A rosa vermelha contra a estupidez e o ódio 

Adolescente, contei nos bolsos o pouco dinheiro e comprei uma rosa para a candidata a namorada. O dinheiro, escasso, mal e mal para um botão solitário e encarnado. A vendedora, talvez penalizada da minha miséria e comovida com a minha paixão, conseguiu enfeitar de tal forma aquele botão de rosa que ele ficou, aos meus olhos de iniciante, a flor mais maravilhosa que havia visto.

Eram ainda, aqueles, tempos sombrios, de finalzinho da ditadura, mas havia uma aurora brigando com as trevas, um dia teimando em nascer, e eu carregava comigo toneladas de confiança no futuro.

Ainda assim, desfilei com aquele botão de rosa entre amedrontado e orgulhoso, entre tímido e confiante, para depositá-lo, acompanhado de uns versos emprestados, nas mãos trêmulas daquela menina, que ficou longo tempo sem saber o que fazer com a rosa.

Lá para cá, décadas vividas, dá-se sempre um jeito, apertando o cinto, de comprar um buquê para oferecer aos que gosto, aos que tenho bem-querer. E, se tenho que dar flores para alguém, que sejam rosas, sempre, e que sempre sejam vermelhas. A única concessão que faço nesse campo é para as margaridas, de raro em raro.

Mas nos tempos que vivemos, parece que falar de flores é um crime. Parece que não há mais lugar para o vermelho da paixão, parece que a delicadeza, espantada, se foi das nossas vidas. Vivemos dias, temo às vezes, mais sombrios ainda do que aqueles em que, pela primeira vez, comprei uma rosa para ofertar a uma mulher. Naqueles, havia uma centelha de luz, a noite era velha. Agora, parece que o dia é que se apresenta cansado, e a velha noite, de roupa nova, se apresenta como novidade. Ainda bem que, teimoso feito um sertanejo calejado, eu acredito, como o conterrâneo de desconhecido paradeiro, que o novo sempre vem.

Não é possível que continuemos a conviver com a barbárie instalada. Não é possível que seja normal um jovem estúpido desejar uma chacina por semana nos presídios brasileiros. Não é aceitável que um deputado federal faça um placar de mortos nos presídios e incite um outro a “que faça melhor”, a que mate mais. Não podemos mais viver num tempo em que uma mãe mata um filho porque ele é homossexual, em que um pai mata um filho porque ele defende as ocupações das escolas, em que homens, dia após dia, matem mulheres porque elas são mulheres.

É preciso um basta, um chega, uma virada de mesa. Não vamos responder à estupidez com uma ação mais estúpida ainda, não vamos combater o ódio com mais ódio ainda. Mas é preciso que não nos calemos, é necessário que essas ações não sejam “normais”, não sejam naturalizadas. É preciso denunciar o ódio, desnudá-lo, mostrar a sua face. É necessário expor a estupidez e a ignorância. É preciso que nos mobilizemos para que não haja impunidade.

O secretário nacional de Juventude que pediu mais chacinas só caiu porque houve reação, indignação, denúncia, mobilização. A sua estúpida pregação de ódio lhe tirou do cargo em poucas horas por conta da imediata e indignada reação de parcela considerável da sociedade. Não fora isso, ele ainda estaria no cargo, provavelmente tuitando mais idiotices recheadas de intolerância.

Haverá um dia, talvez, em que tenhamos que contar aos nossos filhos e aos nossos netos sobre o tempo que vivemos. Diremos a eles que foi um tempo tão duro que muitos perderam a esperança. Diremos a ele que foi um tempo tão difícil que a ternura e a delicadeza tinham que encontrar-se às escondidas. Diremos que foi um tempo tão amargo que um pai tinha medo de beijar um filho em público, que um amigo tinha receio de abraçar o outro na esquina. Diremos a eles que foi um tempo em que a maldade tornou-se quase uma coisa palpável, de tão forte a sua presença.

Mas haveremos também de dizer mais. Diremos a eles que, nesse tempo tão duro, desfilamos pelas ruas com uma rosa na mão, uma rosa vermelha, a desafiar orgulhosa a estupidez e o ódio, a ignorância e a intolerância. Haveremos de dizer para eles que foi uma rosa vermelha em nossa mão, uma rosa rubra, encarnada, quem enfrentou e venceu o tempo do medo e do ódio.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor