos de comando em uma série de sindicatos e, ao lado de elementos pequeno-burgueses, compõe o núcleo dos partidos socialistas de direita, representando sério perigo para o movimento operário. Esta camada de operários aburguesados é a principal base social do oportunismo”. Eis onde se situa a Força Sindical e seu ventríloquo Paulinho da Força, e a maioria dos dirigentes e parlamentares do PSB e PPS (ambos levam em seu nome a insígnia socialista, cada vez mais ultrajada por seus detratores).

Desse modo, do lado oposto à burguesia, os trabalhadores, a classe dos operários assalariados privados dos meios de produção e, consequentemente obrigados a venderem sua força de trabalho, precisam tomar consciência de seu interesse de classe. Lenin afirmou que “a classe operária não pode travar a luta por sua libertação sem se empenhar em influir sobre os assuntos estatais, sobre a direção do Estado e sobre a promulgação das leis”.

É nesse sentido que Projeto de Lei 4330 deve ser alvo de disputa pelos trabalhadores. O incrível avanço da produtividade do capitalismo deve refletir numa maior geração de empregos de qualidade e rendas (salários) mais dignos. Não por acaso, os países capitalistas mais avançados, EUA, Reino Unido e Japão, respectivamente, têm 13,1%, 22,9% e 23,8% de seus empregados sem contrato permanente (terceirizados). Já no Brasil, esse número chega a absurdos 66.9%.

Uma coisa é certa. Se dependermos da vontade de nossa burguesia, não só o aumento da mais-valia relativa será pleiteado, mas até a mais-valia absoluta, com os trabalhadores literalmente terceirizando o serviço após a jornada de trabalho, com ajuda da própria família, em tarefas externadas no próprio lar. Esse fenômeno é, inclusive, cada vez mais presenciado nas sociedades modernas.

Notas

Karl Marx, Crítica do Programa de Gotha, K. Marx e F. Engels, Obras Escolhidas, t II, 1978, p.16.
Karl Marx, O Capital, t. I, 1978, p. 177.
Valor Econômico. China vive o fim da mão de obra barata. Pág.: A16. 9, 10 e 11 de maio de 2015.
V.I. Lênin, Projeto e Explicação do Programa do Partido Social-Democrata, Obras Escolhidas, t. 2, p.100.
Valor Econômico. OIT vê terceirização como tendência, mas faz alerta. Acessado em 19/05/2015. Disponível (para assinantes) em: http://www.valor.com.br/internacional/4055460/oit-ve-terceirizacao-como-tendencia-mas-faz-alerta.


As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor