A insurreição da ANL em 1935 e a resistência da Frente Brasil Popular

Em meados da década de 1930, o Brasil atravessava uma conjuntura política de radicalização das posições ideológicas. Parcelas da população dirigiam-se politicamente para a esquerda, na Aliança Nacional Libertadora (ANL), ou para a direita, na Ação Integralista Brasileira (AIB), enquanto que o Governo de Getúlio Vargas e seus aliados estavam em luta pela aprovação da Lei de Segurança Nacional (LSN).

Por sua vez, a oposição liberal-democrata ao getulismo temia a diminuição das liberdades públicas, mas horrorizava-se com qualquer perspectiva de radicalização à esquerda. Naquele quadro, de disputas políticas e de radicalização das movimentações táticas, os confrontos de projetos ampliavam-se cada vez mais.

Na passagem de 1934 para 1935, os movimentos sócio-políticos procuravam construir greves econômicas e/ou políticas. A esquerda, tendo a frente o Partido Comunista do Brasil (PCB) e a sua tática de classe contra classe, diante da ascensão do fascismo na Alemanha após 1933, mudava de estratégia e organizava-se em frente ampla e popular, propondo reformas radicais ao desenvolvimento capitalista no Brasil.

Enquanto A Platéia,de São Paulo, noticiava o retorno de Luiz Carlos Prestes ao país, para dirigir a ANL que se criava e cujo manifesto deveria ser divulgado em breve [1], desenhava-se cada vez mais no horizonte o fechamento do jovem regime constitucional nascido em 1934.

Em 27 de janeiro de 1935, o projeto da LSN foi apresentado à Câmara dos Deputados, prevendo os crimes contra a Ordem Política e Social, a punição de greves nos serviços públicos, a repressão aos estrangeiros e a repressão às idéias subversivas, bem como a divulgação de notícias alarmantes, os crimes cometidos pela imprensa e os praticados pelo funcionalismo público. No mesmo dia, na capital federal, a polícia, postando-se ao largo do prédio, impediu manifestação na frente do Palácio Tiradentes contra a entrega do projeto, com a alegação de que o movimento era expressão de comunistas.

Nos dias 5 e 11 de fevereiro, na Câmara dos Deputados, em nome do PCB que se mantinha na ilegalidade, o deputado Álvaro Ventura fez veemente discurso contra a LSN, que passava aceleradamente pelas comissões da Câmara dos Deputados, denunciando o caminho fascista que o país tomaria com a nova Lei e as violações que a polícia vinha cometendo contra os operários, antes mesmo de a mesma entrar em execução[3].

O que se via, no Brasil dos primeiros meses de 1935, era uma aberração jurídica: a LSN que sequer havia sido votada na Câmara dos Deputados já era aplicada na prática, enquanto ainda tramitava no Legislativo, através de intervenções da polícia em todos os direitos individuais e sociais, ferindo antecipadamente a Constituição de 1934. Neste meio tempo, a polícia descobria os vários “complôs comunistas”, amplamente divulgados pela imprensa, como na cidade paulista de Bauru, em Minas Gerais ou na capital da República, no Rio de Janeiro. Com estas notícias plantadas, a resposta da polícia era varejar as associações operárias, prendendo vários trabalhadores, como parte da estratégia conservadora para conquistar o apoio da opinião pública para a aprovação da Lei de Segurança.

Assim, em todo o país, uma das formas de reação contra a LSN foi a ampliação da ampla frente antifascista, que resultou no lançamento nacional da ANL, em 12 de março, quando a comissão de Organização Provisória organizou o Diretório Nacional Provisório (DNP) da Aliança, em reunião realizada em um prédio da avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro. Na reunião, quando foram aprovados os estatutos da ANL, estiveram Roberto Sisson, Marcelo Curvello de Mendonça, Antônio Rollemberg, Carlos de Schneler, Benjamim Soares Cabello, Carlos Lacerda, Francisco Mangabeira, Armando Laydner, Annyzio de Vianna, Abguar Bastos, José Augusto de Medeiros, Rubem Braga, Manuel Venâncio Campos da Paz, Febus Gikovate, Carlos Amorety Osório, Antônio Rodrigues Gouvêa, Euzmann Cavalcanti e André Trifino Corrêa[4]. A ANL também era o desdobramento do I Congresso Anti-Guerreiro, ocorrido em 23 de agosto, no Rio de Janeiro, no teatro João Caetano. O Congresso contra a Guerra e o Fascismo foi organizado pelo Socorro Vermelho, um dos braços de atuação do então clandestino PCB.

No dia 16 de março, na Câmara dos Deputados, após amplos debates, a maioria conservadora conseguiu a aprovação da LSN, em segunda discussão, correspondente ao segundo turno atual. Onze dias depois, a LSN foi aprovada em último turno, sendo que a Câmara referendou a redação final em 29 de março.

A aprovação da LSN foi um golpe nas liberdades democráticas da Constituição de 1934, coroava os desejos conservadores para o aumento da coerção e do poder político-policial diante da sociedade. Com a LSN, diminuía a fronteira entre a legalidade e a arbitrariedade. Por isso, é um mito de determinada historiografia de que o fechamento do regime se deu em conseqüência do Movimento Nacional Libertador de novembro de 1935. A LSN apenas coroou a intenção de colocar um ferrolho nos movimentos sócio-políticos de oposição. A reação à Insurreição Nacional-Libertadora de novembro apenas explicitou a justificativa preparada desde a Lei de Segurança.

Por isto iremos compreender o verdadeiro motivo para que, alguns meses antes de novembro, a ANL começasse a crescer e se ampliar: em resistência à LSN, em particular, e à ascensão fascista, em geral.

Em menos de quatro meses de legalidade, até julho de 1935, a Aliança organizou cerca de 1600 comitês em todo o País, também organizando as mulheres aliancistas e antifascistas, as quais fundaram a União Feminina do Brasil (UFB), em 25 de maio. Em seu Manifesto-Programa, a ANL defendia, entre outros pontos: a nacionalização das empresas imperialistas; o direito do povo manifestar-se livremente; a entrega dos latifúndios ao povo laborioso que os cultivasse e a libertação das camadas camponesas pagos pelo aforamento ou pelo arrendamento da terra, além da anulação total das dívidas agrícolas, resumidas nas consignas antiimperialista, antifascista e antilatifundiária.

A ampliação da organização da ANL e da mobilização dos trabalhadores, além de maior atuação pública do PCB, nos finais de junho de 1935, fez circular constantes boatos e notícias na imprensa de que o governo tomaria novas providências em relação a medidas repressivas contra os movimentos sociais e políticos de oposição.

O motivo esperado pelos reacionários viria com o Manifesto de Luiz Carlos Prestes, de 5 de julho de 1935, quando solicitou todo o poder à ANL. O manifesto foi a justificativa para Vargas determinar o fechamento da ANL, através de decreto nº 229 de 11 de julho. Em todo o país, a polícia passou a invadir, fechar e lacrar as sedes da entidade, justificada para “impedir a expansão das idéias extremistas” e o “perigo comunista”. Pouco depois a polícia acatou o decreto governamental que também ordenava fechar, através do decreto nº 246, todas das sedes da UFB.

A ANL tentou resistir ao seu fechamento, conclamando os trabalhadores a fazer greve contra o ato arbitrário de Vargas. Em todo o Brasil, os aliancistas, mas principalmente os comunistas passaram a incitar o operariado à greve geral. Em decorrência, ainda em julho, o Governo Vargas mandou fechar a Central Sindical Unitária do Brasil (CSUB), o braço sindical criado pela Aliança.

Fora do país, a ANL passou a ser um dos exemplos concretos da política de frente antifascista e antiimperialista, decidida como forma de organização prioritárias pelo VII Congresso da IC, ocorrido em Moscou entre a última semana de julho e a primeira semana de agosto de 1935.

O PCB também procurou reagir. Em agosto de 1935, programou um mês de protestos por todo o país. Estavam dados os primeiros passos para a Insurreição Nacional-Libertadora de Novembro de 1935. A convocação de manifestações com o objetivo de reforçar a Aliança, chamando movimentos para 1º e 23 de agosto, comemorando o primeiro aniversário do Congresso Nacional contra a Guerra e o Fascismo e preparando o Congresso da Juventude Operária, Estudantil e Popular, visava desencadear greves e luta nos campos. A tática seria colocar, “sem medo e sem sectarismo” a ANL como “dirigente geral e coordenadora de todas essas lutas” naquela etapa da revolução, pois ela seria “o organismo” que iria “ocupar o poder com Prestes à frente, no Governo Popular Nacional revolucionário”, com o intuito de “reforçar o próprio Partido”, o que fazia prever para breves tempos “o triunfo da revolução” que deveria ser democrático-burguesa, contra o latifúndio e o imperialismo.

E ela não tardaria a ser organizada, enquanto que, paralelamente, ampliava-se em todo o Brasil o discurso contra a ANL, acusando o PCB de esconder-se através de sua sigla e de estar a serviço de Moscou. Assim, qualquer tentativa de organizar resistência legal ao fechamento da Aliança, aparecia para os setores conservadores como movimentação dos “extremistas”.

Se os avanços das greves e a criação da ANL serviram de justificativas para o estabelecimento da LSN, no início de 1935, a decisão da aplicação tática do PCB, após a ilegalidade da Aliança, traria a justificativa final e esperada para o Governo Vargas fechar o regime de vez, acabando com os poucos resquícios de liberdades civis que haviam sido conquistados na Constituição de 1934. Entretanto, é de se ressaltar que, como identifica Edgard Carone, diante da crise econômica e social vigente, das críticas que Vargas vinha sofrendo da oposição na Câmara Federal e das greves que aparentavam uma determinação crítica do operariado, havia um reforço da idéia de possibilidade de tomada do poder, concretizada em novembro[5].

Mas as informações secretas que o Governo Vargas vinha obtendo sobre as movimentações revolucionárias, especialmente dos comunistas em torno do PCB, não lhe deixavam apenas vigilante em relação à esquerda[6].

Hoje já sabemos detalhes sobre este processo através de minha tese de doutorado, mas, principalmente, porJohnny: a vida do espião que delatou a rebelião comunista de 1935, através da biografia escrita pelo historiador R. S. ROSE, com o auxílio de Gordon D. Scott [7], na qual ficou demonstrado que Johnny de Graaf (Paul Gruber), que veio ao Brasil junto com a delegação da III Internacional Comunista, na verdade era o agente do Intelligence Service da Grã-Bretanha, o qual, através de Alfred Hutt, diretor da Light no Rio de Janeiro e também espião, informara toda a preparação da Insurreição Nacional, enquanto que a estratégia do Governo Vargas foi deixar que ela se desenvolvesse até o limite, para ampliar seus mecanismos de repressão e poder desarticular toda a organização da ANL no País, assim como desmontar todo o PCB clandestino e prender toda a sua direção.

Assim, com a hegemonia clandestina do PCB no interior da ANL, em 23 de novembro, iniciou a insurreição em Natal, no 21º Batalhão de Caçadores, de forma espontânea, pois não havia a autorização do Comitê Central do PCB, precipitando o movimento[8]. No dia seguinte, os rebeldes tomaram o controle de Natal, inclusive soltando todos os presos políticos, constituindo a Junta Revolucionária ou Governo Popular[9].

Este não durará mais que dois dias, pois o Governo Federal, através de forças civis e militares e contando com pesado armamento, dominou a situação na capital e no interior do estado. Iniciava, então, um período de ampla repressão no Rio Grande do Norte.

No dia 25, explodiu o movimento em Pernambuco em decorrência da decisão do Comitê Militar Revolucionário, após tomar conhecimento da eclosão em Natal. Os rebeldes tomam inicialmente o 29º BC, em Recife, e após a Vila Militar em Socorro e o destacamento policial de Jaboatão, além de estabelecer conflitos em Olinda e Paulista. Mas isolados, logo são derrotados. Como em Natal, a repressão ao movimento foi violenta, haja vista as várias mortes ocorridas entre as forças rebeldes e as forças leais ao Governo Federal.

