Eleições no México, espelho para o Brasil

"Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”.

Ilustração: Tainan Rocha

A frase célebre é de um jornalista e político conservador, muito atuante no México em ebulição revolucionária do início do século XX. Costuma-se atribuí-la a Porfírio Diaz, ditador derrocado pelo movimento que deu início à Revolução Mexicana, em 1910, mas sua autoria é de Garcia Naranjo. Era uma época em que até um conservador via com desconfiança a influência estrangeira nos destinos de seu país. Contudo, já faz algum tempo que a proximidade com os Estados Unidos deixou de ser mal vista por cooptadas elites mexicanas que, desde a década de 1980, tanto adotaram a aplicação do neoliberalismo como deram caráter prioritário às relações com Washington, em detrimento de uma histórica tradição política latino-americanista.

A nós, que aqui no Brasil somos novamente apresentados ao canto das sereias do neoliberalismo, a história recente do México é elucidativa. Ela tanto nos demonstra os efeitos perversos da aplicação do receituário que ora querem novamente nos impor como ressalta as semelhanças que aproximam a luta política da resistência em todo o continente. Assim como nós, nesse ano os mexicanos irão às urnas para eleger seu próximo presidente. Terão diante de si a escolha entre a continuidade desse projeto neoliberal e o início de uma transformação que o reconcilie com sua história combativa.

Hoje, com os EUA sob a presidência de Trump, os mexicanos (e imigrantes em geral) são responsabilizados pelos problemas internos dos Estados Unidos. Desde a prometida construção de um infame muro na fronteira com o México até a anunciada vontade de rever o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês), o governo norte-americano deixa claro seu desdém pelo vizinho do sul. Mas, quando se tratava, há 30 anos, de implantar os “ajustes” neoliberais, a retórica foi diferente.

Carlos Salinas, que presidiu o México de 1988 a 1994, foi o responsável pelo início da aplicação em larga escala da desregulamentação da economia e da política de estado mínimo. Eleito por margem mínima e baixo fundadas acusações de fraude – que só não foi comprovada em decorrência de um incêndio que destruiu todas as cédulas de votação – Salinas negociou o ingresso do México na área de livre comércio que já existia entre EUA e Canadá desde 1989, formando o NAFTA. À época, o acordo foi apresentado como uma excelente notícia para os mexicanos. Prometeram investimentos, novos empregos, acesso a mercados. Coroando o processo, Salinas foi capa da revista Time, que o escolheu como o “homem do ano”. Contudo, passados mais de 20 anos de vigência do acordo, além do governo norte-americano tratar o México como sócio incômodo e dispensável, o resultado foi a destruição da economia nacional, a crise social e o caos político.

Os ricos não costumam ter sócios pobres em condições de igualdade. Evidentemente, a incorporação do México como parceiro pobre do norte não se devia às boas intenções da Escola de Chicago. As empresas transnacionais, principalmente dos EUA, viram a possibilidade de instalar-se no México e usufruir da mão-de-obra barata, impostos baixos ou zerados e fiscalização ambiental e trabalhista pífia. Em conseqüência, o norte do México foi invadido pelas “maquiladoras”, indústrias que apenas montam componentes já fabricados em outros lugares e, graças ao NAFTA, com ingresso a baixíssimo custo no México. A rigor, essas “maquiladoras” já existiam, mas foi após a vigência do tratado que se expandiram enormemente.

A liberalização da economia mexicana nos marcos dessa integração profundamente assimétrica implicou apenas no seu apresamento pelos sócios maiores. A indústria de conteúdo local, incapaz de concorrer, foi dizimada. As “maquiladoras” levaram a um incremento das exportações, mas não consolidaram cadeias de produção locais (já que são apenas montadoras). Assim, geraram postos de trabalho de baixa qualidade, com salários rebaixados. A promessa de crescimento econômico era fajuta: a pobreza hoje atinge metade da população mexicana.

O narcotráfico domina as grandes cidades do norte do país não apenas pela proximidade com os maiores compradores de drogas ilícitas do planeta, ao norte do rio Grande, mas também pelo rebaixamento social que a satelitização pelos EUA, somada ao receituário neoliberal, impôs a essas cidades. Não é coincidência que justamente em Ciudad Juárez, sede de maquiladoras na fronteira com os EUA, ocorram ações criminosas macabras como os assassinatos de centenas de mulheres, documentados desde a década de 1990, que Roberto Bolaño relatou na quarta parte de “2666”. A falência do Estado, sua incapacidade em garantir a mínima segurança à cidadania, é evidente conseqüência da aplicação do estado mínimo liberal. Os cartéis, na prática, governam regiões inteiras do México, além de associar-se à própria estrutura da administração pública.

Como se não bastasse, os governos que vem de Carlos Salinas até o atual Enrique Peña Nieto continuaram a aplicação das reformas neoliberais. As mesmas que hoje o golpismo quer empurrar goela abaixo do povo brasileiro. Foi lá implementada uma reforma na legislação trabalhista cujo resultado é a precarização do emprego e a maior concentração da renda. Foi também aplicado um amplo programa de privatizações, cuja pedra de toque veio no ano passado, com a permissão para a venda do petróleo mexicano e o rebaixamento da PEMEX, a petroleira nacional. Não há aqui nenhuma coincidência. É a mesma receita e podemos esperar as mesas conseqüências: crescimento da pobreza e falência da capacidade do estado em cumprir suas funções.

As eleições presidenciais no México devem ocorrer neste ano, assim como as nossas. Lá, como aqui, o projeto neoliberal se apresentará como portador de modernização e desenvolvimento. Lá, como aqui, isso será uma mentira.

Lá, como aqui, haverá um candidato louvado pelos monopólios midiáticos e pelo mercado como uma pessoa de “perfil mais técnico que político”, de preferência pós-graduado por alguma importante universidade norte-americana. Lá, esse candidato é hoje José Antonio Meade, que deixou a pasta da Fazenda para cuidar da campanha eleitoral (aqui, ainda não chegaram a um consenso).

Lá, como aqui, haverá candidaturas do campo popular com um programa de defesa dos direitos, ampliação dos espaços democráticos, defesa da soberania nacional, proximidade com os povos da América Latina e de um projeto de desenvolvimento. Lá, como aqui, uma dessas candidaturas à esquerda lidera todas as pesquisas – Andrés Manuel Lopez Obrador, hoje no Movimento de Regeneração Nacional (MORENA). E lá, como aqui, é cotidianamente bombardeada com perseguições e falsas notícias.

Lá, como aqui, o neoliberalismo fracassou e provou sua incapacidade de construir melhores condições de vida para a maioria. É preciso garantir que tanto lá como aqui o povo possa manifestar-se em eleições livres e plenas, sem restrições de qualquer espécie, para escolher o futuro que deseja.

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