Ficha limpa: a autocrítica necessária

Em tempos de juízes midiáticos, onde o legislativo mostra-se cada vez mais autoritário e disposto a substituir o poder executivo, é preciso repensar algumas ações realizadas pelos governos de centro-esquerda que tiveram papel decisivo no caos social hoje instalado no país, afinal, nada melhor que aprender com o passado para não errar de novo no futuro.

Uma destas ações, que a maior parte da população apoiou enfaticamente foi a Lei Complementar nº. 135 de 2010 ou simplesmente “Lei da Ficha Limpa”. Idealizada pelo juiz Márlon Reis (entre outros), a ideia era realizar uma emenda à Lei das Condições de Inelegibilidade ou Lei Complementar nº. 64 de 1990. Com mais de 1,6 milhão de assinaturas, sua aprovação oito anos atrás foi motivo de muita festa dentro dos movimentos populares.

Hoje, olhando para trás, é possível perceber o grave erro que foi o apoio e aprovação desta lei, pois ao deixar nas mãos da justiça um poder que deveria emanar do povo (eleger candidatos), colocou-se no judiciário uma prerrogativa que não deveria ser dele, abrindo ali, naquele momento, o início da judicialização da política, onde passamos a ter um STF que manda mais que o presidente e legisla mais que o poder legislativo: uma ditadura de toga!

Obviamente que é anacrônico colocar a culpa de nosso caos político a quem apoiou a Ficha Limpa, mas sem dúvida, na ânsia de buscar mais e melhores formas de se aprofundar a democracia, o que houve de fato com esta lei foi a retirada do poder de decidir os rumos da nação do eleitor, o que foi, na prática, um atentando ao sufrágio universal!

Pensar que os juízes não tinham lado, que eram independentes e estariam acima do bem e do mal foram alguns dos maiores e mais graves erros dos governos Lula e Dilma, pois enquanto a esquerda se digladiava no Congresso pela aprovação de pautas populares, sorrateiramente os velhos coronéis de sempre ocupavam de volta seu espaço nos círculos de poder, com apoio inclusive do PT, como foi caso da indicação de vários ministros do Supremo entre 2003-2016, como Joaquim Barbosa e Carmen Lúcia (conhecida em Minas Gerais como engavetadora geral do estado).

Pode parecer, à primeira vista, que isto se dá pelo fato da condenação (e possível prisão) de Lula estar para acontecer, mas não é este o ponto, a questão é muito mais profunda e envolve a retirada da decisão soberana do voto, o que fere diretamente os princípios de separação dos três poderes, presente desde a Revolução Francesa!

Ferir de morte a democracia perpassa necessariamente por atacar seus pressupostos teóricos, suas definições epistemológicas e, necessariamente, por reinventar a legislação; afinal de contas, a justiça não é de direita ou de esquerda, ela é burguesa, apenas e tão somente isso. E este o ponto: ela serve a classe burguesa.

Mas o que fazer? Como vencer a ditadura de toga e suas decisões que aprofundam cada vez mais o estado de exceção presente no país? Eis uma boa questão.

A meu ver, perpassa por uma aliança ampla com todos os setores que defendam a separação dos três poderes e acreditem na soberania popular do voto, não se derruba um golpe com fé, piti ou ações radicalizadas; mas sim com foco, força, amplitude e inimigo comum bem definido.

A democracia respira por aparelhos, o STF faz o que quer e legisla literalmente em causa própria, como se pode perceber no caso dos auxílios moradia para juízes. Identificar o inimigo a ser vencido e trazer para o povo os rumos da nação precisa ser o foco, ou seja: trazer de volta o estado democrático de direito.

Como dizia Santo Agostinho, “uma lei injusta não é lei alguma”. E reconhecer onde erramos uma dádiva.

Até a próxima.

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