Com os movimentos dos quartéis, acontecidos em Natal e Recife e orientados pelo PCB, no dia 26 de novembro de 1935 foi decretado o Estado de Sítio, sob nº 457, com apoio da Câmara dos Deputados, todas as franquias constitucionais. Um dia antes o governo havia enviado por telegrama uma circular para todo a país, relativo ao “Movimento Extremista no Norte do Brasil”, noticiando oficialmente a irrupção do movimento em Natal, Olinda (prontamente dominada) e Recife. O movimento foi classificado de “nitidamente comunista” e organizado por soldados e inferiores dos batalhões aquartelados nessas cidades, com a cooperação de “elementos civis extremistas”. Ali, se anunciava o pedido ao Legislativo do Estado de Sítio. No dia seguinte, outra circular, abordando o mesmo assunto, divulgava a aprovação do Estado de Sítio por trinta dias para todo o território nacional, o recuo do movimento em Recife e a possibilidade do governo derrotar os revoltosos em Natal.

Em 27 de novembro, uma terceira circular, já denominando a insurreição de “movimentos sediciosos de caráter comunista”, informava que o ministro das Relações Exteriores tinha a honra de comunicar aos chefes dos corpos diplomáticos estrangeiros no país a sublevação, na madrugada, da Escola de Aviação Militar (no Campo dos Afonsos) e do 3º RI (na Praia Vermelha), mas o governo havia sufocado “peremptoriamente” o levante da Escola de Aviação e conseguiu logo isolar os sublevados do 3º Regimento, esperando para qualquer momento a rendição dos amotinados. A circular realçava o caráter comunista do movimento e notificado que o governo federal e os governos dos estados estavam aparelhados “para a defesa do regime constitucional e da ordem pública”.

No mesmo dia, uma quarta circular, assinada pelo ministro José Carlos Macedo Soares informava da rendição no 3º RI e o restabelecimento da ordem em todo o país. No dia 28, uma quinta circular às missões diplomáticas, afirmava que “havia sido rápida e energicamente liquidada a aventura comunista em nosso país”[10].

Passados 80 anos deste episódio, rememorados neste mês de novembro, a historiografia, os comunistas e muitos dos que estiveram nas lutas antifascistas de 1935, bem como na Insurreição Nacional-Libertadora de novembro, tiraram variadas lições sobre aquele processo. Desde a insuficiência do militarismo tenentista através da tomada de quartéis para a mobilização popular, passando pela subestimação do apoio de amplos setores de trabalhadores ao Governo Vargas em uma conjuntura de conquistas de direitos trabalhistas e sociais, mesmo que os direitos políticos se tornassem cada vez mais restritos, até a importância da necessidade da ampliação e organização popular para derrotar as forças reacionárias e fascistas e levantar adiante projetos táticos nacionais e democráticos dentro da estratégia socialista.

Nestes 2015, depois de oito décadas, os setores populares e democráticos, em um dos contextos mais intensos da luta de classes em nosso País em sua formação histórica, continua sabendo que a farsa da alternativa fascista pode virar nova tragédia. Com o acúmulo de luta social e política, à exceção de correntes radicalizadas pelo esquerdismo pequeno-burguês, aprendeu-se que em épocas de intensificação da disputa pela correlação de forças, a alternativa fascista ainda é a solução burguesa para a crise de acumulação do capital financeiro, solução que as classes dominantes não vacilam se necessário usá-la.

Assim, acertam os comunistas, mais do que nunca, em estimular a ampliação organizativa da nova Frente Brasil Popular (FBP). Em 1989, outra FBP, em aliança do PT, do PCdoB e do PSB, levou a candidatura de Luís Inácio “Lula” da Silva e José Paulo Bisol ao segundo turno das eleições presidenciais, defendendo. em seus 13 pontos, um programa que indicava um governo anti-oligárquico, democrático e popular que defendendia a democratização da vida nacional; a soberania nacional; as empresas estatais e a realização de uma reforma administrativa de cunho progressista; a reforma agrária antilatifundiária e uma política agrária em defesa de pequenos e médios agricultores; o desenvolvimento independente da economia nacional; a redistribuição da renda nacional, o combate à inflação e à especulação financeira; a habitação popular e o saneamento básico através da reforma urbana; a reforma da educação, da saúde e a melhoria do transporte coletivo; a recuperação do meio-ambiente e a preservação da Amazônia; a democratização da cultura e dos meios de comunicação; a ciência e a tecnologia à serviço do progresso nacional; os direitos dos trabalhadores, da mulher, da juventude, dos negros e dos índios, com ampliação das conquistas e; uma política externa progressista e não intervencionista[11]. Como se vê, estes pontos, muito semelhantes às Reformas de Base propostas pelo Governo de João Goulart e interrompidas pelo Golpe de 1964, impressionantemente atuais, iam e vão de encontro aos interesses da classe dominante brasileira e dos monopólios estrangeiros instalados no País.

