O caso dos nove chineses presos no Brasil após o golpe de 1964  

Livro O Caso dos nove chineses revisita o absurdo esquecido dos chineses presos pela ditadura militar do Brasil. Mas o relatório da Comissão Nacional da Verdade vai mencionar a injustiça cometida.

Por Bruna Gama
 

Os nove chineses presos em 1964
Em abril e 1964, poucos dias depois do golpe que derrubou o presidente João Goularty e instalou a ditadura militar no Brasil, nove cidadãos chineses legalmente residindo no país foram presos, acusado de ser espiões estrangeiros planejando começar uma revolução comunista no Brasil.
 
Os nove homens foram mantidos incomunicáveis por 39 dias até que o advogado Heraclito Fontoura Sobra Pinto, decidiu assumir seu caso pro bono. Eles permaneceram na prisão pelo resto do ano, sofrendo tortura e as terríveis condições do sistema prisional brasileiro, e foram eventualmente julgados e condenados a dez anos de prisão. Sobral Pinto recorreu das condenações.
 
Poucos meses depois, todos os nove homens foram expulsos do Brasil e enviados de volta para a China, onde eles foram recebidos como heróis. Negociações diplomáticas entre o Brasil e a China foram interrompidas e não seriam retomadas até 1974, quando os dois países estabeleceram laços diplomáticos.
 
O incidente marcou o primeiro escândalo internacional das violações de direitos humanos envolvendo a ditadura militar no Brasil, que durou mais de duas décadas. Mesmo após o estabelecimento de relações diplomáticas, o Brasil nunca pediu desculpas à China ou devolveu o dinheiro apreendido dos nove homens no momento de sua prisão – o que equivale a mais de 360 mil dólares de hoje.
 
A história dos nove cidadãos chineses injustamente encarcerados no Brasil permaneceu praticamente esquecida até agora, 50 anos depois, quando ele ganhou nova vida através das palavras dos jornalistas Ciça Guedes e Murilo Fiúza de Melo. Seu novo livro, O Caso dos Nove Chineses, foi publicado em 5 de agosto, no Rio de Janeiro.
 
Guedes e Melo disse que descobriram a história por acaso, no ano passado, enquanto trabalhavam em pesquisas relacionadas à China. Algum tempo depois, entrevistando o ex-embaixador chinês no Brasil Chen Duqing, o incidente veio à tona e os dois jornalistas decidiram que o caso merecia investigação mais profunda. Assim, o livro nasceu.
 
Os dois decidiram que a história precisava ser escrita, e começaram a trabalhar sem ter uma editora em vista. Toda o processo de escrita foi rápido, tendo apenas sete meses, disse Guedes. Mais tarde, eles conseguiram garantir um acordo com a Editora Objetiva, para publicar o livro este ano – o 50º aniversário do golpe militar (e das prisões) e o aniversário de 40 anos do estabelecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a China.
 
No momento das prisões, a China conseguiu angariar o apoio de vários países para a libertação dos prisioneiros chineses. Os nove acusados – dois jornalistas da Xinhua, quatro homens envolvidos na criação de uma feira de produtos chineses e de três comerciantes de algodão – tinham vindo para o Brasil como parte de uma missão comercial que se seguiu à visita do presidente João Goulart à China, em 1961. Em um frenesi de propaganda anti-comunista, as suas prisões foram utilizados para desacreditar Goulart, assim como suas políticas levaram à presença destes chineses no Brasil.
 
"A coisa mais impressionante para mim foi essa paranóia, que tornou nove homens inocentes em conspiradores terríveis que queriam transformar o Brasil em uma república comunista", disse Melo.
 
Com a pressão mundial sobre o caso aumentando, os militares brasileiros decidiram deportar os nove homens antes de julgar a apelação feita pelo advogado de defesa Sobral Pinto. Desde que o segundo julgamento nunca aconteceu, o dinheiro apreendido dos acusados nunca foi devolvido e sua inocência nunca foi estabelecida no tribunal. Embora a história tenha sido esquecido no Brasil, até agora, as coisas podem mudar.
 
A Comissão Nacional da Verdade – criada para investigar violações de direitos humanos cometidas pelo regime militar – está revendo o caso e vai incluí-lo em seu relatório final, que será apresentado à presidente Dilma Rousseff em dezembro. Isso pode resultar em ação oficial para resolver o caso – uma questão que, de acordo com Melo, sempre esteve em mãos de brasileiros. "A China nunca vai exigir nada do Brasil", disse ele. "O Brasil deve tomar a iniciativa de lidar com isso, para desculpa-se."
 
(*) Bruna Gama escreveu do Rio de Janeiro para o China Daily; tradução de Cezar Xavier

Fonte: portal Grabois