“Não se afobe não que nada é pra já”

“Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio”
Futuros Amantes. Chico Buarque.

O imediatismo não combina com o amor e com a poesia contidas no traço da letra do compositor popular. Na verdade, não combina com praticamente nada.

Tudo tem o seu tempo. É assim na culinária, na superação de uma perda, na formação vitoriosa de um time de futebol, no amadurecimento pessoal. Como a cura de um bom queijo ou com o envelhecimento de uma cachaça, não há como queimar etapas.

Richard Dawkins, o mais influente cientista da evolução contemporâneo, pergunta em seu livro “O Relojoeiro Cego” o porquê de uma teoria notavelmente simples como é a “evolução das espécies”, só ter sido descoberta por Darwin e Wallace “em meados do século XIX, quase duzentos anos depois dos Principia de Newton e mais de 2 mil anos que Eratóstenes mediu a terra”.

E prossegue: “Como é possível que uma ideia tão simples não tenha sido descoberta por pensadores do calibre de Newton, Galileu, Descartes, Leibniz, Hume e Aristóteles? Por que ela teve de esperar por dois naturalistas vitorianos? O que havia de errado com os filósofos e matemáticos que a deixaram escapar? E como pode ser que uma ideia tão poderosa ainda seja tão estranha aos olhos do grande público? ”

O próprio Dawkins nos dá a resposta para compreender esse fenômeno. Segundo o pesquisador, um “fator que talvez nos predisponha a não acreditar no darwinismo está em nosso cérebro que não foi feito para lidar com eventos em escalas de tempo radicalmente diferentes daquelas que caracterizam a mudança evolutiva. Estamos equipados para observar processos que se desenrolam em segundos, minutos, anos ou, no máximo, décadas. O darwinismo é uma teoria de processos que se desenrolam ao longo de milhares e milhões de anos”. Bingo! Assim também é na política que, diga-se de passagem, remonta há mais de dois mil anos na Grécia Clássica, com pensadores como Platão, Sócrates e Aristóteles.

Temos dificuldade em entender a política no curso do processo histórico e no mais longo intervalo de tempo. Talvez por isso as teses de Karl Marx e Friedrich Engels sobre o comunismo seja tão difícil de serem assimiladas por muitos. O que prevalece, sobretudo nas sociedades capitalistas modernas, é o agora, o imediato, o “para ontem”.

Pior. Somos incapazes de avaliar a conjuntura política como algo temporal, inserida em uma correlação de forças que, em última análise, é fruto de séculos de lutas entre as classes sociais.

Por isso mesmo, nem se Temer fosse derrotado na última quarta-feira (2) no processo que pedia abertura de inquérito para investigá-lo, mereceria que tocássemos as trombetas anunciando o início de uma nova era, como tampouco a vitória de Temer e seus aliados é motivo para chorarmos neste vale de lágrimas que tomou conta das redes sociais.

O caminho é longo, mas a vitória é certa se soubermos diferenciar a tática da estratégia. E a tática atual é a de arregimentar o maior número possível de aliados do campo popular, democrático, nacional e progressista na construção de uma frente ampla capaz de enfrentar a ofensiva do neoliberalismo.

Nesse sentido, o mais apto na política, referenciando Darwin e Wallace – sem qualquer tipo de apologia a falsos determinismos e muito menos a um darwinismo político ou social – é aquele capaz de se associar a uma das relações harmônicas interespecíficas. Talvez seja válido estudar como se comportam alguns seres vivos que sobreviveram às mais diferentes catástrofes ambientais ao longo de milhões de anos através do mutualismo ou do próprio comensalismo.

O Brasil enquanto nação soberana é uma criança. Nossa democracia, um embrião. O governo Temer, um zigoto. O que mais vir a nascer (ou morrer) dependerá de nossa ação na longa jornada de tempo histórico. A luta só está começando.

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