Madalena

Ao cruzar o Jordão, não percebeu o espanto geral. Não era seu meneio — a anca pautando o tempo por sob a túnica fina aberta em fendas laterais —, nem seus enfeites de metal – colares, pulseiras, brincos.

Ela mesma não havia reparado que caminhara por sobre as águas do rio sagrado. Quando deu fé, encontrava-se já na outra margem.

Voltou-se. De onde estava, viu a barra de lá cheia, olhos expectantes por sob o silêncio. Não suspeitava qual graça havia lhe tocado a fronte e levitado seus pés. Sabia-se serena e determinada a algo que lhe escapava.

“Agora verão o que pode o pecado”, dizia de si para si.

Ergueu o braço esquerdo. As águas suspenderam-se em coluna e avançaram. Com as pernas em compasso, traçou o círculo do qual fez-se centro. A terra fendeu e precipitaram-se as areias.

Todos, estarrecidos, viram a incomensurável dor brotar – agora em grifo, depois em flor absurda, mais tarde em luz serena. Então puderam perceber que tudo havia sido recriado (sem imagens e tampouco semelhanças).

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