Ele quer ver sangue

A maioria dos 150 mil soldados que lutaram pelo lado brasileiro na Guerra do Paraguai (1864-1870) era de negros escravos. Como recompensa, cada um deles seria alforriado, caso voltasse vivo. Morreram cerca de 50 mil.

No momento presente, num eventual conflito armado com a Venezuela, por certo a maioria dos combatentes também será de gente pobre, de origem africana. E quem sabe morram os 30 mil que o candidato belicoso disse que precisa matar no Brasil, por adversas razões.

Haveria, porém, uma grande diferença: quem declarou o conflito do século XIX foi o nosso vizinho e, agora, quem está declarando são os Estados Unidos. Se entrar, o brasileiro entra como bucha de canhão. Sem dó nem piedade, pelo que tem sido apregoado, pois não seria reeditada a figura dos voluntários da pátria, criada por D. Pedro II. O convocado será obrigado a ir.

O Brasil não tem motivo algum pra brigar com a Venezuela e, caso venha a entrar em confronto, será por razões que não têm natureza diplomática. Os motivos seriam bem outros.

O Brasil só teria a perder com essa contenda. A começar pela energia elétrica que vem da hidrelétrica venezuelana de Guri e abastece o estado de Roraima, com previsão de chegar também a Manaus e boa parte do Amazonas, que será cortada. E o acesso por terra ao Caribe será bloqueado.

Ademais, devemos levar em conta que o principal rio venezuelano, o Orinoco, é um dos formadores do Negro e, portanto, do Amazonas. O Cassiquiare, deflunte do Orinoco, encontra-se com o colombiano Guainía na área conhecida como Cabeça de Cachorro, na tríplice fronteira do Brasil com Colômbia e Venezuela.

Ali é plena Planície Amazônica, que tem mais de 1.000 km de extensão no sentido oeste-leste, até chegar ao Sistema Parima de Serras, parte montanhosa da fronteira, onde estão o Pico da Neblina e o Monte Caburaí, o ponto mais setentrional do território brasileiro.

A fronteira é bem mais extensa, toda ela terrestre e habitada por boa quantidade de grupos indígenas – entre os quais os Yanomami – e outras populações tradicionais. Esse contingente, por certo, tomará partido da Venezuela.

Isso quer dizer que a passagem da rodovia asfaltada pela cidade de Pacaraima (RR), por onde têm entrado os refugiados venezuelanos, é apenas um detalhe da região fronteiriça.
Tirando o Equador, os demais sete territórios nacionais da Amazônia são limítrofes ao Brasil e, em maior ou menor escala, serão afetados por um eventual conflito. Especialmente a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa.

A hoje esfarrapada diplomacia brasileira vai acabar se metendo na histórica disputa territorial da Venezuela com a Guiana e pode acabar sobrando também pra Guiana Francesa, que é um condado (estado) além-mar da França. Ou seja, o governo francês irá tomar satisfações.

É certo que uma guerra na região envolveria também a marinha e a aeronáutica de ambos os países, até porque Caracas, a capital bolivariana, está bem longe, lá do outro lado, à beira-mar. E quase um terço da população do país, de 32 milhões de pessoas, está na sua região metropolitana.

Há, por trás de tudo, os interesses geopolíticos dos EUA e das indústrias bélicas que financiaram as campanhas do presidente Donald Trump naquele país e do Coiso, aqui. São por demais conhecidas, por exemplo, as relações do candidato brasileiro com a Taurus, principal fabricante de armas em solo brasileiro.

Prevalece, porém, a pretensão ianque de controlar fisicamente o Caribe e toda a parte Norte da América do Sul. Fazem parte dessa estratégia o cerco a Cuba e o domínio sobre o Canal do Panamá, importante ligação dos oceanos Pacífico e Atlântico.

No entanto, vale repetir, o Brasil nada tem a ver com isso. Mas, caso haja uma possível desgraça eleitoral, a gente pode esperar pelo pior.

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