Para os donos do dinheiro, a democracia é um obstáculo

Um dos traços marcantes do atual momento social e político e que tem sido objeto de preocupação em vários países é o ressurgimento da chamada ultra-direita. Basta um breve olhar sobre o cenário nacional e internacional e poderemos constatar a ascensão de indivíduos e grupos que vociferam o ideário conservador e, em alguns casos, de caráter abertamente proto-fascista.

O ressurgimento de tais ideias em realidades tão diferentes pode parecer apenas uma coincidência, mas esconde a estreita relação entre essa onda neo-conservadora e os grandes interesses econômicos e financeiros em um contexto de crise do capital. Uma relação que não é obvia tendo em vista que o capitalismo consolida-se politicamente sob a hegemonia burguesa embalado pelos discursos de liberdade, igualdade e fraternidade, ainda que tenha ficado evidente, já em meados do século XIX, que as promessas dos revolucionários franceses de 1789 haviam se transformado em meras figuras de retórica. Em outras palavras: se a ordem burguesa representou um avanço frente à ordem feudal, e a democracia liberal burguesa uma conquista civilizatória se comparada às práticas absolutistas, a história contemporânea tem mostrado que essa mesma democracia tem sido alvo de ataques do capital quando o que está em jogo é a sua reprodução e a sua ampliação. Em tempos de expansão econômica, a dinâmica capitalista tolera que alguns percentuais da riqueza produzida pela classe trabalhadora a ela retornem na forma de maiores salários ou sob a forma de direitos sociais. Mas, considerando que, no capitalismo, a regra são os períodos de crise e não de expansão, fica claro que somente ao custo de muitas lutas a classe trabalhadora conseguiu arrancar do capital um conjunto de direitos e garantias que sempre estão sob o risco de serem eliminados na medida em que as crises se aprofundam. Mas, como os trabalhadores e trabalhadoras não se calam diante das ameaças de eliminação de direitos, os donos do capital e seus prepostos buscam estratégias para retirá-los da cena política e assim, obter a “tranquilidade” para manter os padrões de acumulação desejados.

Tais estratégias, entre outras, envolvem desde a repressão direta às lutas da classe trabalhadora, mas também a desestabilização de governos populares pela fabricação de crises políticas onde o foco central são os discursos moralizantes que abrem campo para os diversos conservadorismos, além da manipulação de mecanismos como taxas de juros, preços do petróleo, preços das comodities, de forma a criar impactos negativos nas economias dos Estados nacionais que se colocam no caminho de seus interesses.

É assim que, em momentos de crise aguda e sistêmica do capital como a que o mundo vivencia desde 2007/2008, as forças que controlam os cordéis da economia mundial buscam formas de socializar os prejuízos para continuar concentrando a riqueza. Para isso, é necessário extrapolar os limites que as democracias, ao atenderem demandas da classe trabalhadora, impõem ao capital. Isto porque o capitalismo, na sua fase atual, ou seja, o capitalismo dos oligopólios, financeirizado e globalizado, não precisa da democracia para garantir sua expansão, mesmo em se tratando da democracia liberal burguesa. A democracia, enquanto condição para que, nos limites do capitalismo, a classe trabalhadora possa lutar para a ampliação de seus direitos e melhoria de suas condições de vida, torna-se de fato, um empecilho para que esta expansão aconteça plenamente.

É nesse contexto de crise que as forças obscurantistas de diversos matizes passam a se constituir na tropa de choque do capitalismo, recorrendo a intimidações e a discursos de ódio contra qualquer manifestação que represente, ainda que minimamente, a presença de padrões civilizatórios. Concomitantemente, realiza-se um movimento de apropriação do Estado por essas mesmas forças obscurantistas. Nos países de tradição democrática consolidada, a extrema direita, o mais aguerrido elemento da tropa de choque do capitalismo, tem feito essa tentativa dentro das normas impostas pelo jogo eleitoral; na América Latina, quando esse mesmo jogo eleitoral não atende a seus intentos, recorre, como de costume, a golpes de Estado, ainda que sem o recurso às baionetas, utilizado em outros tempos, mas com a participação direta dos aparatos institucionais do parlamento e do judiciário, como aconteceu no Paraguai, em Honduras e, mais recentemente, no Brasil.

Aqui, sob aparência de manutenção das instituições democráticas, foi cometida uma das maiores agressões à democracia vivenciadas em nossa história: um golpe de Estado sob uma capa de aparente legalidade. Essa agressão continua na medida em que o Estado democrático de direito é substituído pelo Estado policial-penal altamente seletivo quanto aos alvos de sua atuação. Tal seletividade tem sido direcionada para indivíduos, movimentos e partidos políticos que se manifestem a favor de um projeto emancipatório para o país. Mas não nos enganemos: o verdadeiro alvo dessas forças obscurantistas é a democracia brasileira, conquistada pelas lutas históricas de patriotas que deram suas vidas para que ela existisse. Para essas forças obscurantistas é preciso liquidar a democracia no Brasil, tornando-a um mero simulacro para que assim, nosso país seja transformado em um grande cassino onde os donos do dinheiro possam transitar sem qualquer limite, dilapidando as nossas riquezas e empobrecendo a nossa gente. Diante de tal ameaça, podemos mensurar o desafio colocado para as forças democráticas e progressistas neste ano em que, em um cenário político extremamente complexo, as forças do retrocesso buscarão consolidar o seu nefasto projeto de poder.

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