Desta forma, a reedição em 2015 de uma nova FBP, agora, de acordo com os desafios da conjuntura, se faz necessidade para enfrentar o neoliberalismo, a reação conservadora no Brasil e a nova ascensão fascista em nível mundial.

Organizada desde 5 de setembro, no ato ocorrido em Belo Horizonte, a nova coalizão de movimentos sociais e partidos políticos, como a CTB e a CUT, o MST e a UNE, o PT e PCdoB, entre outras organizações, se organiza à esquerda para a ampliação dos direitos sociais e civis e em resposta à ofensiva conservadora que têm levado à direita às ruas, pedindo desde a destituição de Dilma Roussef até a volta da Ditadura. Estes, estimulados pelos setores mais reacionários das classes dominantes brasileiras, amplificados por hegemônicos e monopolistas meios de comunicação, vão às ruas e tramam todos os tipos de golpes, passando pelo golpe midiático, pelo golpe parlamentar ou pelo golpe de setores do Judiciário, a exemplo do que aconteceu na deposição de Fernando Lugo, no Paraguai, e de Manuel Zelaya, em Honduras, visando interromper o novo ciclo progressista iniciado na América Latina com os governos de Lula e Dilma no Brasil, de Hugo Chaves e Nicolás Maduro na Venezuela, de Rafael Corrêa no Equador, de Evo Morales na Bolívia, dos Kirchner na Argentina, entre outros.

É insuportável para a direita brasileira, organizada prioritária e partidariamente no PSDB e no DEM, junto com seus aliados imperialistas, sobretudo os norte-americanos, que este ciclo represente uma cunha ao neoliberalismo. Sem qualquer outro projeto alternativo, estes setores liberais e conservadores, cada vez mais se instrumentalizam de posições políticas e governos de tipo fascista para levar adiante seus intentos, vide o caso recente da Ucrânia.

Assim, a retomada de frentes populares, seja por uma nova Frente Brasil Popular, seja pela Frente Povo Sem Medo (lançada em outubro de 2015), necessita romper com táticas da pequena política ou da ilusão das frentes únicas, as quais têm se mostrado insuficientes para mudar a correlação de forças numa conjuntura de reação conservadora e até fascista.

Ensinou-nos o revolucionário italiano Antônio Gramsci, nos Cadernos do Cárcere, também na conjuntura de ascensão do fascismo em seu país, quando se referia a aos grupos sociais, chamados pelo pensador sardo “subalternos”, de que sua história é “necessariamente desagregada e episódica”. Gramsci indicava ser indubitável que, na atividade histórica destes grupos, “existe tendência à unificação, ainda que em termos provisórios, mas esta tendência é continuamente rompida pela iniciativa dos grupos dominantes e, portanto, só pode ser demonstrada com o ciclo histórico encerrado, se este se encerra com sucesso”, pois “os grupos subalternos sofrem sempre a iniciativa dos grupos dominantes, mesmo quando se rebelam e insurgem”. Assim, “só a vitória ‘permanente’ rompe, e não imediatamente, a subordinação”, pois, “na realidade, mesmo quando parecem vitoriosos, os grupos subalternos estão apenas em estado de defesa, sob alerta”. Estes traços de “iniciativa autônoma por parte dos grupos subalternos”, continua Gramsci, “deve ser inestimável para o historiador integral” (aqui para alguém que conhece minimamente seu pensamento, sabe que ele defende a totalidade como categoria importante da filosofia da práxis, ou seja, do marxismo, para se entender a realidade”)[12]. Provavelmente esta recomendação de Gramsci é torna-se crucial para se entender a concretude histórica, isto é, a síntese das múltiplas determinações, como bem afirmou Karl Marx, no Método da economia política[13], assim como para se afastar das visões fragmentárias da realidade social, tão ao gosto de certos meios acadêmicos e políticos da atualidade.

