Em que campo deve jogar o Revolucionários Futebol Clube?

Feriado passado, ministrei aula sobre o conceito marxista de tática e estratégia políticas. Conforme a exposição fluía e as perguntas e colocações da turma vinham, dei-me conta de que a confusão que comumente se faz entre teoria, ideologia e política presidia boa parte dos posicionamentos.

Não foi nada fácil desfazer a confusão. E tenho pra mim que nem consegui desfazer. Vários dos presentes manifestavam, por meio de gestos, palavras ou interjeições, inconformidade com determinadas alianças, realizadas ou possíveis. E não adiantava citar como exemplo o Pacto Germano-Soviético na Segunda Guerra, ou lembrar da palavra de ordem "Constituinte com Getúlio", com que Prestes, depois de penar nas masmorras do Estado Novo e ter sua esposa Olga entregue aos nazistas pelo caudilho seu conterrâneo, conclamou o povo brasileiro em 1945. Stálin e o Cavaleiro da Esperança estão, ao que parece, pelo menos praquela turma, além do bem e do mal.

Caretas e apupos de reprovação, neste tipo de conversa, em regra advém de uma visada ideologizada da dinâmica política. A tradição militante ensina que, nessa visada, a política é vítima do 'principismo', uma das manifestações do chamado 'desvio' ou 'oportunismo de esquerda', ou simplesmente 'esquerdismo'. O resumo da ópera para o principista é: aliança, só entre os que pertencem a um mesmo 'campo político'.

Esse conceito de 'campo político' é um tanto… nebuloso – para não dizer… malandro. São campos políticos: o 'campo patriótico', o 'campo progressista', o 'campo feminista', 'ruralista', 'mudancista', 'democrático', 'imperialista', 'popular', etc. Na verdade, para o principista, este 'campo político' está mais para 'campo ideológico', que traduz-se, na conjuntura em que andamos imersos, em 'campo de esquerda'.

Marx, a quem o principista tece loas sem conhecê-lo na intimidade, ao dizer que as ideias dominantes em dada época histórica são as ideias de uma dada classe dominante, finda por nos demonstrar que 'ideologia', entendida como um sistema de valores, concepções e, sobretudo, opiniões, mais ou menos articulados e introjetados por diferentes camadas sociais, é 'falsa consciência', verdadeiro véu através do qual os indivíduos e classes de indivíduos percebem a realidade. A consciência, ao contrário, é produto da investigação, dialética, materialista, sem filtros ou véus, do movimento real dos fenômenos que desafiam nossa compreensão e reclamam nossa intervenção.

'Campo político' é um constructo, que pode ou não ter funcionalidade política, a depender dos objetivos que se queiram atingidos, do ponto e do nível da batalha em curso, do espaço temporal de sua utilidade, e da correlação das forças em contenda. Por palavras mais pedestres, o que determina o ingresso ou permanência de um força revolucionária num campo político é… a política, não a ideologia.

Na abordagem acima, 'campo político' é entendido como 'leque ou arco de alianças políticas', e estriba-se na teoria marxista, científica, da tática e da estratégia. Pressupõe a independência dos atores em aliança, porque diferem entre si, ideológica e politicamente, cada qual com sua força específica (por isso se aliam); que a aliança tem prazo, em face dos objetivos, atingidos ou não, e deve servir à acumulação de forças e ao fortalecimento do partido da transformação social.

Quando o principista diz "nosso campo político", ele na verdade pensa 'campo de esquerda', constructo ideológico que busca justificar uma visão, uma opção, uma conduta política purista, estreita, sectária, produto de um pensamento mecanicista, binário. Embalada numa aura revolucionária, a ideologia do 'campo de esquerda', objetivamente, leva ao isolamento e à perda de independência da classe trabalhadora e de seu partido. E, nos tempos que correm, independência é fundamental – até para poder escolher, considerada a tabela do campeonato, como, com quem e em qual campo jogar.

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