Professora é alvo de ataques nas redes por ter blog feminista

Alvo de ataques na Internet, a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e blogueira Lola Aronovich, recebeu ameaças por sua defesa do feminismo. Em entrevista ao O povo Online, na última quarta-feira, 4, Lola conta já fez sete boletins de ocorrência e que nenhum gerou uma investigação. Na Polícia Federal, após recorrentes denúncias, ela foi informada que o órgão não apura este tipo de crime.

Escreva Lola - Reprodução

''Eles não sabem fazer outra coisa da vida'', opina a blogueira Lola Aronovich sobre os ''haters'' que ameaçam sua vida e disseminam, em sites falsos, seu endereço e telefone residencial. Há quase oito anos, ela divide seu tempo de professora de Literatura em Língua Inglesa na Universidade Federal do Ceará (UFC) com o blog “Escreva Lola Escreva”.

O blog, criado em janeiro de 2008, reúne opiniões sobre o que ela acredita ser o feminismo. Além da igualdade e liberdade sexual, a luta das mulheres hoje passa por temas espinhosos como a descriminalização do aborto e o fim da violência física e simbólica. No percurso, Lola e outras feministas se deparam com reações contrárias, também, do público feminino.

Na mais recente difamação virtual, um site que pregava discurso de ódio contra homens brancos e oferecia abortivo foi criado em nome de Lola. A professora acabou sendo procurada pela corregedoria da universidade para dar explicações.

A professora comemora o debate gerado pelo tema da última redação do Enem, mas constata: "Com toda ação, vem a reação. Sempre que o feminismo avança um pouquinho vem uma reação gigantesca, e eu não acho que é coincidência".

Confira a seguir a entrevista


O Povo on Line: Você fez um Boletim de Ocorrência (B.O.) no início do mês e só agora a página fake ''Lola escreva Lola'' foi tirada do ar. Por que a demora?


Lola Aronovich:
O site foi criado no início de outubro, e em menos de uma semana fiz o B.O. A página desapareceu durante alguns dias, mas não acontece nada, nada foi feito. Tem um ''hater'' horrível que me persegue, ele já foi preso por machismo e misoginia quando morava em Brasília. Nessa época, as ameaças caíram bastante, mas quando o Marcelo [a professora se refere a Marcelo Valle Silveira Mello, preso pela Polícia Federal por disseminar preconceito de raça, fazer ameaças em um site e incitar a prática de crime] e outro foram soltos, em maio de 2013, os ataques voltaram piores ainda. Eles não sabem fazer outra coisa da vida. Lançou vários sites de ódio, com guias sobre ''como estuprar vadias na universidade''. Eles criam sites falsos pra viralizar e chamar muita atenção. Para ''fazer o esquerdalho entrar em hate (ódio) para gerar luz (risadas)''. Mas não tem nada de humor, essas pessoas realmente têm uma vida miserável.

OP: Quantos B.O.s você fez desde a criação do blog? Adiantou alguma coisa?

LA: Não acontece nada, B.O. em si não é nada, eu já fiz sete. O primeiro foi em 2012, mas no fim de 2014 comecei a receber, inclusive, telefonemas aqui em casa. Eles mesmos colocam o número na Internet. ''Vamos a sua casa, sabemos seu endereço, vamos abater o porco, sua filha da puta''. E várias outras ameaças, então fiz outro boletim, mas não adianta muito se você não conseguir que o MP [Ministério Público] entre. Mando constantemente denúncias para PF, e a primeira vez que responderam foi em março deste ano. Foi muito legal, dizia que estavam a par do meu caso, mas não aconteceu mais nada. No final de setembro, recebi um e-mail da PF que me arrasou, de um superintendente da PF, e ele falou que a pessoa que me mandou e-mail antes não estava bem informada, porque eles não investigam isso. Falou que investigam crimes em que o Brasil é signatário de direitos humanos, como por exemplo, racismo e pornografia infantil. Mas, para isso, o crime tem que ter acontecido em outro lugar no principio de transnacionalidade, mas se o site está hospedado em outro país não constitui. Eu acho que o site do Marcelo é hospedado na Malásia.

OP: Você teme pela sua integridade? Já sofreu alguma agressão física?