Desta forma, a diversidade na unidade, quando não se separa o método de interpretação sintética da realidade da própria ação concreta nesta realidade, traduzida pela luta política e de classes, exige que, assim como aprendemos na nossa História, seja com a ANL de 1935, com as reformas de base propostas por Jango no pré-1964, seja nos 13 pontos da Frente Brasil Popular de 1989, uma nova Frente Ampla, como a atual FBP, deve ter como eixo a defesa da democracia, o combate ao golpismo e ao fascismo, a ampliação dos direitos, a construção de um novo projeto de desenvolvimento nacional e o rompimento com o ciclo de crescimento econômico baseado em macro-políticas econômicas neoliberais que de tempos em tempos nos impões ajustes fiscais e aumento das taxas de juros em consonância com os interesses do capital financeiro e sua versão mais perversa no mundo contemporâneo, o capital rentista.

Notas

* Este artigo, em um primeiro momento, apresenta extratos modificados de parte dos capítulos 3, 4 e 5 da tese de doutorado do autor, O fantasma do medo: o Rio Grande do Sul, a repressão policial e os movimentos sócio-políticos(1930-1937), orientada por Michael Mcdonald Hall e defendida na UNICAMP, em 2004.

** ** Professor Associado do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP.

[1] Uma das primeiras notícias da fundação da ANL se deu em São Paulo, com a criação de um núcleo local, em 28 de janeiro. Ver “Fundada em São Paulo a Aliança Nacional Libertadora”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 29/01/1935, p. 1, Museu de Comunicação Social José Hipólito da Costa (MCSJHC)/RS. No dia 30, Filinto Müller, Chefe de Polícia do Distrito Federal, após consultar o ministro da Guerra, declarou que Prestes poderia regressar ao Brasil, assumindo a direção da Aliança. Ver “O senhor Luiz Carlos Prestes pode voltar ao Brasil”. Idem, 31/01/1935, p. 1, MCSJHC/RS. Três dias depois a ANL de São Paulo protestava, através de um comunicado assinado por Gerson e Mário Coutinho, contra as prisões que vinham acontecendo em todo o Brasil. Cf. idem, 03/02/1935, p. 1, MCSJHC/RS.

[2] Cf. “Foi apresentada, ontem, a Câmara Federal, o projeto da LSN” e “Impedida uma manifestação comunista no Rio”. In. Diário de Notícias. Porto Alegre, 27/01/1935, p. 1, MCSJHC/RS. Ver sobre o mesmo tema “Foi apresentado à Câmara o projeto de Segurança Nacional”. In. O Estado de São Paulo. São Paulo, 27/02/1935, p. 1, Microfilme 0513, Coleção Jornais Brasileiros, Arquivo Edgar Leuenroth (AEL)/UNICAMP. Na redação inicial do projeto de LSN, auxiliaram o Ministro da Justiça, Vicente Ráo, e o Ministro da Guerra, Góes Monteiro.

[3] Sobre a oposição inicial do PCB contra a LSN, ver CARONE, Edgar. Brasil: anos de crise 1930-1944. São Paulo: Ática, 1991, p. 183-185.

[4] Ver cópia da ata dessa reunião no Fundo DOPS, Setor Comunismo, Pasta 18 – ANL, Folhas 245-6, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).

[5] Ver: CARONE, Edgar, op. cit, 1991, p. 217.

[6] A polícia política do Distrito Federal apreendeu um documento secreto da ANL, sem que aparecesse no documento a data e o local de origem, mas com grandes possibilidades de ter sido feito após o decreto de fechamento de 11 de julho, pois nele o Diretório Nacional da Aliança indicava um código para ser utilizado em correspondências legais e ilegais. Entre outras palavras, aparecem as seguintes: dinheiro = xc.1; calor = trabalho de base nos meios militares; frio = trabalho de massa nos meios civis; inverno = presos políticos; manga = armas e munições; caju = serviço de finanças; preço de algodão = organização em geral; foot-ball = grupos de luta no interior; saúde = em condições de luta; interior = ligação com o norte; navio = ligação com o Sul; cidade = trabalho no meio dos oficiais; garagem = revolução; Chevrolet = Paraíba; Ford = Rio Grande do Norte; Chandler = Ceará; Studbaker = Alagoas; Buick = Pernambuco. Ex. Muito calor = bom trabalho; pouco calor = pouco trabalho; nenhum calor = nenhum trabalho; surgiram dois novos clubes de foot-ball = havia dois grupos novos em ação; fizemos uma viagem num Chevrolet = estava feita a ligação com a Paraíba, etc. Cf. esse código no Fundo DOPS, Setor Comunismo, Pasta 20 – Correspondências do PCB, Folha 260, APERJ.

