PCP, cravos e greve geral em Portugal

Renata Bruno era secundarista quando entrou para o PCdoB na época da campanha das Diretas Já, final do período da clandestinidade. Ajudou a fundar a UJS, onde chegou a ser dirigente. Nos anos 90, mudou-se para Portugal e ingressou no PCP. De volta ao Bras

Vermelho-SP: Quais são as principais bandeiras do Partido Comunista Português?


Renata: O PCP, junto com o partido grego, representam os grandes entraves à política neoliberal na Europa. O PCP é um partido com muita influência entre a população. É um partido muito bem sucedido, tanto no movimento sindical quanto no exercício do poder local.


 



Vermelho-SP: O que é poder local?


Renata: O sistema político em Portugal é diferente do nosso. Além de ser parlamentarista, graças ao 25 de abril (nesse dia, em 1974, um movimento que ficou conhecido como Revolução dos Cravos derrubou o regime fascista de Oliveira Salazar, que governava Portugal desde 1926) tem uma estrutura de poder muito mais próxima da população que são as juntas e freguesias. A freguesia é um poder eleito nos bairros. O PCP chegou a ser o partido mais expressivo, mais bem votado, nesse poder mais próximo da população. O partido também dirige muitos municípios em Portugal. Tem um estilo de administração própria que é muito bem sucedido.


 


Vermelho-SP: E nas outras esferas políticas?


Renata: A votação local não se reflete no poder central, no parlamento. Esse fenômeno acontece porque começa a haver em Portugal uma bipartidarização entre o Partido Social-Democrata, com feições de direita, e o Partido Socialista, com feição social-democrata. Há muito tempo eles sucedem-se no poder, praticando uma política neoliberal. Hoje, vive-se uma situação em que o Partido Socialista está no poder e o Partido Social-Democrata não consegue fazer oposição porque estão tão de acordo que não há como fazer oposição.


 


Vermelho-SP: E os demais partidos portugueses?


Renata: Portugal tem quatro grandes partidos. O dois que eu já citei, o Partido Popular – que é o partido de extrema-direita e o PCP. Nas votações nacionais, o PCP é a terceira força, o terceiro maior partido de Portugal.


 


Vermelho-SP: Qual a influência do PCP na sociedade portuguesa?


Renata: É um partido reconhecidíssimo. A população portuguesa – e a européia em geral – é uma população politizada. Sabem o que é esquerda, o que é direita. O Partido Comunista tem um prestígio muito grande entre a população. Basta ver o que foi o enterro do Álvaro Cunhal (militante e dirigente do PCP). Toda Lisboa parou para levar e acompanhar seu caixão. Todas as grandes personalidades portuguesas compareceram ao enterro dessa figura histórica. Tudo isso acontece graças ao 25 de abril, mas também graças a uma organização partidária e uma disciplina muito forte.


 


Vermelho-SP: E por que isso não se traduz em votos?


Renata: Porque também há um anti-comunismo muito forte em Portugal, principalmente na região norte, uma região dominada pela igreja católica. Mas, todos conhecem as lideranças do PCP. O secretário-geral do partido concorreu à presidência da República nas últimas eleições e teve uma votação expressiva. Houve um período de perda de influência eleitoral, mas o partido recuperou-se após o último congresso. Nesse congresso o partido faz uma reafirmação de posições mais à esquerda, faz a reafirmação do ''partido do proletariado''. Ao contrário de algumas tendências à institucionalização do partido, o congresso vem contrariar essa visão de institucionalização e trazer o partido para o campo da luta. Por exemplo, no próximo dia 30 de maio vai ocorrer uma greve geral em Portugal.


 


Vermelho-SP: Greve geral?


Renata: Sim. Essa greve é fruto do trabalho do PCP. Essa greve está sendo construída pelo PCP. E greve geral em Portugal, nesta altura, significa muito. Não é pouca coisa. Será uma greve de cunho político. Contra a política de um governo entreguista. Portugal está sendo desmantelado. O país tem, hoje, um papel submisso na União Européia graças a esses sucessivos governos do PSD e PS. Portugal está sendo desindustrializado, o aumento do desemprego está sendo brutal. As relações laborais estão péssimas para os trabalhadores. Há muitas empresas multinacionais que se beneficiaram de subsídios governamentais e agora estão se deslocando para o leste europeu. Esses governos têm permitido isso, têm sido governos vendidos e muito submissos aos fortes da União Européia, que são a Alemanha, a França e a Inglaterra.


 


Vermelho-SP: Como é a atuação do PCP na União Européia?


