Che hoje: não há outro morto tão vivo

A humanidade que almeja libertar-se rende homenagem por estes dias a Ernesto Guevara Arce, o Che, nos 40 anos de sua morte. Capturado nas selvas da Bolívia em 8 de outubro, aos 39 anos, ele foi assassinado a sangue-frio no dia seguinte.



A mando de Félix Rodríguez, agente da CIA, os militares bolivianos ocultaram o cadáver, que só seria recuperado 20 anos depois. Tudo foi feito para apagar a imagem e o exemplo do mais célebre dos guerrilheiros, herói da revolução cubana e da resistência congolesa, profeta de uma América Latina unida pela luta antiimperialista.



Foi inútil. Quatro décadas depois, Che Guevara zomba dos seus carrascos. Escapou e povoa os sonhos e combates mais nobres dos povos, sobretudo da juventude, geração após geração.  Seu retrato de boina estrelada e olhar no horizonte (Guerrilheiro heróico, Peter Korda, 1960), tornou-se o mais conhecido ícone do século 20, reproduzido em incontáveis posters e camisetas. Não se conhece na história um outro morto tão vivo.



Este herói, este ícone, este mito, foi um militante comunista, um estudioso do marxismo, um pensador e um lutador do comunismo. Essa marca que faz de Che um personagem que não admite ser ''canonizado'' e adocicado com o correr dos anos, como as classes dominantes costumam fazer com a imagem dos seus adversários depois que eles morrem. Por isso elas espumam de raiva.



Chama a atenção que a maior e mais reacionária revista semanal brasileira, a Veja, tenha dedicado uma das suas últimas capas à tentativa de pintar Guevara como um assassino ''sedento de sangue'' e sua memória como ''uma farsa''. Assim como chama a atenção a resposta que a calúnia teve no Brasil inteiro, em especial da juventude.



Fidel Castro, seu companheiro na guerrilha da Sierra Maestra, escreveu nesta segunda-feira que Guevara foi um  ''semeador de consciências em nossa América e no mundo''. Tem razão. Com seus escritos e com seus exemplos ele fez a lavoura da rebelião contra o mundo dominado pelo imperialismo. A derrota da experiência soviética, contra-revolução de 1989-1990 e a globalização reacionária que se seguiu adiaram talvez a colheita, mas aí está ela. Basta olhar para a América Latina deste 40º ano sem Che.



Os grandes movimentos históricos obedecem a leis objetivas e seus principais protagonistas são coletivos – em primeiro lugar as classes sociais. Nem por isso eles prescidem do papel dos indivíduos, sejam eles os componentes anônimos mas imprescindíveis dos personagens sociais, ou os chamados grandes homens, que se destacam justamente por encarnarem e impulsionarem os objetivos que a História está madura para cumprir. Che Guevara foi um destes. A força do seu mito brota do realismo do seu programa libertador.