[7] Ver: ROSE, R. S. Johnny: a vida do espião que delatou a rebelião comunista de 1935. Rio de Janeiro: Record, 2010.

[8] Sobre a deflagração do Movimento em Natal, prestes declarou anos depois: “(…) Há muitas versões sobre esse levante. Fala-se de provocação, mas a verdade é que foi um movimento espontâneo, sem ordem da direção do partido (…)”. Cf. MORAES, Denis e VIANA, Francisco. Prestes: lutas e autocríticas. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 75. Sobre o início do movimento de Natal, e a partir das declarações acima de Prestes, Edgard Carone afirma peremptoriamente, contra algumas versões, que não houve infiltração policial no episódio. Entretanto, não se consegue desprender da leitura de Brasil: anos de crise 1930-1945, se Carone refere-se apenas ao início do movimento em Natal, ou em relação a toda a preparação da insurreição Comunista de 1935, já que na obra de Moraes e Viana, Luiz Carlos Prestes não faz referência em relação à polícia no que se refere ao caráter espontâneo do início do movimento em Natal. Cf. CARONE, op. cit., p. 223. Sobre um aprofundamento do Movimento Nacional-Libertador em Natal, ver COSTA, Homero. A Insurreição Comunista de 1935. Natal – O primeiro ato da tragédia. São Paulo: Ensaio, Natal: Cooperativa Cultural da UFRN, 1995.

[9] O Chefe de Polícia do Distrito Federal, Filinto Müller, recebeu em 24/11/1935, o rádio nº 206, vindo de São Luís do Maranhão (em retransmissão de Recife), e interceptado pelo Quartel Geral do Ministério da Guerra, no qual era anunciado que a estação de Natal fora dominada pelos sargentos rebeldes do 21º BC de Natal. Nele era comunicada a “subversão da ordem pública”. Cf. Arquivo Filinto Müller, FM 33.02.02, 1935 – Miscelânea, doc. II-107, CPDOC da Fundação Getúlio Vargas (FGV). No entanto, Müller já sabia desde o dia anterior dos acontecimentos de Natal, tanto que mandou circular reservada para os governadores dos estados comunicando a prisão dos oficiais leais ao governo e as medidas de reação dos legalistas, ao “caráter extremista do movimento”, indicando que o mesmo achava-se articulado em outros estados. Por isso, solicitava em nome do Sr. Presidente “as mais enérgicas providências sentido defesa da ordem”. Cf. Arquivo Filinto Müller, FM 33.01.01, 1933 a 1938, doc. de 23/11/1935, CPDOC/FGV.

[10] As circulares n.s 1.030, 1.031, 1.032, 1.033 e 1035, respectivamente, podem ser conferidas no Fundo Relatórios dos Ministérios – Mensagens dos Presidentes da República, B-3-125 (1935). Relatório do Ministério das Relações Exteriores, Ano 1935.2º Vol., anexos C e D. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1937, p. 399-402, em exemplar encontrado no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS).

[11] Sobre a Frente Brasil Popular e seu projeto, além da sua articulação com os movimentos sociais, ver: KONRAD, Diorge Alceno. A vitória na derrota. O Processo Eleitoral de 1989 e a Frente Brasil Popular. Santa Maria: UFSM, 1991. Monografia de Especialização em História do Brasil (mimeo.)

[12] Cf. GRAMSCI, Antônio. “Ás margens da história (História dos grupos sociais subalternos)”. In. Cadernos do cárcere. Vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 135.

[13] Ver: MARX, Karl. O método na economia política: terceira parte. Col. Primeira Versão, n. 71. Campinas: IFCH/Unicamp, 1997.
Diorge Alceno Konrad

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