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Para Ubes, mídia perfaz ditadura ao atacar livro didático

O diretor de Relações Internacionais da Ubes, Osvaldo Lemos, repudiou a campanha da grande imprensa contra o livro Nova História Crítica (ed. Nova Geração), de Mario Schmidt, distribuídos a alunos da 8ª série. Ele lembrou a ditadura e outros perí

“A diversidade de opiniões deve ser respeitada. A mídia não pode exercer este papel desastrado de censor. Isso nós já superamos, derrotamos, com o enterro da ditadura. A grande imprensa quer impor à população apenas a sua visão de mundo. Isso é um absurdo”, protestou.


 


Osvaldo disse que a obra deve continuar sendo adotado pelas escolas, sendo uma contraposição aos tradicionais livros de história, que escondem as injustiças e os conflitos sociais.


 


Mídia e polêmica


 


A polêmica começou com artigo publicado na terça (18) pelo executivo de jornalismo da poderosa Rede Globo, Ali Kamel, no jornal O Globo. “Nossas crianças estão sendo enganadas, a cabeça delas vem sendo trabalhada, e o efeito disso será sentido em poucos anos. É isso o que deseja o MEC? Senão for, algo precisa ser feito, pelo ministério, pelo congresso, por alguém”, concluíu Kamel em seu texto (leia texto na íntegra abaixo).


 


A Folha de S. Paulo apoiou a causa defendida pela Globo. “Com uma leitura esquerdista quase maniqueísta e erros de português, o livro condena o capitalismo por visar 'o lucro' e enaltece a 'teoria marxista-leninista', que buscaria o 'bem-estar social'. Elogia a Revolução Cultural chinesa, sem se referir aos assassinatos e abusos da disputa pelo poder no Partido Comunista Chinês”, afirmou o jornal nesta quarta (19).


 


O Estadão não ficou para trás e nesta quinta (20) traz um editorial agressivo. “O governo gastou R$ 12 milhões com uma obra que, pela quantidade de imbecilidades e grosseiras falsificações da história que contém, jamais deveria ter entrado numa sala de aula”, diz um trecho do texto do jornalão, que também reproduziu o artigo de Ali Kamel (leia texto na íntegra abaixo).


 


Lados da História


 


Expressões como “Mao Tse-tung foi um grande estadista”; “A Revolução Cultural chinesa foi uma época em que se lutou contra velhos hábitos, velha cultura, velhas idéias, velhos costumes”; e “a derrocada da União Soviética, reflexo do desejo por carros importados, bons restaurantes, aparelhos eletrônicos, roupas de marcas famosas e jóias” levaram a mídia a fazer ampla campanha contra a obra.


 


Mas para Rovilson Portela, diretor de movimento estudantil da UJS (União da juventude Socialista), o que mais deve ter irritado o que chama de “partido da mídia” foi a sua leitura sobre a história do Brasil.


 


“O livro reconhece uma história de desigualdades no nosso País. O Brasil de Schmidt não começa com a chegada dos europeus e leva em consideração a população indígena ao compor a nossa trajetória. Talvez, a ausência do eurocentrismo, tão presente nos livros didáticos da era de FHC, também esteja irritando profundamente o partido da mídia”, afirma.


 


Recuo do MEC


 


O livro era adotado pelo Ministério da Educação por escolha de milhares de professores desde 2002. Mas depois das pressões, o MEC decidiu retirá-lo das escolas a partir de 2008. Já foram distribuídos cerca de 1 milhão de exemplares, que o alçaram ao posto de mais adquirido na área pelo próprio Ministério.


 


Afirmando não conhecer a obra, o ministro da Educação, Fernando Haddad disse nesta quarta (19) que em tese, “o livro didático deveria zelar para não emitir juízos de caráter ideológico”.


 


Nas avaliações de 2002 e 2005 do PNLD, a obra havia sido aprovada “com ressalvas”. O catálogo distribuído aos professores há dois anos dizia que “os recursos usados para facilitar a apresentação de sínteses explicativas resvalam no maniqueísmo e em uma visão muito simplificada dos processos e contradições sociais”. Mas viu “grande potencial pedagógico” nos recursos da obra, “se bem aproveitados pelo professor”.


