Nossa cultura vive

O povo brasileiro parece estar se acostumando a pirotecnias, ilusionismos e outras artes em largo uso nas esferas do poder. Ao mesmo tempo, muitas e muitas pessoas, ainda que insatisfeitas, ao acordarem todos os dias simulam incapacidade de gritar, falar ou mesmo se mover, como que asfixiadas por algum personagem do nosso folclore.

No entanto, essa mesma gente ainda encontra ânimo e alegria nas atividades lúdicas frutos de um convívio social desprendido e sincero, como herança dos antepassados. E assim mantém viva nossa rica diversidade cultural, apesar dos percalços da vida moderna e do bastante descaso oficial.

O momento é mais que apropriado. Agosto é o Mês Internacional do Folclore e, no Brasil, dia 22 é o Dia do Folclore. São motivos de alegria e comemorações nas ruas, praças, salas de espetáculos e — por que não? — nas redes sociais da Internet. Afinal, era nas rodas de conversas que se passava a herança folclórica do povo, a cultura que a grande mídia finge não ver.

Do Caburai ao Chuí, o território brasileiro é repleto de personagens que perfazem o seu rico folclore. Alguns são mais conhecidos, com nomes como Mapinguari, Saci-Pererê, Caipora, Jurupari, Negrinho do Pastoreio, Capelobo, Mula sem cabeça, Baíra, Lobisomem, Curupira, Pedro Malasartes, Macunaíma, Bicho-papão e Boitatá. Mas, há muitos outros que ficam meio escondidos em pequenas comunidades, inclusive entre grupos indígenas e quilombolas.

No entanto, vale lembrar que o folclore não é composto apenas de personagens, que encantam ou amedrontam. É o conjunto de lendas, crenças, superstições, mitos, provérbios, dialetos, músicas, canções, danças, ritmos, festas, encenações, artesanato, artes plásticas, vestimenta, culinária e, enfim, todas as manifestações populares de uma sociedade.
A própria palavra “folclore”, cuja origem está no vocabulário anglo-saxão, significa esse conjunto de fatores. Ela foi cunhada pelo pesquisador inglês Willian John Thoms, em 1846, com a junção de duas outras palavras: “folk” (povo) e “lore” (sabedoria). E foi incorporada por praticamente todas as línguas do Planeta, com o mesmo significado.

Até meados do século passado, o Brasil era um país mais rural que urbano, com a maior parte de sua população vivendo longe das cidades, em lugares aonde até mesmo as potentes ondas curtas de emissoras de rádio chegavam com dificuldade. O conhecimento era repassado lá mesmo, nos círculos familiares e comunitários, com variações de região pra região, no país inteiro.

As migrações internas, principalmente do Nordeste no sentido Sudeste e Sul, levaram hordas de famílias escorraçadas pelas secas em busca da sobrevivência num país que se industrializava. Depois, a “Marcha para Oeste” promovida pelo presidente Getúlio Vargas abriu novas fronteiras, que culminaram mais adiante com a construção de Brasília e a definitiva ocupação do Centro-Oeste.

Esses seres em deslocamento levavam, entre as trouxas, sua própria memória, suas tradições. Muitas vezes, eram pouco letrados, analfabetos no conhecimento da sociedade envolvente, mas de muita sabedoria inata, que em boa parte se perdia na labuta diária.

Mais recentemente, nas últimas décadas, de modo que se acentua a cada dia, a estrutura agrária injusta expulsa da roça o pequeno, dando lugar à uma agricultura extensiva, predatória, batizada de agronegócio. Nela, quem manda é o boi e o trator, desdenhando os seres humanos, a conservação do meio ambiente e a preservação da cultura local.

De quebra, a motocicleta substitui a tração animal, os lanches e refeições rápidas ocupam o lugar da culinária tradicional, banalidades nas redes sócias da Internet fazem as vezes da presença física em rodas de conversas, igrejas modernas combatem as crenças populares e assim por diante.

No entanto, de todo jeito os mais diversos modos de manifestação que formam esse patrimônio sobrevivem com determinação. Isso, apesar do descaso da grande mídia e da ausência de políticas públicas federais de apoio à preservação dessa cultura. O sentimento do povo é mais forte.

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