Impasses múltiplos dificultam saídas para a crise

Há personagens na história que escreverão sobre seus fracassos, e quando lhe faltarem fracassos cuidarão de fracassar mais e melhor. Entrarão na história como pigmeus de bulevares.

Temer e seu governo é um desses personagens. Aproveitou-se de um golpe cujo roteiro ele afirma explicitamente ser de seu conhecimento. Foi beneficiário direto do golpe e não teve a dignidade para manter a democracia e a própria compostura.

O governo Temer é tutelado pelas forças do consórcio que sustentou o golpe, as chantageia e é chantageado por elas. Um governo dos chantagistas.

Mesmo que tudo desse certo para a presidência de Temer – chegar ao fim do mandato golpista tendo realizado as contrarreformas do teto de gastos, a trabalhista e a previdenciária – seria lembrado na história como um presidente que afundou o país e golpeou a democracia. Do povo, só receberá desprezo.

Pior é que nem vai "dar certo". O governo está em desmanche, sob o peso de uma agenda entreguista e antipopular que jamais venceria eleições presidenciais, ao que se soma a não recuperação da economia e as denúncias da Lava Jato sobre a cúpula de seus integrantes.

Com isso exacerba-se a crise política e institucional brasileira. Não se cogitam saídas viáveis porque há um sistema de impasses de geometria irregular, difíceis de alinhar no plano político, institucional, econômico e de projetos para o país.

O Executivo está em deterioração acentuada. Predomina por ora levar o governo até 2018, não tendo se criado um consenso entre essas forças para um nome e oportunidade de ir à eleição indireta de um presidente tampão por um Congresso em grande parte desmoralizado (certamente o tentaram).

As dissensões avolumam-se. A base política parlamentar divide-se entre estar agasalhada pelo governo (sempre o governo, qualquer que seja) ou desvencilhar-se para poder enfrentar as urnas em 2018. É a cruz ou a caldeirinha, porque com a economia beirando a estagnação, após tantos estragos das contrarreformas, não têm como se apresentar às eleições defendendo a mesma agenda em curso na disputa política – sem chance. Até mesmo no PMDB de Temer parte da tropa de Senadores vai nesse rumo.

A contrarreforma política antidemocrática, nesse ambiente, agrava a sensação de que quer se mudar tudo sem mudar nada. A sociedade não se vê contida nela, dada a degradação da política miúda do atual Congresso, carente de lideranças polares legitimadas. Estender o atual sistema político, partidário e eleitoral sem aprofundar a democracia vai piorar a situação.

Por outro lado, os partidos da sustentação dividem-se: o PSDB imagina-se como o pólo sobrevivente para 2018. Não se sabe de onde tiram essa ideia, mas certamente é o de um transformismo, com um nome a presidente que possa se apresentar como falso out sider. Difícil, porque os tucanos são os donos programáticos dessa agenda em curso e estão mergulhados na Lava Jato.

A base empresarial blocou-se desde antes do golpe em torno das contrarreformas. Expressão disso foi e é manter blindada a orientação econômica e Meirelles no comando. Mas sofre dissensões crescentes por diversos movimentos associativos do empresariado face à desindustrialização galopante e à manutenção da crise econômica e social. Vão se dando conta de que o mundo mudou (a nova direita anti-globalização nos EUA e que chega à Europa), o que coloca novos riscos à sobrevivência e afirmação dos interesses nacionais. Por mais loucura que haja, no atual rumo o empresariado industrial estaria cometendo um haraquiri rumo a novo patamar na dependência neocolonizada do país.

De outra parte, as instituições estão em variados graus de desencontro. O Judiciário foi partidarizado, o que gera divisões no interior do STF, Ministério Público e a Procuradoria da República, a Polícia Federal; além disso, confrontam-se entre si. O pior e mais grave, é a tentativa da Lava Jato em deslegitimar todo o sistema político do país – sem votos, portanto sem a legitimidade da soberania popular, mas se julgando os redentores da moral e dos costumes, o verdadeiro Armagedon.