 


Críticas retardatárias


 


“Estes livros já estão no mercado há mais de dez anos, não entendo por que essa crítica agora”, disse Arnaldo Saraiva, editor da Nova Geração. “É lógico que o livro tem um posicionamento político, todos os livros têm. 'O livro do Mário é perseguido há mais de dez anos pela direita raivosa”, disparou.


 


O autor se manifestou sobre o assunto em nota divulgada nesta quarta. Segundo o autor, a campanha da mídia contra seu livro omite as críticas que o mesmo faz as processos revolucionários que descreve. Além disso, ele lembra que a escolha do livro didático é feito por um conjunto de professores e não pelo governo federal.


 


“O livro não é o único nem o primeiro livro didático brasileiro que questiona a permanência de estruturas injustas e que enfoca os conflitos sociais em nossa história. Entretanto, é com orgulho que constatamos que nenhuma outra obra havia provocado reação tão direta e tão agressiva de uma das maiores empresas privadas de comunicação do país como provocou na Globo de Ali Kamel”, escreveu Mario Schmidt.


 


Leia abaixo a íntegra do editorial do jornal Estadão.


 



O MEC acorda tarde


 


O sistema de compra de livros didáticos adotado pelo Ministério da Educação (MEC) continua apresentando gravíssimos problemas. Terreno fértil para a corrupção, sujeito aos lobbies de editores e, principalmente, amplamente infiltrado pela “esquerda festiva”, ele se caracteriza pelo enviesamento ideológico nos critérios de escolha e pela falta de controle em sua distribuição, a ponto de obras rejeitadas por especialistas contratados pelo próprio governo continuarem sendo livremente utilizadas em salas de aula. É esse o caso da coleção Nova História Crítica de autoria de Mário Schmidt, que apenas entre 2005 e 2007 foi distribuída a 750 mil estudantes da rede pública – submetidos, assim, a autêntica “lavagem cerebral”.


 


A coleção foi aprovada com ressalvas pelo Programa Nacional do Livro Didático, em 2000. Na reavaliação dos títulos a serem adquiridos em 2005, os professores contratados para definir o Guia do Livro Didático a rejeitaram, criticando-a por sua “visão maniqueísta e simplificada dos processos sociais”. A coleção voltou a ser reprovada na escolha dos livros a serem comprados pelo MEC entre 2008 e 2010, desta vez sob a alegação de que contém erros conceituais, falhas de informação e incoerência metodológica.


 


Apesar do veto a novas aquisições, em 2005, e de sua exclusão do Guia do Livro Didático de 2008, a Nova História Crítica continuou sendo distribuída pelo MEC. Só este ano, já foram enviados 89 mil exemplares da coleção a escolas públicas. O governo gastou R$ 12 milhões com uma obra que, pela quantidade de imbecilidades e grosseiras falsificações da história que contém, jamais deveria ter entrado numa sala de aula.


 


Alguns parágrafos dão o padrão da sua “qualidade”. O quadro de Pedro Américo, por exemplo, retratando a Proclamação da Independência, é comparado a “um anúncio de desodorante, com aqueles sujeitos levantando a espada para mostrar o sovaco”. D. Pedro II é um “velho, esclerosado e babão”. A princesa Isabel é uma mulher “feia como a peste e estúpida como uma leguminosa” e o Conde d?Eu é um “gigolô imperial” que enviava meninas paraguaias para os bordéis do Rio de Janeiro. “Quem acredita que a escravidão negra acabou por causa da bondade de uma princesa branquinha, não vai achar também que a situação dos oprimidos de hoje só vai melhorar quando aparecer algum princezinho salvador?”


 


Por outro lado, Mao Tsé-tung é apresentado como um “grande estadista” que “amou inúmeras mulheres e por elas foi correspondido”. A Revolução Cultural Chinesa é descrita como “uma experiência muito original” onde, “em todos os cantos, se falava da luta contra os quatro velhos: velhos hábitos, velhas culturas, velhas idéias, velhos costumes”. A ditadura de Fidel Castro é elogiada a começar pelos fuzilamentos no paredón. A derrocada da União Soviética é atribuída aos profissionais com curso superior, por terem “inveja” da classe média dos países desenvolvidos. “Queriam ter dois ou três carros importados na garagem de um casarão, freqüentar bons restaurantes, comprar aparelhagens eletrônicas sofisticadas, roupas de marcas famosas, jóias.”


 


As distinções ideológicas também são um primor. O capitalismo é definido como o regime econômico onde “terras, minas e empresas são propriedade privada” e “as decisões econômicas são tomadas pela burguesia, que busca o lucro pessoal”, enquanto no socialismo “terras, minas e empresas pertencem à coletividade” e “as decisões econômicas são tomadas democraticamente pelo povo trabalhador, visando o bem-estar social. Os produtores são os próprios consumidores, por isso tudo é feito com honestidade para agradar à toda a população”. A verdade factual é desprezada pela obra, que em momento algum se refere aos milhões de assassinados pelo regime de Mao, ao arquipélago Gulag do regime soviético e ao fracasso do socialismo e do comunismo.


 


Diante de tanta desonestidade intelectual, custa crer que o MEC só tenha se manifestado sobre o problema após a publicação de artigo do jornalista Ali Kamel, do jornal O Globo.


 


(reproduzido na página A2 da edição de 20/09, quinta-feira), comentando a obra.


 


Leia abaixo íntegra do artigo de Ali kamel.


 



O que ensinam às nossas crianças


 


Não vou importunar o leitor com teorias sobre Gramsci, hegemonia, nada disso. Ao fim da leitura, tenho certeza de que todos vão entender o que se está fazendo com as nossas crianças e com que objetivo. O psicanalista Francisco Daudt me fez chegar às mãos o livro didático Nova História Crítica, 8ª série distribuído gratuitamente pelo MEC a 750 mil alunos da rede pública. O que ele leu ali é de dar medo. Apenas uma tentativa de fazer nossas crianças acreditarem que o capitalismo é mau e que a solução de todos os problemas é o socialismo, que só fracassou até aqui por culpa de burocratas autoritários. Impossível contar tudo o que há no livro. Por isso, cito apenas alguns trechos.


 


Sobre o que é hoje o capitalismo: “Terras, minas e empresas são propriedade privada. As decisões econômicas são tomadas pela burguesia, que busca o lucro pessoal. Para ampliar as vendas no mercado consumidor, há um esforço em fazer produtos modernos. Grandes diferenças sociais: a burguesia recebe muito mais do que o proletariado. O capitalismo funciona tanto com liberdades como em regimes autoritários.”


 


Sobre o ideal marxista: “Terras, minas e empresas pertencem à coletividade. As decisões econômicas são tomadas democraticamente pelo povo trabalhador, visando o (sic) bem-estar social. Os produtores são os próprios consumidores, por isso tudo é feito com honestidade para agradar à (sic) toda a população. Não há mais ricos, e as diferenças sociais são pequenas. Amplas liberdades democráticas para os trabalhadores.”


 


Sobre Mao Tse-tung: “Foi um grande estadista e comandante militar. Escreveu livros sobre política, filosofia e economia. Praticou esportes até a velhice. Amou inúmeras mulheres e por elas foi correspondido. Para muitos chineses, Mao é ainda um grande herói. Mas para os chineses anticomunistas, não passou de um ditador.”


