Da Aliança Nacional Libertadora (1935) à Frente Ampla (2015)

A dialética da negatividade não se resolve no processo de interpretação, mas no de transformação do real (Otávio Ianni).

A historiografia brasileira atual, e hegemônica, teima em não partir das transformações estruturais decorrentes do processo de nossa formação econômico-social. Mas, neste ano em que se rememora os 80 anos da Aliança Nacional Libertadora (ANL), nada mais apropriado que relacionar um dos grandes momentos de tentativa de mudança estrutural com o quadro atual de luta por um novo modelo de desenvolvimento, em defesa da democracia e dos direitos dos trabalhadores e contra a nova onda conservadora que já se avizinhou.

Em, 1935, o Brasil já estava integrado à economia internacional do capitalismo, como parte importante dos laços econômicos mundiais. Mesmo que não totalmente definida a situação, devido à atuação do imperialismo alemão no comércio da América Latina e do Brasil, o predomínio inglês cedia lugar aos interesses norte-americanos.

As contradições interimperialistas da época se faziam sentir na realidade econômica e política do Brasil. Um dos aspectos dessa influência era o inegável aumento da participação da Alemanha no comércio exterior do Brasil, refletindo na vida política nacional (a criação do movimento integralista em 1932, através da Ação Integralista Brasileira – AIB – e sua expansão), expressando-se através do nacionalismo e repercutindo tanto na direita como na esquerda.

A crise de 1929, que afetara toda a estrutura econômica mundial, refletia-se também no Brasil. A década de 1930 caracterizava-se pelo momento em que o valor da atividade agrícola começava a ser superada pelo da indústria.

Crise, déficits na balança comercial, baixo preço do café, diminuição da renda monetária interna e encarecimento de mercadorias estrangeiras eram alguns dos fatores da trágica dinâmica da época e que explicavam como ao manter-se a procura interna com maior firmeza do que a externa, o setor que produzia para o mercado interno (indústria) passava a oferecer melhores oportunidades para a formação do capital.

A centralização econômica do Estado, efetuada pelos setores oligárquicos diferenciados e que chegaram ao poder com o Movimento de 1930, fez com que o governo controlasse cada vez mais a produção e a comercialização na agricultura. A crise no setor era contrastada pelo setor industrial devido ao aumento do mercado interno, fazendo com que o número de indústrias crescesse, principalmente no eixo Rio-São Paulo. A proteção do governo ao desenvolvimento econômico acentuava-se, por um lado, e o déficit da balança de pagamentos, por outro, fazendo com que as importações se restringissem ao mínimo, estimulando necessariamente a industrialização.

O Brasil vivia um momento de encruzilhada devido à permanência do autoritarismo das classes dominantes e a predominância do latifúndio, acarretando a falta de mudanças na estrutura agrária, afastamento do operariado de qualquer decisão política e falta de um capitalismo liberal nas ações políticas da burguesia.

A ascensão da burguesia industrial não impedia que a burguesia agrária permanecesse na cena econômica, ou seja, em 1935, 70% dos trabalhadores permaneciam em zonas rurais. Por sua vez, o proletariado industrial crescia, ultrapassando a classe operária de origem européia, com elementos oriundos das zonas agrícolas, onde a economia agro-exportadora também se capitalizava.

Os grupos dominantes faziam poucas concessões aos grupos subalternos da sociedade brasileira. Aplicava-se violenta repressão contra as oposições que afloravam. A política de cooptação também era ativa, devido a certas concessões econômicas e manipulação ideológica do Estado para largos setores, visto que o anticomunismo era o argumento de conversão por excelência, sempre com a intenção de evitar maiores mudanças na correlação de forças e mantendo as classes dominadas afastadas o máximo possível da ação política.

Na década de 1930, por sua vez, alterava-se profundamente a estrutura da formação social e econômica brasileira, provocando mudanças políticas que estimulavam movimentos de caráter revolucionários. Entre os latifundiários – e a classe burguesa – e o proletariado emergente, encontrava-se uma pequena burguesia dividida e perplexa, optando ora pelo integralismo, ora por posições socialistas, comunistas ou liberais.

