Massacre de Manaus: selvageria e cumplicidade

Para os manauaras o ano de 2017 começou com uma tragédia. Um massacre, comandado por uma facção criminosa autointitulada Família do Norte (FDN), chacinou 60 detentos em dois presídios de Manaus e promoveu a fuga de quase outros 200, dos quais em torno de 50 foram recapturados.

Segundo a versão oficial a maioria dos mortos pertencia à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), adversária do Comando Vermelho (CV), de quem a FDN é aliada. Tudo indica que em retaliação ao massacre de Manaus o PCC promoveu a chacina de Boa Vista (RR) com 33 mortos, o que eleva o número de chacinados para próximo de uma centena.

Como as informações estão restritas aos órgãos oficiais de segurança e não há transparência nas mesmas, há questionamentos recorrentes quanto ao número de mortos, evadidos e recapturados. Os números extraoficiais chegam às centenas. Mas, a versão oficial, já é suficientemente embaraçadora para os gestores oficiais.

O assunto virou pauta nacional e internacional, tanto pelo número de mortos quanto pela forma de execução, invariavelmente esquartejados e decapitados. Tal prática era comum na etapa inicial da selvageria, diminuiria na barbárie até, teoricamente, desaperecer na civilização, como Lewis Henry Morgan procurou demonstrar na sua obra clássica Ancient Society (1877).

Mas, tanto Morgan quanto Marx & Engels, igualmente alertaram que esse desenvolvimento não ocorre de forma retilínea e muito menos de maneira uniforme dentro de um mesmo grupo social, o que explica porque, em pleno século XXI, ainda se tem práticas tipicamente de selvageria.

O mundo inteiro, incluindo o Papa, cobra explicações para a selvageria e a cumplicidade do governo, oficialmente responsável pela vida de todos que estejam sob a sua guarda legal. A tragédia estava anunciada, relatada, alertada, mas nada foi feito para evita-la por absoluta cumplicidade do governo.

Quem hoje controla os presídios do Amazonas é a facção criminosa FDN, segundo gravações da polícia federal de 2014, revelando que agentes públicos do governo do estado ofereceram regalias a dita facção em troca de votos para a reeleição do governador José Melo (PROS).

Tudo indica que a chacina era vista com naturalidade pelo governo, não apenas por não ter tomado qualquer providência diante dos inúmeros alertas oficiais, mas, principalmente pela declaração prestada pelo governador de que “não havia nenhum santo entre os mortos”, no que foi seguido pelo “presidente” Temer, que reduziu a selvageria a um mero “acidente pavoroso”, e estimulou um secretário deslumbrado a afirmar que “deveria ter uma chacina por semana”.

É isso que de fato eles pensam, por isso são cúmplices do massacre. Aqui não está em debate o caráter dos detentos, mas a obrigação legal do estado garantir a integridade de quem está sob sua guarda legal, começando pelos que estão livres, que não contam com segurança efetiva pela ausência de uma melhor estrutura policial, em todos os sentidos, porque o dinheiro público está sendo gasto em contratos superfaturados.

Segundo procuradores do TCE a empresa privada que administra os presídios do Amazonas já recebeu em torno de R$ 1,1 bilhão. Cada preso custa R$ 5.100/mês (R$ 60.200/ano), algo como 3 vezes o valor da média nacional.

Mas a empresa devolve a generosidade. Na campanha de 2014 quase 2 milhões de reais do grupo irrigaram a campanha do governador e seus aliados, segundo o jornal o Globo desse 08 de janeiro. Aí fica fácil entender a omissão e a cumplicidade que redundou nessa selvageria.

A população está impactada. Além da selvageria já executada, a sensação de insegurança é generalizada, pois há centenas de foragidos dispostos a praticar todo tipo de terror e há sempre o risco de novas rebeliões e chacinas, na medida em que as facções continuam ativas.

É preciso, todavia, que se registre que o caos nos presídios brasileiros, incluindo o Amazonas, é de muito conhecido e documentado. Eu mesmo tive a oportunidade de presidir uma CPI do sistema prisional há mais de 10 anos e lá no relatório constam basicamente as mesmas informações que hoje a polícia federal anota: promiscuidade do poder público com as facções e os xerifes que, na prática, são quem efetivamente controlam os presídios do Amazonas.

A população está reagindo dentro de suas limitações e apontando o caminho ao seu alcance: a imediata saída de Melo do cargo de governador, num ato marcado para o dia 18 corrente.

P.S. antes de enviar esse artigo somos informados que mais 7 detentos foram assassinados, elevando para uma centena, entre Manaus e Boa Vista, as vítimas dessa carnificina. O fato evidencia que o poder público perdeu completamente o controle sobre o sistema e a população, justificadamente, está em pânico, na medida em que mais de 100 detentos continuam foragidos.


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