Os assassinatos póstumos de Guilherme

Na última terça-feira, 15 de novembro, um estudante de 20 anos foi morto pelo próprio pai em Goiânia. Guilherme Silva Neto tinha 20 anos. O pai, Alexandre, cometeu suicídio após matar o filho.

A notícia poderia ser mais uma tragédia, dessas que ocorrem nos tempos em que vivemos com mais frequência do que gostaríamos. Mas há nessa tragédia componentes adicionais que a tornam singular e, ao mesmo tempo, emblemática desses dias de sombria tristeza que atravessamos. A morte de Guilherme se deu em um contexto de ódio e intolerância jamais vistos. Noticiaram que os dois tinham uma relação conflituosa e que o pai era um homem atormentado e desequilibrado. Pode ser verdade. Mas noticiaram também que os conflitos se davam principalmente por conta da intolerância do pai, ao que dizem, um desses conservadores que flertam com o mais absoluto autoritarismo, da política às relações familiares.

De todo modo, uma tragédia. E um jovem de 20 anos que perdeu a vida. Só isso bastaria para que não esquecêssemos. Mas há mais, há atitudes que nos chocam muito mais. É que Guilherme continua a ser assassinado, desde a última terça-feira. São dezenas e centenas de anônimos que, nas redes sociais, festejam “a morte de mais um esquerdista”, que culpam Guilherme pela própria morte, que o xingam, que desejam que os jovens que ocupam escolas tenham o mesmo fim. São dezenas e centenas de postagens que nos reviram o estômago. Todos esses assassinam Guilherme novamente.

O mais grave desses assassinatos póstumos, talvez, por partir de um promotor de Justiça, foi cometido por Jorge Alberto de Oliveira Marum. Marum fez uma postagem afirmando que “Não precisava tanto. Era só cortar a mesada do vagabundo…”. Parece que o promotor considera que a morte de Guilherme não foi suficiente. É preciso enxovalhar a sua memória, é preciso destruí-lo por completo. Lembra um tempo em que até a casa dos condenados era derrubada, o chão salgado e proibido que ali se fizesse nova edificação. Não é o primeiro ato dessa espécie de Marum e não será o último. Ele confia na impunidade que cerca pessoas como ele.

Guilherme, de 20 anos, foi morto. Quem efetuou os disparos foi o próprio pai. Mas os assassinos são muitos, antes e depois do dia 15. Os assassinos são os que criaram esse clima de ódio e intolerância, como jamais visto. Um clima de ódio e intolerância capaz de opor um pai ao filho e de fazer com que um tire a vida do outro. Um ódio que escorre nas redes sociais feito uma baba viscosa, em páginas e mais páginas a pregar a morte de esquerdistas, englobados nessa categoria todos aqueles que pensam diferente. Um ódio que prega o extermínio do outro, pelo simples fato de que ele pensa diferente.

O ódio e a intolerância caminham, via de regra, parelhos com a burrice. Só a burrice e a mais cega intolerância podem levar alguém a afirmar, por exemplo, que Rodrigo Maia promove, na Câmara dos Deputados, o “comunismo no Brasil”; ou a dizer que o ilegítimo ocupante do Planalto quer “implantar o comunismo em nosso país”. Só o ódio mais tolo pode enxergar o comunismo num painel em referência à imigração japonesa no Brasil, transformando o sol nascente em símbolo do comunismo.

Esse ódio, essa intolerância, essa burrice crescente, mataram Guilherme Silva Neto. Não esqueçamos, mataram um jovem de 20 anos. A mão que disparou a arma foi a de Alexandre, pai de Guilherme. Mas quem, de fato, matou Guilherme e continua a matá-lo desde a última terça-feira são outros.

Quem assassina Guilherme, de 20 anos, postumamente, são aqueles que alimentam os cães do ódio e açulam as matilhas da intolerância.

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