Lições da história

Os dias 24 e 25 de agosto nos lembram dois acontecimentos dramáticos da história política brasileira: o suicídio de Getúlio Vargas, na manhã de 24 de agosto de 1954, e a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. Não vai aqui a intenção de examinar mais amplamente ambos os fatos, algo que deve estar ocorrendo na mídia e na blogosfera por esses dias, mas tão somente de chamar a atenção para um fenômeno que envolveu tanto a morte de Vargas, quanto à eleição de Jânio.

Vargas foi bombardeado por uma virulenta e sistemática campanha que juntou partidos da oposição e a mídia (então representada por rádios e jornais) sob o mote da luta contra a corrupção. Foi o estridente jornalista Carlos Lacerda, principal opositor do presidente (e que a partir de então se tornaria o emblema mais nítido do golpismo frente às instituições democráticas), quem criou a expressão “mar de lama”, até hoje usada por seus seguidores. Para surpresa de todos, Vargas tomou uma inesperada e dramática decisão política: suicidou-se e, com isso, aplacou o ímpeto dos conspiradores.

Dezesseis anos depois, nas eleições presidenciais de 1960, a sensação foi o ex-governador paulista Jânio Quadros, que centrou sua campanha na luta contra a corrupção, razão pela qual seu símbolo era uma vassoura. O jingle que se espalhou Brasil afora começava assim: “Varre, varre vassourinha/Varre, varre a bandalheira…”. Venceu as eleições com quase seis milhões de votos, praticamente o dobro da soma dos dois outros concorrentes.

Em ambas as situações, não era exatamente a corrupção que estava em jogo, embora fosse inegável sua existência em maior ou menor grau (mas não um “mar de lama” como bradava Lacerda contra Getúlio). O que estava em jogo eram interesses inconfessáveis das elites conversadoras, alinhadas, sobretudo, às pretensões hegemônicas dos EUA, que se opunham ao programa nacionalista e popular de Getúlio e, em 1960, desejavam impedir a vitória do também nacionalista Marechal Henrique Teixeira Lott, que tinha, entre outros apoios, o que Partido Comunista do Brasil, então sob a sigla PCB. Este era, como se dizia antigamente, o busílis de ambas as situações.

Elogiável sob todos os aspectos, a luta contra a corrupção, elevada a um paroxismo irrefreável, como nos mostra nossa história política, sempre serviu de cobertura aos intentos conservadores, até porque de fácil compreensão pelo senso comum despolitizado, útil para arregimentar massas, encobrindo convenientemente outros objetivos. O golpe militar de 1964 também foi perpetrado sob o mesmo manto da anticorrupção.

Guardadas a distância e as peculiaridades históricas que separam a situação atual do Brasil da verificada naqueles dois episódios, a verdade é que hoje, sob a presidência de Dilma Rousseff, repete-se uma histeria anticorrupção que, como antes, esconde os reais da direita brasileira, incansável em seus intentos golpistas, antipopulares, antidemocráticos e antinacionais. Mais uma vez o discurso contra a corrupção ganha a simpatia do senso comum e varre o país com uma onda oposicionista da mais reacionária e odiosa matiz. Repito uma vez mais: o combate à corrupção, no Brasil e no mundo, é sob todos os títulos meritório, obrigação ética dos governos. Mas, a partir desse justo combate, utilizá-lo com fins de luta política, de aniquilamento de adversários, muitas vezes atropelando normas do Direito, vai uma distância abissal. A operação Lava Jato, infelizmente, está se prestando a isso.

É preciso refletir sobre isso. A história ensina – e muito – àqueles que não lhe dão as costas.

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