Juscelino e a ilusão de 2018 

Às vésperas do natal de 1963, Juscelino subiu a Petrópolis para uma conversa com o presidente da República, João Goulart. No Palácio Rio Negro o mineiro comunicou a Jango que o seu PSD desembarcava da base de apoio ao governo.

A história é contada por João Pinheiro Neto no seu livro Juscelino: Uma história de amor. Jornalista no “Última Hora”, “Correio da Manhã” e revista “Manchete”, João Pinheiro Neto trabalhou com Juscelino no governo de Minas e na Presidência da República, e era o titular, naquela manhã de dezembro, da Superintendência de Política Agrária (SUPRA), criada por Jango.

No livro, João Pinheiro Neto conta que também subira a serra para desejar feliz natal a Jango, em companhia do governador do Ceará, Virgílio Távora. Chegando ao Palácio Rio Negro, encontrara Juscelino, com quem havia trabalhado desde 1951, a portas fechadas com o presidente Jango. Após cumprimentar Goulart e lhe desejar boas festas, João Pinheiro Neto voltou ao Rio no mesmo carro de Juscelino. No caminho, conta ele, Juscelino lhe revelara o teor da conversa, e ele reproduziu no livro a fala do ex-presidente para Jango.

“─ Como você sabe, meu caro Jango, a minha candidatura para a Presidência, nas eleições de 1965, é imbatível, mas, sem o PSD unido, corro o risco de não me eleger. E grande parte do PSD, como é sabido, é contra a orientação política que você vem dando ao seu Governo, particularmente no que diz respeito à reforma agrária.”

Jango, ainda segundo o relato de Juscelino contado por Pinheiro Neto, ouviu as ponderações em silêncio, a perna esticada, limitando-se, ao final, a responder:

“─ Compreendo, Juscelino, compreendo muito bem.”

O desfecho da história todos conhecemos muito bem. A retirada do apoio por parte do PSD de Juscelino aprofundou a crise política e o isolamento de Jango. Ao mirar nas eleições presidenciais que se avizinhavam, Juscelino, como tantos outros, não conseguiu enxergar que não era o apoio a Jango que lhe impediria de chegar novamente à Presidência da República. Meses depois daquela conversa, um golpe urdido em palácios, embaixadas, sedes de jornais e de empresas, cujo comando foi entregue aos quartéis, sepultou as pretensões tanto de democratas como Juscelino, quanto de golpistas confessos e descarados como Carlos Lacerda. Pouco mais de uma década depois Juscelino morreria num acidente de carro nunca suficientemente esclarecido, com o país amordaçado e mergulhado numa brutal repressão.

Bem depois de 1964, conta Pinheiro Neto no livro, um amargurado e arrependido Juscelino confessava:

“ ─ Caí na armadilha do Castello Branco. (…) ‘Somos os arquitetos da nossa própria infelicidade’, como dizia Napoleão…”

No mesmo fatídico agostoem que se completam quarenta anos do misterioso acidente que vitimou Juscelino, a história parece brincar de repetição, como na afirmação de Hegel citada por Marx.

Fazendo-se alguns ajustes na fala de Juscelino, colocando-se Dilma no lugar de Jango e trocando-se as eleições presidenciais de 1965 pelas de 2018, a história contada parece a mesma de agora. O Senado da República é hoje o palco onde se desenrolam os lances finais do golpe perpetrado contra Dilma, urdido, da mesma forma que aquele de 1964, em palácios, embaixadas, sedes de jornais, revistas, tevês e grandes entidades e conglomerados empresariais. Os quartéis, ausentes por ora, parecem ter sido substituídos por setores do judiciário e do Ministério Público. A República de Curitiba parece ser a reedição da República do Galeão de 1954, quando Vargas tirou a própria vida em outro agosto aziago.

Juscelino foi vítima da própria quimera. Enxergava apenas as eleições de 1965. No Brasil de hoje há também os que enxergam apenas as eleições de 2018, amarga ilusão a lhes toldar a visão e a impedir-lhes de ver o longo caminho que há até lá. O golpismo ergue a sua forca na Praça dos Três Poderes, como bem disse o poeta Adalberto Monteiro. Ali se pretende enforcar publicamente a democracia, simbolizada numa presidenta eleita com cinquenta e quatro milhões de votos. Dilma tem dado mostras de que vai resistir até o fim. Mas há os que julgam ser possível a vitória no futuro sem lutar no presente. Sonham em ganhar em 2018 arriando as bandeiras agora.

Os que defendemos a democracia e combatemos o golpe não podemos, nesse momento crucial, depor as armas. É necessário resistir e lutar até o fim. “Si vis pacem, para bellum”, eis uma lição que não podemos esquecer.

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