Solano López, o louco

Quando jovem, eu costumava me referir a Francisco Solano López como “louco” ou “doido varrido”, e por isso muita gente me olhava meio enviesado. No período da ditadura, então, criticar de forma tão severa o caudilho guarani parecia uma defesa dos militares brasileiros, que estavam no poder pela força.

Ainda mais que fazia muito sucesso no Brasil o livro “Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai”, do jornalista e escritor paulista Júlio José Chiavenatto. A obra era um best-seller, pelos padrões tupiniquins, e o exemplar que eu ainda hoje tenho é da 3ª edição, de 1974, da Editora Civilização Brasileira, conhecida como uma espécie de porta-voz da esquerda no Brasil de então.

Na prática, em seu livro, Chiavenatto deixa muito mal os países da Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai). E, ao mesmo tempo, pinta a imagem de um Solano López muito querido do seu povo, liderança que modernizou econômica e militarmente o Paraguai, e o transformou em um país capaz de enfrentar o imperialismo britânico, a potência imperialista daqueles tempos.

Como diz o título do livro, durante a prolongada Guerra do Paraguai (1864 a 1870) os países aliados, com o Brasil na linha de frente, praticaram um verdadeiro genocídio. Destruíram um país e dizimaram uma nação. Em favor dessa tese, tinha o fato de que ao final do confronto o Paraguai estava com menos da metade da população que tinha quando tudo começou.

A ideia que eu tinha, no entanto, era bem diferente, em boa parte por ter ouvido a história oral ainda presente na região oeste de Santa Catarina, onde eu nasci e vivi até os 13 anos de idade. Solano López era um louco que resolveu invadir três países vizinhos ao mesmo tempo.

E, ao longo dos anos, não se dava por vencido diante de sucessivas derrotas, tendo que convocar adolescentes e até crianças pra poder colocar em campo suas já combalidas tropas. Sem falar nas atrocidades que cometeu contra seus compatriotas, como foi o “Massacre de San Fernando”, em que mandou fuzilar centenas, inclusive um de seus irmãos.

É certo que, por outro lado, grande parte da historiografia oficial ensinada nas escolas brasileiras pecava pela omissão e exageros, quando convinha. As falhas cometidas pelas Forças Armadas verde-amarelas, por exemplo, que não foram poucas nem pequenas, sempre foram minimizadas ou escamoteadas do público leitor, embora fossem contadas, ainda que de modo fragmentado, por outras fontes bibliográficas e relatos de pesquisadores.

Contudo, entre os trabalhos de fôlego, esclarecedores, merece destaque o livro “História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai”, do general Augusto Tasso Fragoso, em cinco robustos volumes, publicado pela Biblioteca do Exército, em 1934. Isso, embora seja essa uma obra voltada à formação militar, e cuja divulgação sempre ficou bastante restrita às escolas e bibliotecas da caserna.

Outro livro, no entanto, este também bastante difundido ao público em geral, trouxe de maneira consolidada e bem balanceada uma visão mais definitiva, digamos, desse evento histórico. Trata-se de “Maldita Guerra – Nova história da Guerra do Paraguai”, do historiador paulista Francisco Doratioto, lançado pela editora Companhia das Letras em 2002. Esta obra provocou mudança radical na visão que se tinha sobre o assunto.

Em meio a isso tudo, é sempre bom lembrar que, no Brasil, a Guerra do Paraguai (lá chamada de “La Guerra Grande”) teve reflexos muito além dos estragos em campo de batalha, uma tragédia em si, como são todas as guerras.

Afinal, foram perto de 150.000 soldados, de todas as regiões, procedências, partidos políticos e classes sociais, incluindo milhares de negros escravos que, caso voltassem vivos, estariam alforriados, livres. Deles, 50.000 não regressaram.

Esse enorme contingente foi arregimentado principalmente porque, em janeiro de 1865, o Imperador D. Pedro II criou a figura dos Voluntários da Pátria. Em tese, seriam todos os cidadãos que se alistassem espontaneamente às tropas federais. Com o tempo, porém, esse alistamento passou a ser obrigatório, com regalias aos mais ricos, que inscreviam outras pessoas, na maioria escravos deles, em seu lugar ou doavam equipamentos e armas às tropas.

De qualquer forma, de todos os reflexos, o maior, sem dúvidas, foi o nascimento da nação brasileira, um sentimento de unidade nacional que nunca havia sido experimentado, nem mesmo no processo da Independência, 42 anos antes do início do conflito. Por mais que houvesse posições divergentes, contrárias e a favor da guerra, ali surgiu a consciência de povo brasileiro.

Muitos estudiosos da formação da sociedade brasileira dizem que esse sentimento decorreu do fato de o Paraguai ter invadido maciçamente o Brasil, dando início ao conflito.

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