LA: Não, ainda bem. Mas eu acho que na Internet tem muitos valentões. É claro que fico preocupada quando um anônimo diz que foi falar comigo em uma palestra, me abraçou e que eu fui muito simpática. E ele ainda diz que, ''talvez, se ela soubesse quem em sou e o que eu defendo não fosse tão simpática''. Talvez ? [risos]. Você começa a temer mais quando ameaçam pessoas que você ama. Quando começaram a ameaçar o meu marido e minha mãe de 80 anos, no final do ano passado, aí sim eu tive receio. E é terrível, pessoas que não têm nada a ver com a história, o único pecado que eles cometeram foi amar a gerar uma feminista.


OP: Mas você tomou alguma medida de segurança?

LA: O meu endereço não é público, eles divulgam sempre que podem, e eu trabalho em um lugar público. No começo, alguns professores e alunos que ficaram sabendo disso temiam. Um dia eu tava na sala, o pessoal tava esperando embaixo e ficou apavorado achando que eu tinha sido vitima de algum atentado. Mas nem sei quais medidas de segurança seriam essas. Escolta? Eu não queria viver assim. Agora, claro, eles capricham nas ameaças. Colocaram R$ 5 mil no Pay Pal para quem me derrubar no meio da rua, montar em mim como se eu fosse um touro de rodeio, filmar e colocar na Internet.

OP: Você escreveu que pensa em acabar com seu blog. Vai fazer isso?

LA: Em oito anos você pensa nisso pelo menos uma vez no ano. Já quis várias vezes sair e parar de me preocupar com a Internet. Ontem [terça-feira, 3] foi um dia muito ruim, recebi telefonemas de homens estranhos que me conheceram por um blog de ódio. Eles não foram hostis, mas acho bem invasivo você ligar pra casa de uma pessoa. Já acho um grande insulto uma pessoa ver um blog daqueles, tão mal escrito, tão cheio de ódio, com fotos horríveis, e achar que era meu.

Um dos posts que mais viralizou era o que dizia que ''se for menino, aborte, se nascer, mate-o''. Era uma feminista pregando infanticídio e aborto de fetos masculinos. Não existe isso, pelo menos essa pessoa não sou eu. Aí colocaram a imagem do menino sírio na praia. Por que alguém em sã consciência colocaria essa imagem? Me abate muito que pessoas que nunca tenham ouvido falar do meu blog tenham ideias tão erradas do que é ser feminista . O pior é ver pessoas que te conhecem, que até acompanhem e pensem ''é dela''.

O [Danilo] Gentili já pegou uma montagem de uma foto que eu tava com uma feminista, que dizia revolução, algo assim. E mudou pra ''por favor, não nos assediem''. Só pra levantar a bola pros outros fazerem piadas como ''quem vai assediar esses monstros, elas não merecem ser estupradas''. O ''você merece ser estuprada'' vem sempre junto do ''você não merece ser estuprada''. A mesma pessoa geralmente fala as duas coisas.

OP: Você acha que ameaças contra mulheres e contra feministas têm sido apuradas suficientemente?

LA: Só quando tem muita repercussão. A Nana Queiroz, que lançou o ''não mereço ser estuprada'', fez sucesso, foi pra Fátima Bernandes. Ela recebeu umas 500 ameaças, de estupro, de morte. A Polícia até investigou e chegou a três ou quatro suspeitos. Eles prestaram depoimento e disseram: ''ah era só brincadeira'', ''essas feministas não têm senso de humor''.

OP: A redação do Enem este ano colocou a violência contra a mulher em evidência. Você acha que tem gerado o bom debate?

LA: Sem dúvida, a prova do Enem foi um marco. É fantástico que você coloque um tema como esse, fazer uns 7 milhões de jovens refletirem sobre o assunto. É muita gente, gerou toda uma discussão, também com a questão da Simone [a intelectual francesa Simone de Beauvoir]. Com toda ação, vem a reação. Sempre que o feminismo avança um pouquinho vem uma reação gigantesca, e eu não acho que é coincidência. Quer dizer, muito rapidamente estavam espalhando todas as mentiras que podiam sobre Simone, chamando ela de pedófila e de nazista. Traduziram um site americano escrito por antifeministas e espalharam pra páginas evangélicas, cristãs, católicas. Eu escrevi um post e tive que pesquisar bastante, porque a vida pessoal dela não era minha especialidade [risos].

O
P: Não são ataques pessoais?

