Anotações sobre marxismo e classes (VII): a teoria social da burguesia

A ex-primeira ministra inglesa Margareth Thatcher (entre 1979 e 1980) foi autora de uma fórmula que ficou célebre: não existe essa coisa chamada sociedade; o que há são indivíduos.

A “dama de ferro” do neoliberalismo exprimiu dessa forma o fundamento da teoria sobre as classes sociais típica do pensamento social comprometido com o sistema capitalista, sua defesa, reprodução e manutenção.

É uma teoria social que, reconhecendo a existência de contradições sociais, encara-as como problemas que precisam ser resolvidos para preservar a ordem capitalista, vista como natural e culminância do desenvolvimento histórico da humanidade. O pressuposto metodológico desta forma de pensar é a ênfase no indivíduo e seus interesses.

Há uma teoria sobre classes sociais no pensamento social convencional. Aliás, o mais correto seria dizer: teoria sobre estratificação social. Sua face mais visível é a que frequenta os meios de comunicação e por essa via popularizou as chamadas “classes” A, B, C, D e E para designar os segmentos com que as pesquisas de mercado dividem a população ao apresentar hábitos de consumo, decisões de voto, distribuição de renda e por aí vai.

Os autores que fundamentam estas ideias usam expressões que se tornaram lugares comuns para substituir a expressão explícita e concreta “classes sociais”, que encaram como ultrapassada devido às conotações políticas e conflitivas que evoca.

Não se trata de uma opção estilística ou politicamente neutra que, assim concebida, seria “cientifica”: são autores que, rejeitando a crítica ao modo de produção capitalista e ao pensamento marxista, fazem a apologia deste sistema e rejeitam qualquer referência à luta de classes.

Há três correntes que merecem referência quando se estuda o pensamento convencional sobre classes sociais. Uma deriva das ideias do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), um dos fundadores da sociologia acadêmica moderna. Outra é a da sociologia norte-americana, formulada principalmente nas décadas de 1940 e 1950. Uma terceira é constituída pelas teorias da estratificação social, cujas versões mais sofisticadas combinam as duas anteriores.

A linha mais importante da sociologia burguesa deriva de Max Weber, que encarou as classes como “grupos de status”; sua teoria tem enorme influência e prestígio acadêmico. Para ele, as classes são diferenciadas pelo nível de renda e status social das pessoas.

Seu texto mais conhecido sobre o assunto é relativamente curto: Classes, estamento, partido, onde distinguiu as diferenças sociais nas esferas econômica, social e política. As classes resultariam da distribuição do poder em uma comunidade. É uma definição que parte dos interesses econômicos imediatos de grupos de indivíduos relacionados à apropriação dos bens e não à sua produção. Para esta forma de pensar as classes são definidas pela posição do indivíduo na sociedade, pelo poder que exerce e por motivações originadas da ação e das relações sociais.

Outra vertente do pensamento convencional é a chamada teoria da estratificação social, que diferencia os homens opondo as camadas sociais superiores às inferiores também em três formas: econômica (ricos e pobres), política (dirigentes e dirigidos) e profissional (decorrente do prestígio da atividade exercida pelo indivíduo).

Algumas de suas correntes baseiam a definição da classe à qual uma pessoa pertence a partir de sua própria opinião, ou da opinião de seu círculo, sobre o sentimento de pertencer a uma classe, que é compreendida como um agrupamento psicossocial. Outras procuram determinar a situação de classe através de um ou vários fatores “objetivos”, como profissão, cultura ou renda, considerando a classe como um agrupamento profissional.

Juntando as ideias de Weber com as teorias de estratificação social, sociólogos norte-americanos desenvolveram, a partir da década de 1940, a teoria econométrica que diferencia as “classes” em A, B, C, D e E.

É a mais difundida e aparece nos meios de comunicação na forma de pesquisas de opinião que medem desde intenção de voto até decisões de consumo (sobre automóveis, sabonetes, viagens, etc.).

O método mais difundido de classificação social orientada para o mercado foi criado pelo sociólogo norte-americano William Lloyd Warner (1898-1970). Partindo das ideias de Weber sobre grupos de prestígio, ele baseou seu critério na identificação da profissão, fonte de renda, tipo de moradia e bairro de residência, e deu a cada uma dessas características um peso próprio (uma pontuação), de tal forma que a soma dos pontos atribuídos à pessoa analisada permitiria sua localização nas camadas superior, média e inferior.

Esta é a origem de ferramentas conceituais das quais um exemplo é o Critério Brasil, usado por aqui por institutos de pesquisa de mercado para definir “classe” de acordo com a metodologia importada dos EUA. Nele o acesso a bens, renda e educação leva à soma de pontos que define a “classe” – ou melhor, o grupo de consumo – a que uma pessoa pertence. No fundo, fornece uma régua para medir o “grupo de status” definido por Weber no início do século 20.

Estas definições de “classe” tem em comum o fato de partirem da esfera da distribuição da riqueza, atendendo à necessidade da produção capitalista alcançar o mercado, e da dinâmica do poder na sociedade. E descrevem a hierarquia social a partir da capacidade de consumo dos grupos humanos, e de sua tendência por este ou aquele tipo de produto, ou marca. Outra exigência a que essas formulações correspondem é a necessidade de conhecer a dinâmica eleitoral e a tendência de voto de cada um daqueles grupos.

A partir desse critério pode-se perguntar: "O que é ser de Classe C?” – questão que se tornou moda nestes tempos de mudança social.

Este é um debate antigo na ciência que estuda a sociedade. As respostas para esta questão são de natureza profundamente política, e não apenas mercadológica, como sugere o Critério Brasil.

A resposta àquela pergunta começa pelo reconhecimento de que elas variam de acordo com a atitude do pesquisador perante o sistema capitalista, a convicção sobre sua transitoriedade, e o objetivo procurado pela análise.

Há os que querem entender o funcionamento do sistema para melhorar sua defesa e manutenção. E há aqueles que querem conhecer as tendências da opinião pública para melhorar o desempenho eleitoral ou vender melhor um produto.

Segundo os critérios da teoria de estratificação desenvolvida pela sociologia norte-americana, não há antagonismo frontal entre as classes – o conflito, quando há, é individual e se limita ao acesso às mercadorias e bens. As “classes” constituiriam grupos de pessoas com diferente prestígio – e capacidade de consumo – coexistindo basicamente em harmonia. A partir daí foi desenvolvida a teoria econométrica, supostamente objetiva, que fundamenta a diferenciação em níveis de consumo A, B, C, D e E, usada pelos institutos de pesquisas e popularizada pela imprensa.

Estas definições de classe social têm dois defeitos fundamentais. O primeiro é seu subjetivismo; o outro é um objetivismo arbitrário, baseado no acesso aos serviços e bens de consumo, ou numa característica mutável que é a profissão. A esfera da distribuição das mercadorias é posta no centro da análise, desconsiderando a posição das pessoas nas relações sociais de produção que geram as riquezas e determinam a cota de cada um em sua distribuição. O conflito social que reconhecem é aquele que ocorreria apenas na esfera do consumo – nunca na luta pela reorganização da sociedade. Não reconhecem a luta de classes, cujo cenário é a esfera da produção e faz a história caminhar para frente, como ensinaram Marx e Engels.

Referências

Melnikov. A. N. A estrutura de classes nos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1978.

Weber, Max. “Classe, estamento, partido”. In: Gerth, Hans e Mills, Wright (org.). Max Weber – Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1974

Weber, Max. Economia y sociedad. México DF, Fondo de Cultura Econômica, 1992

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor