O julgamento do STF e as garantias constitucionais

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá, nesta quarta-feira (4), sobre o reconhecimento de uma das garantias fundamentais contidas na Constituição Federal, a chamada presunção de inocência. A porta que o STF poderá fechar, ou abrir, é a possibilidade de prisão em segunda instância, antes que sejam esgotados todos os recursos da defesa de um acusado. E seu efeito político se manifestará na execução da pena de prisão contra ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os conservadores dizem que querem acabar com a impunidade, e que uma decisão contrária à prisão em segunda instância beneficiaria homicidas, ladrões e estupradores. É um argumento falso e oportunista, cujo objetivo é jogar a opinião pública contra uma decisão democrática do STF, em respeito à Constituição. É uma “aberração”, cuja estratégia “é o terror”, acusa o jurista Afrânio Silva Jardim, professor de Direito Processual Penal da UERJ.

Estes são os aspectos jurídico e político, intimamente ligados, que despertam a atenção do país sobre o julgamento desta quarta-feira.

O artigo 5º da Constituição é claro ao garantir que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Isto é, até que sejam esgotados todos os recursos judiciais em defesa do acusado.

Esta garantia constitucional descende, em linha direta, das conquistas civilizatórias da Revolução Francesa, no século 18, e da luta contra o nazismo e o fascismo, no século 20. Contra o medievalismo e o absolutismo monárquico que prevaleciam faz duzentos anos, pensadores iluministas como Voltaire, Montesquieu, Beccaria, Rousseau, contestaram as prisões arbitrárias, em que os acusados eram previamente tidos como culpados.

As ideias progressistas, avançadas e democráticas daqueles pensadores figuram na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (26 de agosto de 1789), cujo artigo 9º diz: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado”.

Em meados do século 20, para prevenir a repetição da arbitrariedade fascista e nazista, e reforçar as garantias individuais contra ditaduras como aquelas, foi necessário reafirmar a mesma ideia democrática para garantir o direito fundamental e básico da presunção da inocência. Nesse sentido, o artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de dezembro de 1948) registra: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

O conservadorismo que prevalece no Brasil, em nossos dias, afronta esta tese civilizatória, por motivo claramente político.

Juristas democráticos alertam contra o atentado à Constituição defendido por setores conservadores da direita, e propagado insistentemente pela mídia hegemônica e antidemocrática. Lamentam que setores do Poder Judiciário e do Ministério Público, ambos responsáveis por guardar a Constituição, questionem e ponham em xeque uma cláusula pétrea da Carta Magna.

Num parecer emitido nesta segunda-feira (2), José Afonso da Silva, professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, rejeita esta tese de natureza conservadora. Segundo ele, a execução da pena antes do trânsito em julgado “viola gravemente a Constituição num dos elementos fundamentais do Estado Democrático de Direito, que é um direito individual fundamental”.

A direita e seus seguidores alegam que lutam contra a impunidade. Agem como linchadores, à margem da lei. E batem no peito alegando o respeito a ela.