No entanto, a autonomia relativa dos setores médios, sejam civis ou militares, faziam com que, para sobreviver politicamente, se posicionassem do lado das oligarquias ou do lado do operariado.

Assim, quando se chega ao ano de 1935, havia uma grande quantidade de agitações, em parte decorrentes do não-cumprimento de reivindicações conquistadas através dos direitos trabalhistas e não acatadas pelos patrões.

Contudo, os conflitos existentes não significavam que uma situação revolucionária estivesse madura. As significativas alterações fortaleciam a burguesia ascendente, colaborando para seu fortalecimento político. Era mais uma etapa da difícil revolução burguesa que se efetuava, a qual criava uma aparente possibilidade de mudanças estruturais mais profundas.

O Movimento de 1930, na verdade, havia representado uma solução incompleta e ambígua dos problemas da República Velha. As soluções das questões políticas, sociais e econômicas do pós-30 foram sempre parciais e dirigidas pelos grupos dominantes. Assim, boa parte dos setores sociais, naquela conjuntura, via a democracia burguesa de forma limitada.

Ainda em 1934, o Brasil viveu momentos de agitação, em parte devido aos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte e a ameaça de golpe por militares contrários à reconstitucionalização (mesmo após a promulgação da Carta, esses militares continuam com pretensões golpistas), além da pressão integralista e a conseqüente dinamização dos movimentos que se opunham a estes. O número de greves aumentara e o governo acenara, no horizonte, com o intuito de controlar a situação e a oposição, com uma lei de segurança que barrasse as pretensões da organização popular.

As simpatias do Governo Vargas pelo nazifascismo cresciam.

No início de 1935, a situação política do Brasil era cada vez mais tensa, com greves, manifestações e tentativa de aprovação da “Lei Monstro”, a famigerada Lei de Segurança Nacional, que tramitava no Congresso desde 1934. A oposição era grande, principalmente por setores das Forças Armadas, que ao lado de setores progressistas, foram as camadas mais radicalmente contra o projeto.

Por sua vez, o movimento operário, em ascensão, com reivindicações salariais que se avolumavam, fortalecia sua luta e organização. Paralelo a isso, aumentava também a oposição dos aliancistas contra os integralistas, alinhando-se inúmeros confrontos de rua em vários pontos do País.

A recessão, a insatisfação popular nos centros urbanos, o permanente estado de agitação no campo isolavam cada vez mais o Governo de Getúlio que pouco fazia para solucionar os problemas, a não ser utilizar-se do meio mais fácil: a repressão.

Os grupos conservadores começaram a se unir para prostrar os movimentos populares da pequena-burguesia e do operariado que ascendiam. De certa forma, as classes dominantes utilizavam-se dos aparatos do Estado para reprimir o operariado, enfrentando o “mal maior”, denominado “perigo do comunismo”, enquanto que os integralistas eram tratados com esmero.

As alianças, débeis pelo tipo de revolução burguesa que se desenvolvia no Brasil, não impediam que os conflitos sociais aumentassem na proporção em que se acentuava a crise política e econômica.

A situação política no Brasil de 1935 fervilhava, pois, apesar da repressão, a relativa liberdade fazia com que as reivindicações crescessem, permitindo a radicalização na perspectiva de mudanças estruturais propostas por alguns liberais, pelos socialistas e pelos comunistas, enquanto que, por outro lado, aprofundava-se o pedido de endurecimento do regime pelas forças integralistas e/ou conservadoras.

A polarização cada vez mais crescente, numa conjuntura de grandes incertezas, foi criando condições para a formação de uma frente para fazer oposição à AIB e ao Governo Vargas: a ANL.

A esquerda, antes de 1935, encontrava-se organizada em vários partidos e instituições da sociedade civil, tais como o Partido Comunista do Brasil (PCB) e o Partido Socialista. Contudo, mesmo na ilegalidade, vários fatores impediam seu crescimento. O estreito posicionamento dos dirigentes (no caso do PCB, vigorava a tática de classe contra classe e o obreirismo), a repressão estatal e policial, além da aproximação de diversas lideranças trabalhistas ao aparelho de Estado, impedindo que se transformassem em grandes instrumentos de massa para a ação política revolucionária. Além disso, seus programas impossibilitavam a atuação de amplos setores da sociedade e que eles se integrassem como setores liberais. Impunha-se então, a necessidade da criação de uma grande frente que pudesse integrar comunistas, socialistas, liberais e democratas a fim de lutarem contra o fascismo e o Governo Vargas. Tal frente não tardaria a aparecer através da ANL.

