Entre moros e mourões, as aproximações do fascio

Procuro sempre evitar as teorias conspiratórias, as previsões alarmistas sobre o futuro da nossa democracia. Por outro lado, não consigo vestir a fantasia de avestruz e, enterrando a cabeça na areia, fingir que está tudo bem a nossa volta.

No Brasil dos últimos anos é impossível não perceber a escalada autoritária no seio das instituições e não perceber também a perigosa aproximação do fascismo nas incontáveis manifestações de ódio e intolerância de todas as espécies, religiosas, homofóbicas, racistas, misóginas, que grassam em parcelas cada vez mais significativas da sociedade brasileira.

Nossas instituições, do império à república, via de regra foram esteio do arbítrio. O judiciário, o executivo, o parlamento, carregam em si as marcas mais vis das elites brasileiras, o autoritarismo, as convicções profundamente antidemocráticas, o ódio de classe, o desprezo pelo povo. Na caserna, salvo raríssimas exceções em momentos mais raros ainda, o tom foi sempre o mais antidemocrático possível. As polícias estaduais, da sua constituição até hoje, nunca largaram o seu papel de capitães do mato, a caçar e matar negros, pobres, estudantes, prostitutas, enquanto batem continência, subservientes e dóceis, para os homens “de bens”.

A democracia no Brasil, nos breves intervalos em que pode florescer, teve que abrir caminho a fórceps e foi, volta e meia, golpeada e liquidada. Por isso mesmo, repito, olhando pelo retrovisor os últimos anos, recuso-me ao papel de avestruz. Há um golpe em curso, ainda não consumado de todo, e ele pode, se necessário ou ao sabor de alguma circunstância, derivar para soluções de maior força que o uso parcial e tendencioso do judiciário. O golpe, até agora jurídico-midiático-parlamentar, pode ganhar um novo parceiro.

Aquilo que começou com um “moro” pode descambar para um “mourão”. Para usar a figura do general, o fascismo parece promover aproximações sucessivas, parece fazer um minucioso planejamento para sua definitiva instalação.

Num quadro assim, com um presidente da república ilegítimo, alçado ao cargo por meio de um golpe que é chamado pelo nome no mundo inteiro, menos na nossa grande imprensa, surgem vozes cada vez mais carregadas de autoritarismo. Ora um general da ativa ameaça abertamente com uma intervenção militar, ora um cabo vestido de deputado pede o fechamento do Congresso da própria tribuna da casa, ora o próprio comandante do Exército diz que a intervenção militar é prevista na Constituição.

Entre uma e outra dessas manifestações, entre vozes graduadas e outras quase anônimas que bradam por mais autoritarismo, cresce a parcela dos que depositam suas esperanças num personagem como Bolsonaro, cada vez mais ridículo e risível e, exatamente por isso, cada vez mais perigoso.

Por outro lado, uma parcela considerável aposta todas as suas fichas nas eleições de 2018 e em uma única candidatura. E ainda bravateiam que só há plano A, que não admitem plano B, e que sem plano A vão sair da brincadeira, vão deixar o jogo democrático. À esquerda e à direita há os que se iludem e apostam tudo, até a roupa do corpo, nas eleições de 2018, que cada vez mais parecem com aquelas de 1965, nas quais Juscelino, Lacerda e outros apostaram suas fichas e, ou ajudaram a soprar ou assistiram de camarote as chamas varrerem o país e consumirem a todos, inclusive a eles.

Não há, evidente, saídas fáceis. Mas tenho pra mim que a frente ampla em defesa da democracia é cada vez mais necessária, com ou sem a perspectiva de eleições. Não se trata de eleger candidato A ou B. Trata-se, nesse momento, de defender o restabelecimento da democracia, sob risco de que o fascismo realize suas aproximações sucessivas e se instale de vez, seja através dos “moros”, seja pelas mãos dos “mourões”.

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