Reflexos da crise imperialista e seu enfrentamento em debate no FSM

Tema onipresente nas discussões da esquerda mundial, o imperialismo, sua crise e a ameaça que esta situação representa aos povos no que tange à produção de guerras e agressões foi tema de mesa do Fórum Social Mundial Temático em Porto Alegre realizada nesta sexta, 22/01.

forum social mundial internacional

Diego Pautasso, professor de Relações Internacionais da Unisinos, abordou algumas encruzilhadas que estão colocadas para a luta dos povos em nível global. Além da crise econômica mundial e seus reflexos, o professor destacou a a ofensiva neoconservadora na América Latina.

Se nos anos 1990 o neoliberalismo foi a tônica no continente, a década de 2000, explicou, "permitiu o renascimento e fortalecimento dos projetos populares de centro-esquerda, vários governos progressistas se estabeleceram e isso garantiu um processo de integração latino-americana com o Mercosul, a Celac e a Unasul. No entanto, o que estamos assistindo hoje é uma ofensiva conservadora que está colocando em risco boa parte dessas conquistas logradas na última década”.

O Brasil esta onda se traduziu com mais força nos últimos anos. “Foi uma investida de grandes proporções, o que causou paralisia política e decisória e efeitos negativos para a economia nacional, inserida num quadro de depressão da economia mundial”.

A redução no preço do petróleo foi apontado pelo professor como outra encruzilhada. “Essa redução, segundo muitos, foi conduzida pela iniciativa saudita de expandir a produção num contexto em que a economia mundial está em recessão e que outros produtores passaram a ofertar quantidade maior de petróleo, notadamente o Irã e o Brasil”.

Para ele, esta questão é relevante porque atinge alguns países produtores e exportadores do petróleo, sobretudo Rússia, Venezuela, Brasil e Irã, atingindo diretamente a produção de petróleo brasileiro, devido ao alto custo do pré-sal. “Com isso, uma série de investimentos em infraestrutura e construção naval são interrompidos com efeito sobre o emprego e sobre a economia já afetada pela paralisia política fruto do golpismo e de uma operação de natureza jurídica e política que é a Lava Jato”. Ele lembrou que quase 50% dos empregos perdidos no último ano estão ligados a este quadro da construção civil, por sua vez diretamente relacionada às empreiteiras implicadas na Lava Jato.

Uma última encruzilhada apontada por Pautasso é o fato de que a economia internacional está cada vez mais com o seu foco na China e Bacia do Pacífico. “Isso diz respeito à América Latina porque o epicentro se desloca para uma região relativamente distante de nossas ambições geopolíticas e econômicas, para o bem e para o mal, do ponto de vista de conflagrações e de nossa inserção nesse cenário internacional”, explicou.

Segundo ele, passa a existir uma nova arquitetura geo-econômica que representa um desafio ao sistema fundado com Breton Woods. Ele se refere especificamente ao Banco Mundial, ao FMI e ao dólar. “Os países emergentes viram que não conseguiam a reforma dessa estrutura, não tinham espaço nessas organizações e passaram a construir uma nova arquitetura nitidamente liderada pela China a partir de duas iniciativas importantes: a criação do banco dos Brics e do Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura”.

Tais fatores mudam a configuração global uma vez que até então a primazia era dos organismos criados a partir de Breton Woods. Além disso, destacou o professor, "temos visto nos últimos anos, uma China cada vez mais assertiva e disposta a disputar com os EUA o tabuleiro de xadrez internacional. Exemplo disso é a nova rota da seda, ou seja, a integração de toda a Eurasia centrada através de grandes projetos de infraestrutura”. A China, portanto, passa a liderar o processo de liderança regional “não através do emprego da força, mas através do desenvolvimento”.

Estes aspectos colocam, segundo Pautasso, desafios importantes para as forças de esquerda e progressistas. “É preciso entender que há uma nova geografia econômica surgindo que vai remodelar os mercados, as forças políticas e os processos de integração”, disse. “Sem isso, vamos perder eficácia na nossa reflexão e luta política”, concluiu.

Guerra ao terror

A Presidenta do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, deu continuidade à análise destacando que a gravidade do atual cenário internacional pode ser demonstrada pelo “ressurgimento de forças nazistas e dos assassinatos em massa”. Ela lembrou que a “guerra ao terror”, propalada pelos Estados Unidos é, na verdade, uma guerra contra a humanidade. “Todos os mares e oceanos são vigiados pelos EUA, que contam ainda com a maior máquina de morte em suas mãos e nas mãos das potências europeias via Otan”.

Essa “guerra ao terror”, “trouxe, desde 2001, apenas sofrimento para os povos. Iraque, Líbia, Afeganistão foram destruídos, a Palestina vive há décadas num verdadeiro suplício e a Síria vive há cinco anos sob ameaças e constante destruição”, constatou.

Socorro lembrou que uma das consequências do avanço dessas agressões são as grandes migrações que têm ocorrido. “Tornaram-se povos sem chão. Esta é a face da barbárie”, enfatizou.

Para Socorro, os desafios colocados para as forças democráticas e de esquerda em todo o mundo é unir forças para "impedir uma nova guerra ampliada, mundial, e romper com o neocolonialismo”.

Sono da razão

José Reinaldo Carvalho, secretário de Relações Internacionais do PCdoB, iniciou sua fala traçando um paralelo entre o que diz obra de Goya — “o sono da razão produz monstros” — e o papel dos grandes meios de comunicação. "A mídia não é apenas uma usina de mentiras, mas fabricante de opinião favorável à guerra. A serviço do imperialismo, parece que tentou adormecer a razão da humanidade com falsos contos".

Ele citou como exemplos a Guerra da Bósnia e do Kosovo e, mais tarde, o Iraque. "Fabricaram uma opinião pública contrária a Saddam Hussein sustentando que detinha armas de destruição em massa e que, por isso, era uma ameaça à segurança de todos”. Após os ataques às torres gêmeas, Bush proclamou a guerra permanente contra o terror. “E agora querem novamente adormecer nossa razão propagandeando que a ameaça é a suposta bomba norte-coreana. Portanto, o imperialismo sempre age na base da força”, disse.

Para Carvalho, “a base de tudo isso é a crise inarredável do capitalismo. Para evitar perdas, o sistema descarrega a crise sobre os povos que lutam por sua autonomia e sobre os trabalhadores dos países capitalistas. E isso diz respeito a questões concretas que incidem na vida de todos”.

O dirigente destacou que essa forma de atuação do imperialismo, baseada na máquina de guerra, afeta diretamente o sistema multilateral e o direito internacional surgido após a Segunda Guerra Mundial. "Temos visto a degradação deste sistema, a substituição da diplomacia pela guerra. O mundo vive momentos de transição, cujos fatores são o declínio do imperialismo estadunidense e a emergência de novos atores como China, Russia, Brasil, África e América Latina. Por isso a ofensiva brutal para barrar esse movimento surgido no continente a partir de 1998”. Ele finalizou sua apresentação ressaltando que “temos de nos unir e fortalecer nossas relações para essa nova fase de enfrentamento”.

O debate também teve a presença do palestino Salah Salah, um dos fundadores da Frente Popular Palestina e membro do conselho executivo da OLP, que fez um breve relato da situação no mundo árabe. A mediação do evento foi feito por Edson França, da Unegro.

De Porto Alegre, Priscila Lobregatte, especial para o portal Vemelho