Uma das primeiras notícias que se têm da Aliança Nacional Libertadora é de 17 de janeiro de 1935, quando a organização foi citada por Gilberto Gabeira, num discurso na Câmara dos Deputados.

Dessa forma, não nascia mais um partido político, mas um amplo movimento popular, cujo objetivo inicial era emancipar o Brasil da dominação imperialista e impedir a decretação da “Lei Monstro”, que naquele momento, tramitava no Congresso.

As articulações para o surgimento da Aliança Nacional Libertadora haviam iniciado antes do seu aparecimento oficial. Em meados de 1934, começara a estruturar-se o movimento do qual se originará a Aliança.

Assim, o movimento expressava o anseio de mudança da população devido à incapacidade do Governo Getúlio Vargas em resolver os problemas mais candentes do povo brasileiro, após o Governo Provisório e a reconstitucionalização do País.

No Brasil, foi a Aliança Nacional Libertadora, a forma encontrada para aglutinar os setores que se opunham ao avanço do fascismo em nível mundial. Aos poucos, a ANL foi concentrando as mais variadas personalidades progressistas descontentes com o rumo que tomara o Governo Vargas. No entanto, apesar da luta contra o fascismo ou da luta pela paz serem componentes fundamentais para o surgimento da Aliança, é difícil aceitar a tese do surgimento quase espontâneo. Na verdade, seu aparecimento tornou-se uma necessidade política, diante da falta de uma frente popular que congregasse os mais amplos setores antifascistas e antiimperialistas da sociedade brasileira daqueles momentos.

Pode-se afirmar, também, que a Aliança Nacional Libertadora é decorrente das decisões do I Congresso Nacional Contra a Guerra Imperialista, a Revolução e o Fascismo, ocorrido em 23 de agosto de 1934, de onde se articularia o Comitê Jurídico Popular de Investigação para averiguar a forte reação tanto do governo, como dos integralistas. Do Comitê, lançado em 22 de setembro, nascerá o núcleo da ANL, também influenciado pelas frentes amplas contra o fascismo surgidos na Europa, principalmente na França, na conjuntura em que a III Internacional Comunista, após a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, mudava sua tática política.

Mesmo antes do seu lançamento oficial, a ANL já começava a reunir várias setores sociais, apresentando um crescimento vertiginoso, não tardando, então, o lançamento oficial. O mesmo aconteceu, em 30 de março de 1935, através de um comício efetivado no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, cedido pela prefeitura do Distrito Federal. Na ocasião, formou-se o diretório do movimento. Foi proposto o nome de Luiz Carlos Prestes como Presidente de Honra do movimento, sendo aceito por aclamação; Hercolino Cascardo se tornou o presidente, Amoretti Osório o vice-presidente e, como secretário-geral, Francisco Mangabeira.

Ainda em fevereiro de 1935, antes do lançamento oficial, a Comissão Provisória da organização lançou o Manifesto-Programa da ANL. Na ocasião, foram aprovados os estatutos e eleito o Diretório Nacional Provisório (DNP). Tal evento é conhecido como Primeira Sessão Preparatória, ocorrido em 12 de março de 1935, quando foi legalizada a organização como entidade da sociedade civil. De acordo com os seus estatutos, a Aliança era “uma associação constituída por simpatizantes individuais e coletivos com o fim de defender a Liberdade e a Emancipação Nacional e Social do Brasil” (In.: VIANNA, 1992: 123). Participavam partidos políticos (PCB e Partido Socialista Brasileiro – PSB, a Liga Comunista – Oposição Bolchevista-Leninista e os anarquistas que ainda estavam organizados), sindicatos, organizações feministas, culturais e estudantis, além de profissionais liberais e militares. Interessante notar que, dos dezessete nomes escolhidos para o DNP, oito deles eram militares (Hercolino Cascardo, Roberto Sisson, Carlos Amoretti Osorio, André Trifino Corrêa, Antônio Rolemberg, José Augusto de Medeiros, Carlos da Costa Leite e Antônio Rodrigues Gouveia). Os civis eram Francisco Mangabeira (estudante de direito e da União da Juventude Comunista – UJC), Abguar Bastos (deputado da Oposição Parlamentar), Armando Leydner (deputado), Manuel Venâncio Campos (médico e militante de PCB), Benjamin Soares Cabello e Horácio Valladares (jornalistas) e Fernando Muniz Freire, Marcelo Curvelo de Mendonça e Walfrido Caldas.