Com todas essas contradições, parte do consórcio golpista vai para o tudo ou nada: a Globo alimenta a malta da intolerância e ódio e sustenta a exacerbação da Lava Jato contra a política, centrando no principal: impedir Lula de ser candidato. É o clássico quanto pior, melhor, para pescar em águas turvas e construir um nome que possa vencer em 2018. Não estão pensando no Brasil e na democracia, mas na divisão do país.

Esse sistema de impasses indica que as coisas vão piorar ainda mais: a resultante mais provável é manter a situação nessa crise crônica. Nenhuma força isolada pode produzir um pacto, embora não faltem movimentos e agentes para isso. Qualquer saída imediata precisaria envolver as forças políticas polares, o empresariado e o sistema judiciário.
Mas constata-se que um consenso não amadureceu ainda entre as forças conservadoras, ainda mais porque será difícil será pactuar pelo alto, às costas da sociedade.

Do lado conservador, precisariam articular-se em torno de um nome, liquidar Lula para manter a agenda em curso, e tentar vencer eleições. Jogo duro de engolir, ainda mais que seus maiores representantes têm profundas acusações da Lava Jato.

Há ainda muitas forças intermediárias, não polarizadas para um pacto dessa dimensão para cá ou para lá; preparam, em última instância, para uma pulverização de candidaturas presidenciais como em 1989.

O mais certo é que qualquer que seja o caminho e o modo, tudo passará por novas eleições gerais. A questão é se o país deve esperar até 2018 para isso e se o sistema político deve ser destruído como pretende a Lava Jato, ou se se deve ter o Estado democrático de direito como fronteira que não se pode ultrapassar.

Esta última é a perspectiva das correntes democráticas, progressistas, da esquerda política e social. Elas estão em combate e buscam caminhos unitários para a resistência, a palavra de ordem de ação imediata. Pautas não faltam, interesses populares sob ataque também não; forças sociais podem ser recuperadas. A sociedade e seus setores mais organizados não está mais anestesiada, embora sob a avalanche das denúncias e delações. As contrarreformas da aposentadoria e dos direitos do trabalho põe cruamente perante a maioria um dilema agudo que afeta toda sua vida e de seus dependentes. A greve geral e o 1o. de maio serão quentes.

A resistência será fortalecida ao se apresentar nova perspectiva para o país sair da crise, nova esperança para o povo. Muitas articulações estão em curso para isso: agenda ou programa para o país foram formuladas por Bresser Pereira, Roberto Requião, há ainda Ciro Gomes, a Frente Brasil Popular, o PCdoB e o PT, juristas democráticos, o mundo cultural e intelectual progressista e democrático. Elas estão sendo debatidas em círculos cada vez mais largos e extensos, e têm em comum a defesa dos interesses nacionais e populares, sob a cláusula pétrea do Estado democrático de direito.

As saídas para a crise não estão maduras, mas estão larvando. Possíveis pactos pelo alto estarão sendo tramados, sempre difíceis se não envolverem a maior parte das forças políticas, econômicas e sociais, para salvaguardar o sistema político e fazer-se justiça efetiva contra a corrupção sem atentar contra o Estado democrático de direito.

É preciso estar atento, por outro lado, aos fatores catalisadores, aqueles que põem em pé a mobilização política do povo e podem mudar toda a trama. Um deles possível é a (in) justiça com Lula: condená-lo apenas com base em delações, convicções e ilações vai exacerbar a seletiva partidarização da Lava Jato e criar uma comoção.

O denominador comum é o de que só com novas eleições se pode dar base a qualquer saída, invocando o Estado democrático de direito e a soberania do voto popular como fontes de legitimidade do governo e do Congresso. Para as forças populares, uma coisa importante foi lembrada por Dilma Rousseff recentemente: o interesse nacional e popular no Brasil só frutifica na democracia, em especial em eleições presidenciais.

Esse rumo, contando também com a força de Lula, pode engendrar repactuações para o reordenamento do sistema político que permita a disputa política legítima e legitimadora, em 2018 ou antes, que leve a reconstitucionalizar o país em rumos democráticos. O resto será o de sempre: dois caminhos opostos em disputa para a encruzilhada brasileira, e só a sociedade poderá determinar qual deles tem a maioria.

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