 


Sobre Revolução Cultural Chinesa: “Foi uma experiência socialista muito original. As novas propostas eram discutidas animadamente. Grandes cartazes murais, os dazibaos, abriam espaço para o povo manifestar seus pensamentos e suas críticas. Velhos administradores foram substituídos por rapazes cheios de idéias novas. Em todos os cantos, se falava da luta contra os quatro velhos: velhos hábitos, velhas culturas, velhas idéias, velhos costumes. (…) No início, o presidente Mao Tse-tung foi o grande incentivador da mobilização da juventude a favor da Revolução Cultural. (…) Milhões de jovens formavam a Guarda Vermelha, militantes totalmente dedicados à luta pelas mudanças. (…) Seus militantes invadiam fábricas, prefeituras e sedes do PC para prender dirigentes ?politicamente esclerosados?. (…) A Guarda Vermelha obrigou os burocratas a desfilar pelas ruas das cidades com cartazes pregados nas costas com dizeres do tipo: ?Fui um burocrata mais preocupado com o meu cargo do que com o bem-estar do povo?. As pessoas riam, jogavam objetos e até cuspiam. A Revolução Cultural entusiasmava e assustava ao mesmo tempo.”


 


Sobre a Revolução Cubana e o paredão: “A reforma agrária, o confisco dos bens de empresas norte-americanas e o fuzilamento de torturadores do exército de Fulgêncio Batista tiveram inegável apoio popular.”


 


Sobre as primeiras medidas de Fidel: “O governo decretou que os aluguéis deveriam ser reduzidos em 50%, os livros escolares e os remédios, em 25%.” Essas medidas eram justificadas assim: “Ninguém possui o direito de enriquecer com as necessidades vitais do povo de ter moradia, educação e saúde.”


 


Sobre o futuro de Cuba, após as dificuldades enfrentadas, segundo o livro, pela oposição implacável dos EUA e o fim da ajuda da URSS: “Uma parte significativa da população cubana guarda a esperança de que se Fidel Castro sair do governo e o país voltar a ser capitalista, haverá muitos investimentos dos EUA.(…) Mas existe (sic) também as possibilidades de Cuba voltar a ter favelas e crianças abandonadas, como no tempo de Fulgêncio Batista. Quem pode saber?”


 


Sobre os motivos da derrocada da URSS: “É claro que a população soviética não estava passando fome. O desenvolvimento econômico e a boa distribuição de renda garantiam o lar e o jantar para cada cidadão. Não existia inflação nem desemprego. Todo ensino era gratuito e muitos filhos de operários e camponeses conseguiam cursar as melhores faculdades. (…) Medicina gratuita, aluguel que custava o preço de três maços de cigarro, grandes cidades sem crianças abandonadas nem favelas… Para nós, do Terceiro Mundo, quase um sonho não é verdade? Acontecia que o povo da segunda potência mundial não queria só melhores bens de consumo. Principalmente a intelligentsia (os profissionais com curso superior) tinha inveja da classe média em desenvolvimento dos países desenvolvidos (…) Queriam ter dois ou três carros importados na garagem de um casarão, freqüentar bons restaurantes, comprar aparelhagens eletrônicas sofisticadas, roupas de marcas famosas, jóias. (…) Karl Marx não pensava que o socialismo pudesse se desenvolver num único país, menos ainda numa nação atrasada e pobre como a Rússia tzarista. (…) Fica então uma velha pergunta: e se a revolução tivesse estourado num país desenvolvido como os EUA e a Alemanha? Teria fracassado também?”


 


Esses são apenas alguns poucos exemplos. Há muito mais. De que forma nossas crianças poderão saber que Mao foi um assassino frio de multidões? Que a Revolução Cultural foi uma das maiores insanidades que o mundo presenciou, levando à morte de milhões? Que Cuba é responsável pelos seus fracassos e que o paredão levou à morte, em julgamentos sumários, não torturadores, mas milhares de oponentes do novo regime? E que a URSS não desabou por sentimentos de inveja, mas porque o socialismo real, uma ditadura que esmaga o indivíduo, provou-se não um sonho, mas um pesadelo?


 


Nossas crianças estão sendo enganadas, a cabeça delas vem sendo trabalhada, e o efeito disso será sentido em poucos anos. É isso o que deseja o MEC? Senão for, algo precisa ser feito, pelo ministério, pelo congresso, por alguém.


 


Artigo reproduzido do jornal O Globo de 18/9, página 7.


 


Leia também:


O livro didático que a Globo quer proibir (resposta de Mário Schmidt à Ali Kamel)