Tática, Frente Ampla e o lulismo como religião

 "A crítica da religião desengana o homem para que este pense, aja e organize sua realidade como um homem desenganado que recobrou a razão a fim de girar em torno de si mesmo e, portanto, de seu verdadeiro sol". (Karl Marx, livre pensador porque sujeito sem ilusões)

Como bem disse Paulo Henrique Amorim em um de seus vídeos de seu Conversa Afiada, a Casa Grande e a Casa Branca fecharam o script com os supremos tribunais da República: Lula não passará. Pode até não ser preso. Mas não deixarão que se candidate.

Este teclador que aqui mais uma vez importuna, avesso que é a ilusões, mistificações, há algum tempo, tanto aponta quanto lamenta esse incontornável desfecho. E repete: há que se conformar uma ampla frente de forças políticas e sociais em torno da questão nacional, porque estamos diante da interrupção de um ciclo mais vasto que o ciclo Lula-Dilma. O Golpe de 2016 interrompe o ciclo democrático iniciado com a eleição de Tancredo Neves, que pôs fim a 21 anos de Ditadura.

No entanto, à esquerda do espectro, há gente muito supersticiosa: são os devotos da nova religião cunhada pelo professor André Singer (não por acaso, um quadro do PT): o lulismo. O último cantochão pregado pelos sacerdotes do novo credo foi "Eleição sem Lula é fraude". Agora, a mais recente onda é: as próximas eleições (que, curiosamente, deixa de ser fraude mesmo com o ex-presidente interditado pela justiça) será uma disputa entre o lulismo e o anti-lulismo. Isso é repetido por quem teima em se apegar a ilusões e, mesmo não consagrado na 'Ordem da Estrela', fica a servir de correia de transmissão das vontades do partido do ex-presidente, que na verdade, há tempos, trabalha o seu "Plano AB": fortalecer a legenda e lançar um nome seu apoiado por Lula.

O PT tem todo o direito, como aliás sempre teve, de estabelecer sua estratégia, por mais equivocada que seja. Todavia, o que é bom para o PT nem sempre tem sido bom para o Brasil.

– E o que é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, senhor colunista? – perguntar-nos-á uma atenta leitora.

O bom para o Brasil, caríssima, é uma ampla frente política e social, que congregue todas as candidaturas e personalidades, todas as entidades sindicais e populares compromissadas com a soberania, a democracia e os direitos sociais. Frente fundada com base numa plataforma renovada de mudanças, em que a questão nacional, da independência do País, esteja no centro – porque sem Nação soberana não há democracia e direitos para sua gente.

Uma frente com esse conteúdo e nesses moldes, para cumprir com a missão de empolgar os brasileiros e fazer-se movimento, deve ser livre de hegemonismos, suprematismos, exclusivismos e esquematismos. Todas as forças envolvidas devem estar em pé de igualdade quanto ao poder de definir rumos. Todos os partidos e movimentos do campo democrático e patriótico devem ser convidados e ter seu espaço e voz garantidos, sem preconceitos. Não é uma frente em torno de um nome, mas em torno da defesa do País, de sua Constituição e de seu povo.

– Mas não é isso que vem ocorrendo, senhor teclador? – questionar-nos-á um distraído leitor.

Não, meu caro, não é isso o que de fato acontece. O que tem ocorrido é uma permanente instrumentalização dos movimentos frentistas em favor de um único candidato e de um único plano. A já referida consigna "Eleição sem Lula é fraude" é uma demonstração disso, além de um tiro no pé de todos. Por outro flanco, há uma insidiosa tática de esvaziamento de outras alternativas, de tentativa de desidratar outras candidaturas, de descredenciar outros partidos que possam assumir a liderança da resistência nacional e democrática. Essa tática é expressa em formulações do tipo: "Qualquer que seja o destino de Lula, não há saída que não passe por ele e pelo PT".

Tenho visto e ouvido muito comunista repetir patacoada similar.

Uma coisa é defender o direito de qualquer partido lançar seu candidato e lutar por ele, por acreditar, mesmo que a vida o denegue, ser o portador da melhor proposta para o País. Outra, é gente de um dado partido submeter-se à tática de um outro quando seu partido tem sua própria tática.

Os comunistas defendem o direito de Lula ser candidato. Denunciam os veredictos facciosos dos tribunais da burguesia contra um filho da classe operária. Classificam os atos contra Lula como atentados à democracia e ao Estado de Direito. E dizem: só a ampla união dos brasileiros é capaz de fazer frente a isso. E o ponto de articulação de uma ampla frente política e social é a questão nacional.

O PT tem o direito de mais uma vez se equivocar e não compartilhar essa posição. Para ele, a defesa do PT e de Lula é o centro da tática e o legado dos governos do PT, a bandeira. Lula não sendo o candidato, será o cabo eleitoral do candidato, ou candidata do… PT. A irrecusável pergunta: Qual o programa? O mesmo de 2002? A carta aos brasileiros?

Defendem os comunistas um novo projeto de desenvolvimento, uma nova independência nacional. Tem eles as melhores propostas e a melhor candidata. As saídas para a crise e as soluções de futuro estão resumidas lá, no pronunciamento de Manuela D'Ávila, pré-candidata a Presidente da República, no 14.º congresso do partido.

A convicção da maioria do militantes do PCdoB está em que é preciso apresentar ao Brasil algo novo e consistente, capaz de unir para muito além da chamada esquerda. Submeter-se ao velho hegemonismo, hoje travestido de lulismo, não ajuda nisso.

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