LA: Isso não é pessoal, é pra todas as feministas. Eu sou visada por causa do blog, e muitas outras preferem ignorar os masculinistas [termo cunhado pela professora para se referir aos misóginos]. Eu coloco o que eles escrevem, porque não dá pra silenciar. Como alguém pode passar a vida toda chamando mulheres de ''depósito de porra, merdalheres, bostalheres''?. Os machistas tradicionais acham que nenhuma mulher presta, exceto as mães. Esses masculinistas não, para eles nenhuma mulher presta, ponto.

OP: Para você, o que é feminismo?

LA: Aquele que defende a igualdade de gênero, combate as opressões, que vê que tem muitas semelhanças entre os ataques que as mulheres sofrem com os que os negros sofrem, homossexuais e trans. Eu acredito no que a Bell Hooks [escritora e feminista negra norte-americana] disse, ''feminismo é para todo mundo''. Não pode ser apenas uma luta contra a misoginia, tem que ser uma luta contra todas as opressões. Não dá pra você ser feminista e ser racista ou ser transfóbica.

OP: Você já foi atacada por mulheres feministas?

LA: Sim, falando que ''toda mulher tem que ser lésbica'', que ''se relacionar com um homem é se oprimir'', que se você gosta de homens "você só quer biscoito do patriarcado’’, ''tem síndrome de Estolcomo'', pois admira seu sequestrador. Se eu coloco um foto com meu marido, elas falam que estou erotizando minha própria opressão. Eu sou inclusiva, eu defendo a presença de homens que se digam e sejam feministas. Eu amo homens, não gosto de misóginos, mas não acho que todos os homens são misóginos. Eu acho que o feminismo tem que atingir os homens, mudar esse conceito de masculinidade, porque só você falar pro seu grupinho não vai mudar nada. Você tem que mudar a sociedade inteira, isso inclui os homens. Há grupos feministas radicais que se aparentam com ''mascus’’ [masculinistas], de querer segregação total. Eu não quero viver nesse mundo, quero viver em um mundo de paz, onde todos possam se dar bem.

OP: Como convive com os ataques de ambos os lados?

LA: Alguma radicais já ameaçaram me bater, mas matar, não. Elas não divulgam meu endereço. Xingam, inventam coisas sobre mim, mas é outro nível. Ainda assim, pro Roger [cantor do Utraje a Rigor], pro Olavo [de Carvalho], não existe diferença entre feministas. Por isso o silêncio dos coletivos feministas me doeu [com o caso do site falso]. Essas feministas [que me atacam] parecem não saber, por mais que elas estejam caladas, eles [misóginos] acham a mesma coisa delas.

OP: O que você acha que precisa mudar para a violência contra a mulher acabar?

LA: É preciso uma mudança cultural, só punir não resolve, o que resolve mais do que mandar pra cadeia é forçar os agressores a participarem de terapias. Para que eles entendem como foram criados e por que só sabem resolver conflitos com violência física. Lógico que tem que ter a punição, mas além da punição, a terapia.

No caso da Valentina [participante do reality MasterChef Júnior], muita gente ficou chocada e tipo ''sério que tem homens falando grosserias para uma menina de 10 anos?''. Mas com a #PrimeiroAssédio a gente vê que sim. Eu não gosto de dizer ''se fosse sua filha'', porque todas as mulheres têm que ser respeitadas, mas se isso servir alguma coisa eu até aceito. Pensem então, e se fosse sua filha, você gostaria?

OP: O que mudou na sua vida com o blog?

LA: Eu recebo muitos relatos que me deixam muito felizes, de mulheres e homens que hoje são diferentes. O legal de ter um blog duradouro é que tem muita gente que você acompanha e vê crescer. Pessoas avançando com uma cabeça diferente, querendo mudar o mundo, é muito gratificante. Eu continuo por causa desses relatos. Eu faço palestras sem receber, não recebo nada com o blog, mas o que move é saber eu estou dando uma contribuição minúscula ao mundo.

O que é difícil é ver um blog de ódio repercutir mais do que o meu de oito anos, que não prega mal a ninguém. Eu não quero o mal de ninguém, eu até disse: “por favor, encontrem no blog alguma vez que eu disse que todos os homens são estupradores”. Eu defendo os direitos humanos, a Internet não pode ser essa terra de ninguém, em que podem ameaçar e falsificar coisas livremente.