O programa da ANL colocava cinco exigências básicas: 1ª) anulação de todas as dívidas com as nações imperialistas; 2ª) nacionalização das empresas estrangeiras; 3ª) liberdades públicas; 4ª) direito ao governo popular e 5ª) distribuição das propriedades feudais entre os camponeses e proteção ao pequeno e médio proprietário (PINHEIRO, 1991, p. 273). Além disso, solicitava a jornada de oito horas de trabalho, o seguro social, a aposentadoria e a garantia de salário mínimo para o proletariado dentre outras indicações.

De fevereiro a julho, quando são lançados os manifestos, alargou-se o sentido programático, bem como, a tática do programa. O que permaneceu foi a ênfase antiimperialista e antifascista. O programa de união nacional para conquistar o maior número possível de forças, dirigia-se na busca da gênese de reivindicações nas revoltas tenentistas, iniciadas em 1922. Por sua vez, como explica Edgard Carone, o PCB, através do programa da ANL, passou de uma atuação em círculos restritos, pela ilegalidade, para uma ampla possibilidade de propaganda junto às massas (1978, p. 425).

Para disseminar o programa e organizar-se, a ANL utilizava datas cívicas através de comícios em recintos fechados ou praças públicas (como foram os de 21 de abril em homenagem a Tiradentes, os de primeiro de maio em comemoração ao dia do trabalhador e os de 13 de maio, em memória da abolição dos escravos).

É preciso que se diga que a ANL apresentava uma concepção integral de transformação da realidade brasileira pelas forças progressistas e de esquerda, mesmo que ainda não fosse a revolução socialista. Como já afirmou Luiz Carlos Prestes, “… o objetivo da ANL não era o comunismo, não era um governo comunista, como se diz freqüentemente. Tratava-se de conquistar um governo popular nacional-revolucionário. Era portanto, uma revolução ainda do tipo burguesa…” (PRESTES, 1991, p. 89).

Mesmo assim, a ANL, devido a sua parca vida legal, não conseguiu produzir análises mais profundas sobre a realidade do Brasil, nem documentos políticos de grande penetração em todos os setores da população. Por sua vez, o programa de revolução nacional-libertadora, apesar de alcançar amplos setores da população, sequer levava em conta à real força do PCB, seu principal divulgador, depois que aliou-se totalmente à frente, nem a justeza de suas análises.

Por sua vez, a ANL inspirou amplos setores da população brasileira. De abril a junho de 1935, os brasileiros dividem-se entre optar pelo aliancismo ou pelo integralismo. Assim, as preferências nacionais radicalizaram-se. Até o final de junho, a ANL atuou na ofensiva. Seus núcleos mobilizavam-se a fim de denunciar um possível golpe e para a convocação de uma grande greve.

Expressão de uma luta de classes ainda difusa, mas existente, o movimento cresceu tanto nos quartéis como fora deles. Devido a condições externas favoráveis para mudanças maiores, a ANL alastrou-se com certa facilidade pelo território nacional. Este será o “momento máximo da política de massas da Segunda República e exemplo de capacidade organizatória e reivindicatória”, como explica Edgard Carone. Para o historiador, “nunca, até então, um movimento tomara tal amplitude e força. Não porque os comunistas e as esquerdas em geral dele participem, mas porque segmentos de classes médias, da burguesia e do próprio operariado lutam por programas mais amplos, numa afirmação de nacionalismo e luta contra as forças imperialistas” (1976, p. 256).

