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Luis Nassif: O caso do livro no índex

O jornalista Luis Nassif publicou nesta sexta-feira (21) em seu blog artigo repercutindo o que escreveu Ali Kamel no jornal ''O Globo'' da última terça-feira. Nele, Nassif conta como Kamel manipula a ''denúncia'' contra o livro Nova  História

A guerra ideológica continua produzindo uma vítima recorrente: a notícia. Digo isso a propósito do artigo de Ali Kamel em ''O Globo'', reproduzido no ''Estadão'', desancando o livro ''Nova História Crítica, 8ª série'' – acusado por ele de doutrinação comunista – , e denunciando o MEC (Ministério da Educação) de distribuí-lo gratuitamente.



A denúncia repercutiu na imprensa mundial, de ''El Pais'', na Espanha, ao ''Miami Herald'', nos Estados Unidos.



Na verdade o livro foi adotado pelo MEC em 2002, gestão Fernando Henrique Cardoso, e deixou de ser adotado em abril deste ano, gestão Luiz Ignácio Lula da Silva. E Kamel sabia disso.



Nem a indicação foi culpa de FHC (se é que se pode falar em culpa), nem
a desclassificação foi obra de Lula. Kamel sabia que o processo de seleção de livros, pelo MEC, virou uma política de estado, ainda na gestão FHC, e não houve nenhuma modificação que sinalizasse para sua politização.



O sistema de seleção criado virou padrão para muitos países. O papel do MEC é definir um conjunto de universidades que sejam centros de excelência. Depois, cada qual indica professores para analisar as obras. O MEC avalia apenas se há conflito de interesses, se o professor eventualmente tem ligação com alguma editora.



Em seguida, todos são chamados a Brasília e lhes são entregues os livros sem identificação de editora ou autor. As obras recomendadas entram em uma lista do MEC e são apresentadas às escolas, para escolha dos professores.



Antes, havia um problema. Grandes editoras faziam um trabalho de marketing, enviando vendedores para convencer os professores. O MEC corrigiu o que considerava uma distorção. Passou a editar um Guia de Leitura e a remeter para as escolas. E os professores passaram a fazer escolhas pela Internet. Esse modelo reduziu o poder de fogo das grandes editoras, gerou muita pressão, mas abriu a possibilidades para pequenas e médias editoras entrarem no mercado.



O livro em questão entrou para a lista em 2002, devido à avaliação positiva de um professor da UNESP (Universidade Estadual Júlio de Mesquita Neto), ainda na gestão Paulo Renato de Souza.



Quem retirou de pauta, na última avaliação, em abril passado, foi a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pois os novos avaliadores entenderam que as ressalvas eram fortes demais para que permanecessem. Nem o MEC interferiu no primeiro movimento, nem interferiu no segundo.



A única mudança que fez foi ampliar o número de universidades de quatro para oito. O livro acabou vetado por um avaliador de uma nova  universidade incluída na seleção.



Repito, Kamel sabia disso. Mais. Na seleção de trechos que colocou, do livro, menciona o que considera loas aos regimes comunistas. Mas deixou de fora trechos do livro em que há críticas explícitas ao marxismo, a Stalin e a Mao.



Pior: homem que domina as estatísticas, deixou as ferramentas de lado na hora de analisar as obras colocadas à disposição dos professores. Existem 400 livros didáticos apenas na 4ª e 5ª séries. Não se valeu sequer de amostragem estatística, como, por exemplo, avaliar 20 livros e constatar problemas em parte deles.


 



O Grande Pai contra o mercado *


 



Já expliquei que sou contra a doutrinação. Mas há um paradoxo gozadíssimo do artigo do Ali Kamel. Ele é um ferrenho defensor do livre mercado.


 


O modelo de compra de livro didático funciona assim:


 


1.      Uma comissão de professores de diversas unidades seleciona livros.


 


2.      Dada a lista, a escolha é feita pelos professores.


 


50 mil professores escolheram esse livro, inclusive muitos da rede privada. É um processo de escolha que segue as leis do livre mercado.


 


O paradoxo interessantíssimo é que, alegando que o livro é contra o livre mercado e a favor do comunismo, Kamel propõe que o Grande Pai, o Estado, intervenha e proíba que o mercado se manifeste. Como os comunistas fariam.


 


Não conheço o livro. Li trechos selecionados pelo Kamel e trechos selecionados pela editora que editou o livro. Não tenho opinião formado.


 


Mas é gozado que, em nome do livre mercado, se proponha que o Estado proiba o funcionamento do mercado.


 


Comentário


 


Uma dica para vocês, sem juízo de valor: na ''Veja'' não sai nada, nem na revista, nem nos blogs, que não passe pela aprovação expressa da sua direção.


 


*publicado em 20 de setembro de 2007



Fonte: Blog do Luis Nassif


 


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