“Armas inteligentes” e o retrocesso da humanidade

Enquanto diversos movimentos sociais lutam contra a militarização do planeta, com foco na abolição das armas nucleares, na eliminação das bases militares estrangeiras e no fim do uso de veículos aéreos não tripulados (drones), novos desafios continuam surgindo. Quando os líderes das potências imperialistas simulam comprometimento com a redução da guerra, frequentemente agem no sentido contrário.

Muito já se escreveu sobre o complexo militar-industrial que serve de suporte a um sistema capitalista anexado à indústria da guerra. Também se discorre com frequência sobre a ligação entre o avanço científico e o militarismo, quando o progresso da humanidade vira apenas um pano de fundo para a relação custo-benefício da guerra. Falamos do aumento da letalidade, do alcance e da precisão dos equipamentos bélicos à proporção da redução dos seus custos – econômicos e também humanos, já que a sua performance reflete-se no campo político da propaganda para o convencimento da população.

Um exemplo remonta à década de 1970, quando as imagens de grandes levas de caixões cobertos por bandeiras estadunidenses, vindos sobretudo da Ásia – mais especificamente, do Vietnã – foram consideradas uma “má propaganda” pelo aparato norte-americano da guerra. Os estadunidenses questionavam o custo humano das invasões imperialistas a outros países, inclusive porque o custo também era pago em sangue de casa.

Ainda antes disso, o presidente Dwight Eisenhower, no seu discurso de despedida do cargo, em 1961, faria referência a um “complexo militar-industrial congressual”, ou seja, à maquinaria que enredava a indústria bélica, a economia e a política naquele país onde o lobby é regularizado. O termo foi encurtado na versão final do discurso, que cunhou o termo “completo militar-industrial” hoje empregado por pesquisadores do ramo. Segundo o analista da Agência Central de Inteligência (CIA) Melvin Goodman, o presidente contentava-se com provocar o Exército e a indústria militar e preferia não provocar também o Congresso.

A defesa apaixonada das “intervenções militares” contra a Síria, o Irã, o Iêmen e o Iraque mostra o peso do lobby e o seu reflexo nos discursos dos republicanos agora majoritários. Além disso, em 2015, que marca o 70º aniversário dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki pelos EUA, vimos o fracasso de mais uma Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), um texto simplório e insuficiente, pois não lida com a abolição do arsenal existente. A revisão, em abril, foi tolhida principalmente na definição de um “Oriente Médio livre de armas nucleares”, o que Israel, com seu arsenal secreto, não permitiria. Os EUA, assim, vetaram um avanço ainda modesto.

Mas os desafios dos movimentos anti-imperialistas não terminam por aí. Não bastasse o enraizamento da guerra na economia e na política, ela também se confunde com a ciência, historicamente. No final de julho, na Conferência Conjunta sobre Inteligência Artificial, uma carta aberta assinada por mil cientistas pedia a proibição das “armas autônomas ofensivas”, cuja tecnologia necessária já se avista no horizonte. No caso dos drones, por exemplo, que podem ser equipados com armamentos, os dispositivos realizariam ataques automaticamente, sem depender de um ser humano que os guie na ofensiva.

Se os ataques com drones guiados à distância por soldados já são ameaças inaceitáveis – os números dos “assassinatos seletivos” e das “baixas civis” são ultrajantes, principalmente no Paquistão e no Afeganistão, onde o Exército estadunidense assim age com mais frequência –, a ideia de estarmos sujeitos a decisões mecânicas que resultem de uma programação computadorizada remete a um horrendo filme distópico digno de Hollywood. Para os cientistas signatários da carta, “a questão, para a humanidade, hoje, é se começamos uma corrida de inteligência artificial armamentista e global ou se impedimos que ela se inicie.”

“Armas autônomas são ideais para tarefas como assassinatos, desestabilizar nações, subjugar populações ou matar seletivamente um grupo étnico em particular. Por isso, acreditamos que uma corrida de inteligência artificial armamentista não seria benéfica para a humanidade. Há muitas formas em que a inteligência artificial pode tornar campos de batalhas mais seguros para os humanos, especialmente para civis, sem criar novas ferramentas para a matança dos povos.”

Entretanto, quando a guerra é apenas mais um bem de mercado, mesmo a ciência, que deveria servir ao progresso, é transformada em um fator que agrega valor ao equipamento bélico e sua “eficiência” estará intrinsecamente ligada à violência. Ainda que cada vez mais paramentada tecnologicamente, a guerra continua sendo a evidência de um sistema imperialista que impõe o verdadeiro retrocesso à humanidade, enquanto a mantém cada vez mais ameaçada.

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