De abril a início de julho, abriram-se sedes em todo o País. Já em maio, existiam 1600 núcleos da ANL, sendo que só no Distrito Federal existiam 50 mil inscritos. Amplas massas e importantes lideranças como Miguel Costa, João Mangabeira, Pedro Ernesto, Trifino Corrêa e vários outros líderes “tenentistas”, socialistas, liberais e comunistas aderiram ao movimento. No mês de maio, as inscrições chegaram a ser de 3 mil elementos pagantes por dia, quando a ANL passou a dirigir greves, organizar manifestações públicas, criar uniões reivindicatórias de direito das mulheres e de trabalhadores agrícolas e, por fim, enviar caravanas ao Norte e ao Nordeste (CARONE, 1977, p. 116).

Assim, a ANL chegou a atuar em 17 estados, 300 cidades e pontos populacionais, reunindo mais de um milhão e 500 mil ativistas (KOVAL, 1982, p. 292). O crescimento ameaçou de fato as oligarquias, a burguesia ascendente e o capital estrangeiro.

Através de um Diretório Nacional, diretórios estaduais e municipais com diversos núcleos ligados a eles: distritais, profissionais, associativos, escolares ou rurais, dando estrutura inicial ao movimento de massa. Por sua vez, a capacidade de se organizar nacionalmente, “é instrumento fundamental para a consolidação do movimento” através da criação de ampla rede de comunicação, cujos elementos principais são o jornal e a literatura impressa. No caso dos jornais ter-se-á, no Rio de Janeiro, periódicos como Jornal do Povo, dirigido por Aparício Torelli, o Barão de Itararé, A Manhã e Jornal da Manhã e a revistas Marchae Movimento, órgão do Clube de Cultura Moderna, dirigido por J. Andrade e José Lins do Rego; em São Paulo, A Platéa, de Pedro Cunha, arrendado por Caio Prado Jr. e Liberdade, órgão dos presos do Mária Zélia (CARONE, 1991, p. 190-1).

Assim, a ANL representava um ponto de convergência do movimento operário autônomo, de organizações antifascistas de imigrantes, da intelectualidade democrática, da oposição parlamentar, de jovens oficiais descontentes com o Governo Vargas e com a corporação militar, de frações da burguesia reticente aos corporativismos e de camadas médias urbanas com ideário liberal-democrático, principal base social aliancista (DEL ROIO, 1990, p. 291).

Os aliancistas também contavam com a participação de camponeses e assalariados rurais. Porém, no campo, os núcleos da ANL eram bem menores. Mesmo assim, em vários estados (São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e outros) criamra-se comitês camponeses, como noticia o Jornal do Brasil, em matéria de 07 de janeiro de 1936 (KOVAL, 1982, p. 301).

Também os intelectuais fazem-se presentes na Aliança, tais como Francisco Mangabeira, Rubem Braga, Caio Prado Jr., Di Calvacanti, Newton Freitas, Carlos Lacerda, Brasil Gerson, Anísio Viana, Genolino Amado, Benjamim Soares Cabello, Maria Werneck de Castro, Aníbal Machado, Milton da Costa, Cândido Portinari, Dyonélio Machado, Álvaro Machado, Hermes Lima, Nelson Tabajara, Apparício Torelli, Mário Martino, Maurício de Lacerda Filho, Murilo Miranda, Virgínio Santa Rosa, Elói Pontes, Jorge Amado, Valério Konder, Moacir Werneck de Castro, Nicanor Nascimento e Carneiro de Melo, dentre outros. Em 16 de abril de 1935, foi fundada a Liga de Defesa da Cultura Popular que, ao lado do Clube de Cultura Moderna, tornaram-se locais de aglutinação da intelectualidade aliancista e antifascista.

A juventude também se fazia representar. Além da UJC, pertencente ao PCB, os jovens, através do Primeiro Congresso da Juventude do Brasil, com a distribuição de volantes contra a LSN e contra o fascismo, engajam-se tendo Ivan Pedro de Martins à frente. Por outro lado, organiza-se a União Feminina do Brasil (UFB), lutando por igualdade social e de direito entre os sexos, tendo como principais dirigentes Maria Werneck de Castro, Catharina Lindeberg, Nise Silveira, Priscila Motta Lima e Amanda Alberto Abreu.

