Sua majestade, o canhão, está de volta

Conta a história que, em 1823, quando a Constituinte contrariou Pedro I, este cercou o prédio onde se reuniam os deputados e dissolveu a Assembleia. Do lado de fora peças de artilharia se dispuseram ao redor, preparadas para disparar. Antônio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio, o último a se pronunciar naquele 12 de novembro, sarcasticamente curvou-se em cumprimento diante da boca de um canhão e, tirando o chapéu, fez a saudação: “Saúdo sua Majestade, Dom Pedro I.”.

Ali mesmo 14 deputados foram presos, entre eles os três irmãos Andrada, que seriam deportados, e o padre Belchior, que havia testemunhado o Grito do Ipiranga. O arbítrio se impunha desde cedo na jovem nação brasileira. Decorrente daquele ato, brasileiros proclamaram a Confederação do Equador, afogada em sangue a mando do Imperador. Frei Caneca, Padre Mororó e vários outros foram fuzilados.

Aquela parcela da elite brasileira que sempre esteve subordinada aos interesses estrangeiros e que sempre atuou de forma vil como carrasco do povo ficou em regozijo, para usar a fala recente de outro traidor do povo. Voltaria a se alegrar quando o mesmo império massacrou os negros em Porongos, quando enforcou os líderes da Sabinada, quando massacrou os cabanos, quando enforcou Cosme e destruiu os balaios.

Essa parcela entreguista da elite brasileira comemorou a entrega de Olga Benário para ser morta pelo nazismo e aplaudiu a decisão do Supremo que na prática autorizou a sua morte. Essa parcela aplaudiu o golpe de 1964 e apoiou as torturas e assassinatos praticados pela ditadura.
Essa mesma parcela da elite entreguista brasileira aplaude hoje a decretação da prisão da maior liderança popular que a nossa nação já viu.

O Supremo Tribunal Federal deu as costas, uma vez mais, à democracia e à Constituição Federal. Estuprou a primeira, rasgou a segunda. Os ministros que se posicionaram no campo antidemocrático o fizeram com a pressão dos barões da mídia, dos arroubos e ameaças da farda, e de uma pressão gigantesca do aparato punitivista encastelado no judiciário, no Ministério Público e na Polícia Federal. É a turma do auxílio-moradia a condenar, uma vez mais, o povo brasileiro.

Mas os juízes do STF que votaram contra a concessão do Habeas Corpus a Lula não o fizeram apenas pela pressão externa. Fizeram-no de bom grado, de acordo com suas convicções conservadoras e antidemocráticas, fizeram-no para agradar os salões perfumados da elite brasileira, erguida sobre os alicerces ensanguentados pelo sangue do povo.

Antônio Carlos de Andrada, se pudesse assistir às cenas deste tempo que vivemos, se surpreenderia em ver como o canhão foi substituído eficazmente pela toga. Ficaria surpreso, provavelmente, ao ver que hoje, quem quiser permanecer em liberdade, precisa se curvar e fazer a saudação às capas cada vez mais escuras do fascismo brasileiro.

Mas veria também, sem muitas surpresas, que os dois lados continuam iguais, apenas com personagens diferentes. De um lado estão aqueles que fizeram a Conjuração Baiana, os palmarinos, os que pelejaram em Jenipapo, os que tombaram no Campo da Pólvora, os balaios, os negros de Cosme, os cabanos, os guerrilheiros do Araguaia. Deste lado está Lula. Deste mesmo lado estamos nós.

Do lado que perfilou com Pedro I, que caçou escravos, que enforcou o povo, que torturou, que matou, que bateu continência aos gorilas da ditadura, estão aqueles que mandaram prender Lula e que hoje comemoram essa decisão.

O que Antônio Carlos de Andrada veria de diferente é que nós, herdeiros dos que estiveram ao seu lado em 1823 contra o arbítrio de Pedro I, não estamos dispostos a saudar a majestade, o canhão, vista ele hoje a toga ou a farda.

Nossa disposição, neste 2018, para enfrentar o arbítrio, é construir a unidade e lutar para restabelecer a democracia.

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