Menalton Braff : Cruz e Sousa, vítima do preconceito

O Simbolismo, no Brasil, não teve muitos representantes, tampouco durou muito, pois era uma estética marginalizada pelo oficialismo parnasianista. Exemplo disso foi o tratamento dispensado pelo governo a Olavo Bilac. Mesmo assim, pode-se dizer que Cruz e Sousa, um simbolista brasileiro, está entre os cinco maiores simbolistas da literatura universal.

Por Menalton Braff*, na Carta Capital

Cruz e Sousa - Wikimedia Commons

Essa é, pelo menos, a opinião de grande parte da crítica literária não só do Brasil como de outros países do mundo. Você sabia disso? Aposto que não.

O poeta era filho de escravos alforriados por seu proprietário, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa, um abolicionista avant la lettre, que acolheu o menino em lugar do filho que não teve, dando a ele o sobrenome e uma educação esmerada.

Adolescente, ainda, Cruz e Sousa, ou João da Cruz e Sousa, trabalhou em um jornal abolicionista na cidade de Desterro, hoje Florianópolis, sua terra natal. É um período em que sua referência poética foi Castro Alves: a poesia de luta. Com a morte do Marechal, o Dante Negro, como foi chamado pelo crítico José Veríssimo, começou a enfrentar a violência do preconceito racial. Nomeado promotor da conservadora cidade de Laguna, foi-lhe impugnada a nomeação por tratar-se de um negro. Não chegou a assumir o cargo.

Desgostoso de sua terra, vai tentar a vida no Rio, onde passa a colaborar em jornais, como o Cidade do Rio, do grande abolicionista que foi José do Patrocínio. Sobrevivendo de um emprego mal remunerado, na estrada de ferro, casa-se com Gavita, como ele, de origem africana, e com quem tem quatro filhos. Gavita, em meio às dificuldades econômicas e sociais da família, enlouquece e morrem-lhe três dos quatro filhos ainda crianças. Apenas um sobrevive aos pais, morrendo aos dezessete anos.

Atacado de tuberculose, doença que muitas vezes esteve vizinha da miséria, Cruz e Sousa refugia-se na cidade de Sítio (MG), onde o clima lhe parece mais favorável ao tratamento da enfermidade. Mas não resiste, e, com 36 anos de idade, vem a falecer.

Cruz e Sousa foi despachado para o Rio de Janeiro amarrado em um vagão para transporte de cavalos. Foi assim a última viagem daquele que viria a ser uma das glórias das letras nacionais. Não é o único caso de reconhecimento post-mortem, entre nós, que geralmente temos grande dificuldade para enxergar e entender o que está debaixo de nosso nariz. É preciso que o tempo providencie o distanciamento necessário ao entendimento?

Assim é o caso de Cruz e Sousa que, enquanto vivo, foi negro; depois de morto, virou gênio. E gênio não tem cor.

*É escritor e colunista da Carta Capital