Depois de organizada a ANL, os sindicatos levaram à Aliança um programa de reivindicações econômicas e sociais. As constantes greves dos operários têxteis, dos ferroviários, bancários e, também a prisão de centenas de pessoas, bem como a solidariedade da ANL alimentavam a simpatia dos sindicalistas pelo movimento quando, ao mesmo tempo, repudiavam a possibilidade de implantação da LSN. Como exemplo, em primeiro de maio de 1935, numa manifestação na Esplanada do Castelo, no Rio de Janeiro, diante de 20 mil pessoas, anunciou-se a criação da Confederação Sindical Unitária do Brasil (CSUB), com representação no Congresso de 11 estados e 400 sindicatos. O Congresso encerrou-se em 12 de maio, em um ato no Teatro João Caetano, quando a Confederação aderiu oficialmente à ANL (DEL ROIO, 1990, p. 287).

O auge do movimento aliancista se deu com o Manifesto de 5 de julho, um marco representativo na história política do Brasil. Na ocasião, organizaram-se comícios em vários locais do Brasil. Luiz Carlos Prestes, Presidente de Honra da entidade, aproveitou a situação para lançar outro manifesto em nome da Aliança. Era o início da ofensiva contra o governo constitucional de Getúlio. O referido manifesto proclamou, então, “Todo o poder à ANL!”. Era o começo do fim da legalidade da Aliança.

No documento de 5 de julho, declarava-se que a ANL era a continuadora dos movimentos tenentistas dos anos 1920, ao mesmo tempo em que defendia a instalação de um governo nacional, popular e revolucionário e incitava a derrubada do Governo Getúlio Vargas. Para Dario Canalle, o manifesto fornece o “casus belli” para o governo desencadear a repressão e posteriormente, fechar a ANL (CANALLE, In. TAVARES, 1985, p. 128), baseada na LSN. Assim, o Manifesto de 5 de julho infringia a “Lei Monstro”, criada justamente para impedir que movimentos radicais de transformações fossem adiante.

No dia 11 de julho, a ANL ainda lançou um manifesto contra o Congresso Integralista. Porém, o Governo Vargas, no mesmo dia, usou o decreto nº 229, fechando a Aliança, justamente no momento em que eram organizadas sedes em todo o País.

No dia 12, vários oficiais aliancistas foram presos, enquanto a sede nacional da entidade, situada no Rio de Janeiro, foi fechada no dia 13 e, pouco se fez para se deter o ato do Governo. Em São Paulo, ocorreu uma passeata em protesto à decisão; no Rio de Janeiro, as greves não se realizaram como se previa.

O fechamento da ANL foi parte do que se preparava para a repressão, aliada aos discursos anticomunistas das oligarquias no Congresso e as advertências do governo feitas aos altos escalões do Exército e das polícias.

A Comissão Executiva Nacional da ANL lançou um volante denunciando as razões do ato do Governo, ao mesmo tempo que conclamava a necessidade da continuidade do movimento, solicitando o desencadeamento de greves de protesto contra a reação fascista, bem como exigis a reabertura da Aliança como organização legal e de luta pela emancipação social do Brasil( CARONE, 1991, p. 201).

Em 13 de julho, ocorreu o fechamento da União Feminina do Brasil (UFB), órgão de apoio à Aliança no meio das mulheres. No entanto, alguns aliancistas não desistiram em tomar iniciativas e fundaram movimentos como a União Libertadora Brasileira ou a Aliança Popular por Pão, Terra e Liberdade. Era uma tentativa da ANL em reorganizar-se do golpe de fechamento, tanto com outros movimentos como em seu próprio proveito. No dia 17 de julho, Hercolino Cascardo impetrou mandado de segurança contra o fechamento da organização. O mesmo vai ser indeferido em 11 de agosto por unanimidade. Seu fechamento definitivo dar-se-á em 11 de dezembro de 1935, após os levantes de novembro.

Neste meio tempo, a continuidade da ANL coube a uma pequena parte da classe operária, ao PCB e a um número reduzido de tenentistas. Em 27 de julho, o comandante Hercolino Cascardo foi transferido para São Francisco, em Santa Catarina, e a presidência da ANL ilegal passou ao deputado Octávio Silveira. Grande parte das forças que participavam da ANL afastou-se, restando no movimento a parte mais combativa, porém, terminava a possibilidade do caminho legal para a tomada do poder.

