A Cabana Pousada – Capítulo 3

– Ti’ Bugue! Ó pr’aquilo!

– Eita! Outra?!

O menino apontava para o promontório. Em seu extremo, desafiando o mar, uma cabana.

– Ti’ Bugue! Ô, Ti’Bugue!

Emereciana gritava nos fundos da loja. Vinha esbaforida. Tio Bugue acorreu, o menino no encalço.

– O que foi, Sá Merenciana?

– Acabo de passar nas duna. Quêde cabana? Evaporou-se!

Falava de olhos arregalados de espanto, a voz estrangulando as últimas sílabas.

– Pois venha ver uma coisa, comadre. Venha.

Tio Bugue levou a bodegueira por dentro de seu negócio até ao alpendre, e apontou a cabana. A dona estatelou-se, os olhos ainda mais esbugalhados.

– Minha virgem santíssima… – murmurou.

– Bóra lá ver, Ti’Bugue! – sugeriu o menino.

– Bóra. Bóra, comadre?

– Vade retro! Vou nada! – e persignou-se uma fieira de vezes.

Tio Bugue e seu ajudante correram até o promontório. Chegando lá, deram com o mesmo colmado quadrado, escuro, inerme. Tio Bugue verificou a base. Tal qual na duna, a cabana aparentava ter sido depositada na rocha. Empurrou a parede. Nenhum desnível, nenhum abalo.

Outros moradores da vila foram chegando. Uns, vindos das dunas, tão espantados ou encafifados quanto Dona Emerenciana. Outros, por já saberem, de boca alheia, da areia limpa de qualquer vestígio de cabana. Todos vinham ter com Tio Bugue. E todos boquiabriam-se ante o que testemunhavam.

– Gente, borá chamar o padre lá na sede. Isso é coisa de um satanás, só pode.

– Tem é de chamar a polícia! Onde já se viu uma coisa dessa? Sabe lá o que isso vai trazer pra nós…

– Acho que tem de ir lá na prefeitura. Isso é coisa de prefeitura; coisa de governo.

– Que governo! Isso é coisa científica, de ficção. Tem de chamar é aqueles sabidos, gente estudada, que escreve e pensa, e resolve.

– Pois pra mim isso é coisa de espírito. Tem nada de ciência não. É espírito. Tem de chamar aqui um caboclo, uma benzedeira, mãe de santo, mesa branca, coisa assim.

Tio Bugue voltava das pedras mais o menino. Vendo aquele aglomerado de povo em sua porta, foi logo armando na cabeça o que dizer. Foi pedindo licença, entrou em casa, passou a mão na máquina fotográfica, entregou-a ao ajudante e pediu:

– Vai lá e tira umas. Vai que ela muda de lugar de novo.

E, voltando-se para os moradores, descreveu o que averiguou: era a mesma morada de madeira, com o mesmo telhado de palha, do mesmo jeito pousada. E sugeriu:

– A gente tem de reunir todo mundo pra tratar disso, antes de levar qualquer coisa pra fora da vila. A gente sempre fez assim, e com isso não dá pra ser diferente.

Todos anuíram. A vila aprendera, a duras penas, como se defender. Sabia que, se não chegasse junto às autoridades com uma solução própria, toda a providência não seria em seu benefício.
A conversa ficou marcada pro início da noite, no galpão dos pescadores. Mas ali mesmo, tiraram uma comissão de três para vigiar a cabana. Já andavam cansados de suas peças.

Marina, dessa vez, não testemunhou nada. Logo cedo, foi até a sede do município resolver pendências no cartório. Aproveitava para fazer compras, inscrever-se e pegar uns livros na biblioteca, e enviar umas correspondências. Resolvera-se pela velha tecnologia ao perceber que não conseguiria, na ilha, conectar-se à rede de computadores.

Do meio pro fim da tarde, tomou o ônibus que a levaria ao embarcadouro. Desde o dia anterior, não deixou de pensar na cabana. Na condução, meditava sobre ela. Lembrou, mais uma vez, o sonho em que cabana e ela conversavam. Nada de sons, nem palavras. Ela, Marina, estava diante da entrada e olhava. A cabana, muda, respondia. O quê?, forçava-se Marina por alcançar.

O ônibus parou e ela despertou. Dormira. E sonhara que lembrava o sonho. No trapiche, embarcou preocupada.

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