A atualização do “modelo brasileiro” de desenvolvimento

As dificuldades transitórias da economia brasileira – derivadas em parte de causas exógenas e em outra parte de nossas vulnerabilidades estruturais –, exigem redefinições de fundo sobre a estratégia nacional a seguir, para que os brasileiros possam dar seguimento a sua saga civilizatória pela realização das potencialidades nacionais. 

Esta redefinição da estratégia nacional tem potencial de unir a ampla maioria da nação, a começar das forças produtivas e assim, voltar a coesionar a nação em torno de seu futuro.

É certo que chegamos ao limite de um ciclo, que poderá ter uma renovação e prosseguimento virtuoso (para a construção nacional) ou ensejar grave retrocesso para a nação.

O ciclo que até aqui percorremos, em linhas grossas, observou dois períodos. Um primeiro período é representado pelos dois governos do presidente Lula (2003-2010). Neste período, em especial em seu miolo (2004-2008), a partir de condições externas singulares – mudança nos termos de troca das commodities –, operou-se, corajosamente, iniciativas voltadas à ascensão social dos trabalhadores e da parcela mais pobre dos brasileiros em escala inédita na história brasileira – seu paralelo mais próximo provavelmente terá sido a política de constituição de direitos trabalhistas (CLT) pelo presidente Getulio Vargas.

Um segundo momento, situado entre o período final de Lula e todo o primeiro governo Dilma (2009-2014) foi marcado por outra corajosa decisão: a de enfrentar, com boa parte dos meios disponíveis ao Estado brasileiro, os efeitos da maior crise internacional desde 1929. Levando ao limite esta opção, exauriu-se a capacidade do Estado, como tem dito a presidente Dilma, mas seus resultados preservaram as conquistas sociais logradas no período anterior – enquanto no mundo, o que se via era o inverso, com os trabalhadores levando o ônus da crise.

Essa ação de resistência, marca do segundo período, foi assim exitosa no que diz respeito aos interesses dos trabalhadores: manteve-se, até o início deste ano, uma condição de “quase” pleno emprego. A renda, aliás, até dezembro último, ainda crescia 2,5% per capita reais (acima da inflação), como lembra Marcelo Neri (Folha, 25/08/15).

A opção neste ciclo histórico pela maioria dos brasileiros, em especial pelos trabalhadores, foi o combustível das quatro vitorias eleitorais consecutivas de uma mesma coalizão de forças, com o PT à frente, algo inédito e singular na cena política brasileira em regime democrático.

Ao lado do social, os três períodos presidenciais também tiveram êxito em esboçar caminhos, todavia por consolidar, de uma nova estatura estratégica do Brasil no mundo. Por um lado, a voz brasileira no mundo passou a ser mais “altiva e ativa”, para usar a boa síntese de Celso Amorim: consolidamos o Brics – aliança chave para decidir para qual lado caminhará a transição em curso no mundo – e demos passos iniciais a respeito de um adensamento de nossa presença no entorno estratégico brasileiro, em especial da integração sul-americana.

Por outro lado, demos os primeiros passos na nossa capacidade de “dizer não”, como propôs Nelson Jobim – em alusão a capacidade militar do país em dissuadir bárbaros e aventureiros em que eventualmente decidissem contraditar os interesses brasileiros. Assim, iniciamos importante movimento de recomposição das Forças Armadas, através de programas como da modernização da Força Terrestre, da aquisição do submarino a propulsão nuclear e da renovação dos aviões de caça de combate da Força Aérea.

Os doze primeiros anos, entretanto, também revelaram importantes limitações, dando conta que quão parcial e embrionária são as bases do projeto nacional brasileiro.

A mais clara limitação certamente é a incapacidade de reverter o continuo e prolongado declínio da participação da Indústria como proporção do PIB, cuja curva começa a decair em 1985, nos estertores do nacional-desenvolvimentismo. Declínio que se intensifica a partir do “consenso nacional” estabelecido com o Plano Real (1994), que em sua lógica de domar a inflação a qualquer custo, utiliza armas mortais contra a produção, como o câmbio sobrevalorizado e juros “mais altos do mundo”, ao longo de praticamente duas décadas, inclusive (na essência) desde 2003.