Renata: Ele tem deputados eleitos no parlamento europeu. No entanto, o povo português está muito distante da União Européia. O nível de abstenções nessas eleições é elevadíssimo. Proporcionalmente, quanto mais aumenta a distância entre o nível de poder e o povo, mais aumenta o nível de abstenção. As eleições locais têm um nível de abstenção pequeno, as eleições nacionais têm um nível já bastante grande e as eleições para o parlamento europeu têm níveis brutais – com índices de 70% de abstenção. Onde a abstenção é maior, o PCP tem menos influência. Onde a abstenção é menor, o partido tem mais influência.


 


 


Vermelho-SP: Que semelhanças e diferenças você poderia destacar entre o PCP e o PCdoB?


Renata: É bastante difícil fazer comparações, pois são culturas e histórias bastante diferentes. Portugal está inserido numa tradição de esquerda européia, que é bastante diferente da nossa. Apesar de serem partidos com praticamente a mesma idade, o PCP é ligeiramente mais velho que o PCdoB (o PCP foi fundado em 1921), as realidades são diferentes. Há algumas semelhanças.


 


Vermelho-SP: Quais?


Renata: O salazarismo e o fascismo sufocaram durante muito tempo o PCP. No entanto, o partido sai para a legalidade numa circunstância de levante popular muito influenciado pelo PCP, que tinha uma organização clandestina muito rigorosa, admirada mundialmente pelos partidos comunistas. Ela foi exemplo para outros partidos comunistas. O PCP teve uma enorme influência na revolução de 74, mesmo dentro das forças armadas, que se tornaram os protagonistas da revolução. Havia muitos capitães comunistas. Isso está um pouco escondido sob o divulgado protagonismo das forças armadas. Mas, quem tramou a revolução foi a organização comunista clandestina. No pós-74, a contra-revolução começou a funcionar muito rapidamente e de maneira muito violenta. Apesar de Álvaro Cunhal ter participado do primeiro governo, a partir de 75 destruíram sedes do partido, havia confrontos de rua entre a extrema-direita e o partido. Chegou-se a uma correlação de forças que não permitiu ao partido dar o passo final no sentido de consolidar-se na direção política do país. Um bom exemplo disso é a música do Chico Buarque ''Tanto Mar'' que tem duas versões. Uma no período revolucionário e outra no período contra-revolucionário. A primeira conta a revolução que estava sendo feita, e teve grande influência no Brasil, pois vivíamos um período de ditadura. A segunda é a lamentação da contra-revolução e dos recuos que a revolução passou a sofrer a partir de 75, e que continua sofrendo; embora muita coisa das conquistas desse primeiro ano ainda se mantenha. Então, você tem um partido estruturado, que tem uma sublevação popular na sua história e que tem dez anos a mais de legalidade em relação ao nosso partido. É uma história completamente diferente do nosso partido, que sofreu uma cisão em 62 e enfrentou uma ditadura militar, quando perdeu muitos de seus quadros. Há duas diferenças fundamentais: o PCP está envelhecido, assim como toda a população européia, enquanto o PCdoB é um partido jovem. Isso leva a duas características que os diferenciam. Sendo envelhecido, é um partido menos aguerrido para a luta, mas mais organizado. O PCdoB é mais aguerrido para a luta, devido à sua juventude, mas menos organizado. São características das próprias composições dos partidos. Quando cheguei a Portugal, dizia que se tivéssemos a organização do PCP no PCdoB, tomávamos o poder no Brasil; e se tivéssemos a capacidade de luta do PCdoB no PCP, tomávamos o poder em Portugal. Seria a soma de duas características que se complementariam muito bem, mas são realidades culturais diferentes.


 


Vermelho-SP: Mais alguma distinção?


Renata: Sim. O PCP é auto-suficiente financeiramente. O nível de contribuição militante é altíssimo. O partido tem muito patrimônio vindo de doação de militantes. O partido comprou o terreno onde se realiza anualmente a festa do Avante (jornal do PCP) através de campanha de finanças entre os militantes. A própria festa do Avante é construída toda por trabalho militante, onde participam desde os dirigentes nacionais até os militantes. As pessoas tiram férias para colaborar. É o maior evento cultural do país. São três dias de festa, com espetáculos internacionais, orquestras sinfônicas, espetáculos de teatro, venda de comidas típicas de todas as regiões do país e muitas contribuições de partidos estrangeiros. O PT tem sua barraquinha, o PC espanhol também, o PCdoB só participou uma vez. A festa produz finanças para o partido, que sustentam, em grande parte o partido. O partido não depende dos seus parlamentares para sobrevivência. Isso permite ao PCP manter um corpo de funcionários, que são profissionais do partido, que são as chamadas correntes de transmissão, pois levam a política do partido, constroem o partido.


 


De Campinas,
Agildo Nogueira Jr.