Como resultado, militares e comunistas preparavam, na clandestinidade, um movimento armado, que surpreenderia vários participantes da ANL, em particular, e da população em geral.

Aos poucos, a ala de origem tenentista, e setores dirigentes do PCB, começaram a preponderar no rumo de uma revolução nacional-libertadora. Falava-se, claramente, num governo de coalizão popular nacional-revolucionário, sob a presidência de Luiz Carlos Prestes e com a participação da ANL. No período de outubro a novembro, com nova onda grevista, os aliancistas opinavam que mais cedo ou mais tarde a revolução seria colocada na ordem do dia. Contudo, os levantes em Natal, Recife e Rio de Janeiro surpreenderam muitos. A facilidade com que se debelaram os movimentos, expressavam a ilusão que levava os aliancistas à insurreição armada, mas este é um tema para uma reflexão posterior.

Passados 80 anos do lançamento oficial da ANL, eis que o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), no mesmo mês de março, através da sua Comissão Política Nacional (CPN) e diante da “grave situação política em curso no país”, no dia 4, aprovou a resolução “Derrotar o golpismo, fortalecer a contraofensiva pelo êxito do governo Dilma”, na qual emitiu o alerta de que estava “em marcha uma escalada golpista da direita neoliberal para tentar paralisar o governo Dilma, criminalizar o PT e outros partidos da base aliada e, ainda, atingir a reputação do ex-presidente Lula”. Nessa onda conservadora, lideradas pela mídia hegemônica e conservadora, se aprofundava, sem base jurídica, o “impeachment” de Dilma Roussef.

Para fortalecer a contraofensiva que se iniciava, a resolução da CPN apontava um trio de bandeiras que, no momento, iam “se revelando as mais capazes para aglutinar a esquerda e o conjunto do campo político e social democrático”, sendo elas: “Contra o golpe, em defesa do mandato constitucional da presidenta Dilma; Em defesa da Petrobras e da engenharia nacional; e Contra a corrupção, pelo fim do financiamento empresarial das campanhas eleitorais”, além de se destacar “a luta pela retomada do crescimento econômico com a garantia dos direitos trabalhistas e sociais” e as “reformas estruturais democráticas”.

Deste processo, os comunistas conclamavam a militância para “esclarecer, articular, mobilizar e ocupar as ruas”, em uma “hora de grave ameaça ao governo Dilma e aos interesses da Nação e dos trabalhadores”, indicando para as direções partidárias três tarefas básicas: “1º) Esclarecer, por intermédio de plenárias de militantes, filiados, amigos, o que está em jogo no acirrado confronto em andamento no país. Esclarecer, debater, politizar o coletivo militante, desfazer certa confusão e perplexidade presente no seio da esquerda e que atinge inclusive as fileiras do Partido. Segue importante travar a luta de ideias nas redes sociais e em todos os espaços. Esclarecida, consciente da essência da luta em curso, como é da alma de nossa militância, ela vai à luta. 2º) Articular em cada estado, e nos municípios, ações conjuntas do campo democrático, patriótico e popular em torno das bandeiras unificadoras – algumas delas acima já assinaladas. 3º) Mobilizar: ocupar as ruas.”

Na ocasião, o PCdoB defendia que a “contraofensiva” deveria abarcar “várias frentes e vários espaços”, mas ela somente seria vitoriosa se o campo democrático e popular fosse vitorioso também na batalha das ruas. Naquele momento, no âmbito de uma frente ou bloco de esquerda, indicava-se aos partidos e movimentos, “tomar em suas mãos a tarefa de realizar em ondas crescente a mobilização do povo”, cuja tática apontava para a defesa da Petrobras, a defesa do mandato da presidenta Dilma e dos direitos, na luta contra a corrupção, na coleta de assinaturas pelo projeto de iniciativa popular da Coalizão pela Reforma Política Democrática com o fim do financiamento de empresas às campanhas eleitorais.

