Gagárin e o Recife 

No dia 12 de Abril de 1961, o soviético Yuri Gagárin se tornou o primeiro homem a viajar no espaço. Distante da Guerra Fria, que hoje volta com o Pig Trump, o Museu do Ar e Espaço dos Estados Unidos relembrou na semana passada o herói russo: “Hoje em 1961: Yuri Gagárin se tornou o primeiro humano a voar pelo espaço ao dar uma volta ao redor da Terra”. Mas quase ninguém sabe que Yuri Gagárin passou em Pernambuco. Como explico a seguir, no trecho que copio do Dicionário Amoroso do Recife:

Quando pesquisamos, em todos os lugares nos informam que Yuri Gagárin foi o primeiro homem a completar uma volta em torno da Terra. Dizem até que a pequena estatura de Gagárin contribuiu para o seu grande feito, uma vez que ele circulou em uma nave apertada. Mas a gente consulta, pesquisa nos mais diversos arquivos, e ninguém fala que o astronauta Yuri Gagárin passou uma vez no Recife.

Entendam. Não é que a nave soviética tenha passado acima do Brasil em 1961, e numa pontinha do litoral sobre o Recife, quem sabe lá em cima de Água Fria, do espaço Gagárin nos tenha enviado um oi em russo, algo como um “pri-vet”. Mas o fato é que o magnífico Yuri Gagárin, depois de 1961, mais precisamente no carnaval de 1962, passou em disco de vinil e terrestre em todas as rádios de Pernambuco. Em selo Mocambo, da fábrica de discos Rozenblit, o seu nome foi sucesso absoluto nas emissoras e na boca do povo já um mês antes do carnaval. E mais ainda, do sábado de zé-pereira em diante.

Yuri Gagárin foi homenageado com um frevo-canção que se cantava em todos os lugares do mundo, de Pernambuco. Assim foi com o frevo-canção “A lua disse”, de Gildo Branco. Como o texto em papel não tem a voz do frevo no rádio, copio a letra:

“Gagárin subiu, subiu, subiu
Foi até ao espaço sideral
Chegou perto da lua e sorriu
‘Vou embora pro Brasil
Que o negócio é carnaval’
A lua disse
‘Não vá, demore mais
Já ouvi que lá na Terra
Querem me passar pra trás’
Mas o Gagá nada ligou e deu no pé
‘Vou mesmo pro Brasil
Eu quero é conhecer Pelé’”.

Pesquisando, descubro este depoimento valioso de Zeferino Alves Neto, no seu blog Zanzando na Rede:

“Um cantor que morava no bairro em que eu morava no Recife, em 1962, quando eu tinha dezesseis e o cara fazia parte do meu dia a dia porque era adulto de uns vinte e dois anos que tinha a alma e o coração de uma criança: Evaldo França era seu nome e o cara morreu no sábado de carnaval daquele ano. Evaldo tinha ganho um concurso no carnaval daquele ano, com A Lua Disse, um frevo do compositor Gildo Branco“

O abalo sofrido pela morte repentina do cantor deve ter sido uma dor coletiva no Recife em 1962. Aqui, mais uma vez, na alegria do carnaval também se intromete uma nota de gravidade. Então me parece que no sucesso de Gagárin pesou também uma comoção naqueles anos, pois a gente canta o mais confortável. Com absoluta certeza o frevo de Gildo Branco tocou mais nas rádios, e nas conversas que ouvíamos repetiam a notícia da morte de Evaldo França, o cantor do frevo. E por isso mais uma vez se tocava Gagárin.

Resiste em todos nós o agradável do frevo-canção. É esse conforto que dá a nota ao fim. Vocês entendem agora como Gagárin passou no Recife. Eu deveria mesmo dizer que o astronauta não passou uma vez só. Continua a passar até hoje, enquanto houver carnaval, “Gagárin subiu, subiu, subiu, foi até ao espaço sideral”. Os jornais informam sempre que Gagárin, ao ver o mundo lá do alto, foi poético ao falar “a Terra é azul”. É verdade. Mas erram em acreditar que a lua teria ficado muda. Segundo Gildo Branco, naquele momento máximo a lua respondeu: “Não vá, demore mais, já ouvi que lá na Terra querem me passar pra trás”. Ao que Gagárin falou: “Vou embora pro Brasil, que o negócio é carnaval”. Isso os cientistas e os jornais não falam. Mas a lua disse.

Fonte: Diário de Pernambuco

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