Ocupa Minc completa 100 dias com atividades culturais e debates

Esta semana o movimento Ocupa Minc comemora 100 dias ocupação no espaço do antigo Canecão, em Botafogo, no Rio de Janeiro. A programação vai trazer além de debates e atividades culturais um debate com candidatos a vereador para as eleições municipais na capital fluminense nesta quarta-feira (24). Confira a programação.

Chico Buarque

Em uma de suas primeiras ações o governo golpista de Michel Temer extinguiu o ministério da Cultura. E foi sob a pressão da Ocupação no Palácio Capanema, sede da Funarte e do ministério da Cultura do Rio, e toda a repercussão negativa que tal arbitrariedade gerou que fez o interino voltar atrás.

A partir disso prédio histórico no Centro do Rio de Janeiro se transformou em exemplo da resistência, um QG permanente dos protestos contra o governo ilegítimo.

Charles Queiroz, morador de Belford Roxo na região metropolitana da capital, estudante de artes plásticas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Cuca da UNE, conta que no dia 16 de maio viu pela internet a movimentação tomar conta do MinC. Depois recebeu o convite de amigos e não exitou em ir pra lá. “Participei desde a primeira plenária para falar sobre o espaço e to aqui, acabei abandonando o período na universidade porque acho importante o que está acontecendo”.

E afirma: “Aqui está muito claro as pautas para cultura que a gente quer, teatro, hip hop, cinema, samba, reggae, produzindo as mais diferentes formas”.

Canecão

Depois de dois meses de ocupação no Palácio Gustavo Capanema os manifestantes foram retirados no dia 25 de julho. A Polícia Federal desocupou o edifício a mando da Justiça, acionada pelo MinC.

Charles conta que depois de dois dias na rua, produtores culturais, estudantes, e diversos coletivos que resistiram procuraram a reitoria da UFRJ para negociar a ocupação a casa de shows mais famosa do Rio de Janeiro até a década de 90, o Canecão.


Charles Queiroz, estudante de artes plásticas da UFRJ

Em 88 foi lá que Cazuza, para citar apenas um dos artistas que marcou o endereço, fez a inesquecível turnê no seu show Ideologia. 28 anos depois nossos heróis não morreram de overdose, mas nossos inimigos estão no poder.

A casa e o espaço, um terreno de 36 mil metros quadrados pertence a Faculdade da Belas Artes da UFRJ e estava fechada há 10 anos. Foi sob a promessa de revitalização e usufruto que os manifestantes conseguiram o novo lar da ocupação.


Canecão pertence a Faculdade de Belas Artes da UFRJ e estava fechado há 10 anos

O Canecão voltou a ser propriedade da universidade depois de 39 anos de disputa judicial em 10 de maio de 2010 com a promessa do reitor Aloísio Teixeira em transformar o Canecão em um espaço cultural. Apesar disso, o prédio está fechado.

A ocupação fez um mutirão e teve muito trabalho para transformar em habitável o local. Retiraram muito entulho, sujeira e lixo.

“Assumimos o risco e nunca deu nada errado. Isso aqui não é uma ocupação de moradia, é uma artística e política, é uma ocupação que quer tirar um presidente que deu um golpe, tirou a cultura e não resolve, só piora e piora. E vemos piorar outras relações que não só da cultura no dia a dia e isso vai dando mais força para ficarmos”, destaca Charles.

Força de mudança 

Fixas, desde o início, são cerca de cem pessoas entre estudantes, artistas, produtores que se auto-organizam e se dividem na segurança, infraestrutura, limpeza, comunicação, arrumação de palco. Toda noite uma atividade cultural diferente atrai mais centenas de pessoas. Todas as decisões e a organização é feita de forma horizontal, o que tem dado muito certo, apesar da pluralidade de pensamento político que circula no local.

Fernando dos Santos de Oliveira, artesão, artista plástico, escritor, poeta se assume anarquista. Para ele a ocupação é a materialização de um sonho. “ Faz parte de alguns dos desejos que eu já tinha de construção coletiva, uma experiência única de muito aprendizado. Aqui dentro a contagem dos dias é diferente, um dia vale uma semana, são processos de aprendizagens muito intensos”, destaca. E afirma: “a convivência é harmônica, tranquila e orgânica. Todos somos líderes. Estamos levantando a bandeira do bem estar comum”.

Na sexta (19) a tarde, um dia tranquilo na ocupação acontecia um ensaio de teatro, oficinas com o coletivo de Permacultura PermaMinC, a exibição do filme Aldeia Maracanã, e uma apresentação indígena. Teve rapé, pintura corporal, uma roda de conversa debateu a situação dos indígenas no contexto urbano, a Ocupa Funai e a violenta desocupação do Museu do Índio em Botafogo.


Indígenas propõe atividades e fazem parte da programação

A terapeuta Ayurvética, Adriana Tiúba, trabalha com agriecologia urbana, uma série de práticas de sustentabilidade, e chegou ao #OcupaMinc no 5º dia de acampamento. Firmado o coletivo PermaMinc, eles propõe atividades no dia como soluções para o plantio no meio urbano, com uma horta vertical que pode ser feita em espaços pequenos com canos de PVCs, e ainda a separação do lixo orgânico, uma farmácia viva na horta e produção de suco vivo.


Atividades da PermaMinC

“Sempre acreditei em ocupações e vi o que estava acontecendo no #OcupaMinc era uma brecha no sistema para agriecologia urbana e a permacultura se linkarem com a política do dia a dia, nossa política. Colocarmos toda a responsabilidade numa presidenta é muito complicado, como a gente assume nossa parte nisso, de forma mais local, como eu movo meu bairro para uma cultura permanente, pensando num futuro, nas nossas crianças, porque o jeito que estamos fazendo não é sustentável”, destaca.

Para Charles, a proposta de ocupação do espaço público está sendo muito bem sucedida.

“Abrimos o Canecão, trouxemos várias pessoas que não teriam oportunidade de chegar nesse espaço. Eu nunca tive oportunidade de entrar nesse lugar, é muito longe da minha casa, caro, é outro padrão de vida , nunca tive a menor perspectiva de chegar aqui. Hoje estou morando aqui e criando evento aqui, o que é o mais legal, fazendo o evento acontecer, sendo um dos produtores”, destaca.

No último 04 de agosto, subiu ao palco histórico, ninguém menos que Chico Buarque. Lá não por acaso ele puxou em coro “Apesar de você”, um hino da esperança que ele não cantava desde 1970 quando a falta de democracia baniu seu disco.

Plural, a programação tem também portas abertas para o presente.

A Roda Cultural de Botafogo, rap que atrai “muita mulecada, de 13 até os 40 anos, galera que tá na efervescência da adolescência”, segundo Charles, fez sucesso no dia 16 de Agosto, com quase 3 mil pessoas e trouxe a experiência de dialogar política com essa juventude.

Charles conta também que depois que a ocupação saiu do Capanema já existe um projeto para que o prédio funcione da forma que o #OcupaMinC fez ele funcionar com programação cultural todo dia e aberto à população no fim de semana. “Vimos que temos uma força de mudança mesmo”. Durante a ocupação lá, uma verdadeira maratona cultural chegou a atrair 7 mil pessoas no endereço que é um verdade tesouro arquitetônico do modernismo brasileiro, um projeto do arquiteto Lucio Costa com painéis de Cândido Portinari.

100 dias de ocupação 

Nesta semana a programação será cheia. Yoga, teatro, música, dança, filmes, e claro muito debate.

O Vereadores em Debate acontece nesta quarta- feira (24) a partir das 18h e vai trazer 12 candidatos ao pleito de 2016, entre eles o ex-presidente da UNE, Mitã Chalfun.

“Reconhecemos que daríamos uma ampliada na nossa pauta quando viemos para o Canecão, então automaticamente transversalizamos a pauta da cultura com a da educação engrossando as fileiras da defesa da universidade pública e aqui também tem toda uma questão de enfrentamento ao capital e aos interesses por trás da especulação imobiliária, isso aqui é uma ocupação em um dos metros quadrados mais caros do mundo, num prédio sempre muito cobiçado”, destaca Felipe Altenfelder do Coletivo Fora do Eixo.

Ele explica que o #OcupaMinC já realizou duas plenárias estabelecendo um diálogo com a reitoria da UFRJ e também junto com alguns professores.

“Dia 29 tem a volta as aulas e entendemos que empoderar os estudantes disso aqui, ainda não é um consenso da ocupação, mas uma reflexão que tem surgido, em determinado momento sabemos que teremos que encerrar o ciclo aqui e deixar um legado e passar a bola. Sabendo que cumprimos grandiosamente a nossa missão e que a Cultura foi o setor que se manteve mobilizado no dia a dia com capacidade de mobilização de gente através da arte. Então fizemos tudo que estava ao nosso alcance, marcamos posição histórica e estamos precisando agora utilizar da força do aprendizado daqui para outras agendas como a das eleições”, destaca.