A Cabana Pousada – Capítulo 1

Marina começou cedo a dança de sua vida. Reparou, ainda moça, que não valia a pena o contato com o que pouco importa, ou com os alguéns que não contam. Marina decidiu, nos primórdios de si, navegar sendo senhora de sua nau.

Daí ninguém estranhar sua mudança para uma cidade tão além, e tão diminuta, e tão à margem do país – uma vila litorânea do extremo sul.

A vila não comportava mais do que cinco centenas de habitantes, a maioria, pescadores. Escola, mercado, posto de saúde – tudo, enfim, só na cidade vizinha. A vila, na verdade, não passava de um subdistrito de um distrito de município, do qual era sede a cidade vizinha.

No inverno, seus homens lançavam-se ao mar em demanda de peixes com que fazer renda e alimentar muitas bocas. No verão, todos – de alguma forma, parentes -amontoavam-se em algumas dúzias de choupanas, enquanto veranistas ocupavam suas moradas, alugadas por temporada.

Marina chegou marinheira. Instalou-se no que era seu por herança de um tio, pescador de profissão. A casota era quarto e sala; cozinha e banheiro, do lado de fora; tudo equipado e mobiliado. O seu bonito era uma varanda, cadeira de balanço dando de cara pro mar. A cadeira rangia em seus encaixes, o que aprofundava a beleza de tudo.

A nova dona viveria, de início, do que juntara até ali. Depois, de doces e outros expedientes. Aos trinta anos, gastara pouco consigo e com o mundo. Adorava livros, mas ia buscá-los às bibliotecas. Vestia-se com simplicidade, e sua maquiagem resumia-se a um batom. Sua beleza era ser. Seu dote: extrair sabores do forno e do fogão.

O primeiro dia, dedicou a espantar aranhas e atender à curiosidade alheia. Noite caída, fez espargir vila afora o aroma de um bolo. Mais de um jovem pescador deitou contas à vida e imaginou tarrafas de pescar sereia. Senhoras e senhorinhas urdiam prognósticos. Nenhum dos mais velhos, no entanto, supunha o que poderiam as coincidências produzir.

Marina deitou com a lua derramando mercúrio no mar parado. Marolas ninavam a praia no desassossego dos caranguejos. Conciliar o sono não foi difícil. Bastaram dois leves sopros de aragem, ela já se encontrava num sonho. Nem ele, nem o céu, registraram presságios. O que viria, viria sem anúncios ou mensagens cifradas.



Nota do autor: Iniciamos aqui uma novela, cujos capítulos serão publicados sexta sim, sexta não, alternando com os artigos com que vimos castigando o paciente leitor e a generosa leitora. Intentamos chegar a bom termo, mesmo não sabendo onde isso vai dar. Não passa de um convite ao desconhecido – objeto da invenção. Esperamos que aceitem.

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