Como aprofundamento desta tática foi convocada a 10ª Conferência Nacional, que viria a ocorrer entre 29 a 31 de maio, em São Paulo. Nesta Conferência, além da consolidação de Luciana Santos como a primeira Presidente Nacional do PCdoB, foi aprovada a resolução que passou a defender a criação de uma “Frente ampla em defesa do Brasil, do desenvolvimento e da democracia”.

No documento político definiu-se, entre outras proposições, que a América Latina e o Brasil estão sob o alvo do imperialismo, assim como o seu ciclo progressista. No caso do Brasil, o curso político se mostrava instável, perigoso e indefinido, sendo constado que a correlação de forças pende para o lado das forças conservadoras.

Desta forma, o “ponto nuclear do ajuste da tática do campo progressista – decorrente da mudança na correlação de forças”, passava pela defesa da “democracia que nesta hora se materializa na defesa do legítimo mandato constitucional da presidenta Dilma”, rechaçando “o golpismo da direita seja repelindo e desmascarando a pregação de um impeachment fajuto, posto que sem base jurídica, seja derrotando outra vertente desse golpismo, que é a de tentar paralisar o governo, desestabilizá-lo – vertente essa que também se expressa pela conduta truculenta, autodeclarada do PSDB, de “sangrar” a presidenta, de enfraquecê-la continuadamente”.

O documento também chamava a esquerda a não “ceder e nem deixar se imobilizar pela perplexidade, tampouco repetir erros do passado”, como em 1954 e 1964, “quando as forças conservadoras e golpistas maquinaram os golpes contra o presidente Getúlio Vargas e contra o presidente João Goulart”, ocasião em que “a esquerda se dividiu e se anulou enquanto força consequente tanto ao fazer coro, mesmo que indireto, com a investida da direita, quanto ao se orientar por ilusões que subestimavam a força e a determinação dos golpistas”.

Diante do quadro de ofensiva conservadora, a contraofensiva, já adiantada no documento der março, deveria sedar através da constituição de uma frente ampla, democrática e patriótica de recomposição da base social para a “retomada da iniciativa política a ser empreendida pelas forças democráticas progressistas”, a qual deveria se dar em torno de bandeiras unificadoras que se relacionam com a tarefa central de rechaçar com firmeza o golpismo, de defender o mandato da presidenta e de conquistar a estabilidade do governo, a Defesa da Petrobras, da engenharia, da economia nacional, do combate à corrupção e do fim do financiamento empresarial das campanhas, com retomada do crescimento econômico e com a garantia dos direitos trabalhistas e sociais.

A Resolução da Conferência realizada em maio afirmava que era “tempo de luta”, a fim “de esclarecer a militância, o povo, os trabalhadores, de travar a luta de ideias nas redes sociais e em todos os espaços possíveis. (…) de articular, no plano nacional e nos estados e municípios, a mais ampla frente democrática e patriótica, e no seu âmbito fortalecer o bloco social e político de esquerda e progressista. (…) de mobilizar o povo, travar a batalha das ruas!”, pois o que estava em jogo era “o ciclo progressista, um projeto de Nação, a possibilidade real de o país avançar no caminho de um desenvolvimento soberano, de mais democracia, mais crescimento econômico, mais progresso e inclusão social, com o protagonismo do país no processo de integração continental”.

Sabemos que a saída histórica para as crises de desenvolvimento no modo de produção capitalista, em sua forma mais conservadora, tem sido a alternativa fascista. A Ucrânia atual que o diga, assim como o recrudescimento das práticas conservadoras em outras partes da Europa. Sem anacronismos, porém como em 1935, na formação, composição e proposição da ANL, uma Frente Ampla em Defesa do Brasil, do Desenvolvimento e da Democracia, tem similaridade em seu componente antifascista e antiimperialista. Sobretudo, porque, como já disse Chico Buarque, em “Canción por la unidad de Latino America’, “a História é um carro alegre cheio de um povo contente que atropela indiferente todo aquele que a negue”.

* As referências sobre a ANL são basicamente extraídas da dissertação de mestrado “1935: a Aliança Nacional Libertadora no Rio Grande do Sul”, defendida pelo autor, na área de História do Brasil, no PPG em História da PUC-RS, em 1994, com orientação de Sandra Maria Lubisco Brancato e bolsa CAPES.

Referências Bibliográficas

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