O enfrentamento parcial e incompleto da crise industrial (através de três políticas industriais sabotadas pela macroeconomia) revelou uma subestimação das bases materiais sem as quais não se sustenta estruturalmente nem as conquistas sociais nem a capacidade de projeção de poder do país no mundo.

Novas condições exigem repactuação política e importantes redefinições estratégicas

O quarto governo das forças que assumiram em 2003, iniciado no último 1º de janeiro, assume sob circunstâncias muito mais complexas que as verificadas no período precedente.

Primeiro, pelo esgotamento das condições observadas nos dois momentos do ciclo anterior.
Segundo porque permanece (e em alguns aspectos, se aprofunda) a instabilidade sistêmica no

cenário global – com a persistência da crise, por um lado, e por outro lado, por nova alteração nas relações de troca das matérias-primas dos quais o país é profundamente dependente, sobretudo tendo em vista a regressão industrial. Fatores como a diminuição da demanda chinesa e a superprodução de petróleo – com o desabamento do seu preço – impõe condições difíceis ao Brasil e a grande parte dos países em desenvolvimento.

No plano interno, como tem dito Dilma, esgota-se a capacidade de ação anticíclica do Estado brasileiro.

Adicionalmente, passamos a viver uma crise política sem precedentes, quer por “desgaste de material”, quer por erros políticos elementares – derivados da incompreensão da “correlação de forças” existentes na sociedade brasileira, com a deliberada política de alguns de hostilizar o centro político (PMDB).

Mais amplamente verifica-se uma débil compreensão, por parte expressiva da esquerda brasileira, da dinâmica singular de nossa formação social, e portanto, da forma própria de como se operam as mudanças, historicamente, em nosso país. Efetivamente, da centralidade da questão nacional.

Por certo, a superação da atual crise imbrica e inter-relaciona recomposição/repactuação política com decisão firme em torno de dar curso a agenda pós-ajuste, de retomada do crescimento.

No plano político, atravessamos o fatídico mês de agosto graças ao apoio do setor produtivo e financeiro por um lado, e, por outro lado, dos movimentos sociais e sindicais. Com seus matizes, todos em defesa do respeito ao mandato popular da presidente Dilma.

A despeito de a crise política continuar grave e com desfecho incerto, hoje se aponta para a retomada de condições mínimas de governabilidade, pressuposto para retomar a discussão sobre o futuro, com olhos no presente (saída da crise).

Nesse sentido, como argumentamos neste espaço na quinzena passada, está o mérito da Agenda Brasil, proposta pelo Senador Renan Calheiros, assim como as primeiras iniciativas do governo voltadas para compor uma “agenda positiva”, como o plano de investimentos em logística e o plano de exportações.

Mas para além destas positivas iniciativas pontuais, está na ordem do dia redefinições de fundo quanto a estratégia nacional de longo prazo, em meio ao turbulento mundo em que vivemos, que nos permita acelerar a realização das amplas potencialidades brasileiras. Enfim, em redefinições quanto ao “modelo brasileiro” de desenvolvimento.

Por certo este modelo não será, como erroneamente propõe parte da esquerda, um retorno puro e simples ao período anterior, inclusive porque as premissas se alteraram. Tampouco será a agenda ultraliberal proposta pela oposição (e rejeitada nas urnas quatro vezes pelo povo), que aprofundaria o caos social e a regressão nacional e democrática.

Partindo de nossas singularidades, o que se apresenta é como promover o “engate” do Brasil na economia do conhecimento e da inovação, nas grandes tendências do século 21, nos termos de movimentos de saída da crise (mundial) em debate em algumas das grandes economias mundiais.
(Prosseguiremos este debate neste espaço)

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