Mudança no ensino médio tem apenas efeito midiático, diz Castioni

O anúncio de mudança do ensino médio feito pelo governo ilegítimo de Michel Temer tem apenas efeito midiático. E a apresentação da proposta por meio de Medida Provisória enviada ao Congresso demonstra o caráter autoritário do governo golpista. O professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Remi Castioni, explica a avaliação que é feita por especialistas como ele e compartilhada por parlamentares da oposição. 

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“Tem mais efeitos midiáticos, porque estamos em pleno andamento do calendário acadêmico, as mudanças só podem ser feitas no ano que vem, o que não será feito, porque o principal instrumento que remete à mudança curricular é a Base Nacional Curricular, que não está pronto. O principal ingrediente da mudança não está pronto, o que demonstra o açodamento do governo de mandar essa medida”, avalia o educador.

Castioni destaca ainda que “não tem nada de novo esse diagnóstico do ensino médio. O assunto é recorrente nos últimos 10 anos. Já é a terceira tentativa de mudar o ensino médio nos últimos 20 anos. A primeira tentativa, inclusive, é do mesmo grupo que está tentando agora.” E acrescenta que “o governo deveria aproveitar esse momento para aprofundar a discussão sobre a BNC para ser aprovado pelo Conselho Nacional de Educação.”

O professor, que acompanha o debate sobre as mudanças no ensino médio, afirma ainda que 90% da MP reproduz o conteúdo do projeto de lei, de autoria do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que tramita na Câmara dos Deputados. Os 10% de “novidade” apresentado na proposta de Temer é alvo de críticas.

As críticas vão desde a falta de estrutura física da rede estadual de ensino para implementar as mudanças sugeridas até a criação de conteúdo profissionalizante que fere a legislação vigente, destaca Castioni. Ele lembra ainda que para serem implementadas as mudanças sugeridas, é preciso que seja aprovada o Base Nacional Curricular (BNC), que ainda está em discussão no Conselho Nacional de Educação.

Compra de serviço educacional

No bojo da MP, ele destaca como grande problema a redução à metade as disciplinas obrigatórias e criam um leque muito grande de disciplinas optativas. Segundo Castioni, a estrutura da rede estadual do ensino – responsável pela oferta do ensino médio, não tem condições, hoje, de oferecer nem o conteúdo obrigatório, quando mais o currículo flexível.

“A flexibilização de 50% do conteúdo é muito ampla para uma rede estadual de ensino que não está pronta para receber essas mudanças. Pelas opções, abre-se leque para compra de serviços educacionais e não é a toa que as ações mais valorizadas (após o anúncio da MP) foram os grupos educacionais”, enfatiza Castioni.

Ele explica que a educação é função pública, mas não estatal, portanto os governos estaduais podem oferecer serviços educacionais por meio das Organizações Sociais (OS) ou outras instituições, o que representa uma espécie de privatização do serviço público.

Ele também citou como aspecto questionável o item da MP que estabelece a inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou ambiente de simulação porque, segundo ele, a lei de aprendizagem que não está sob responsabilidade do Ministério da Educação, mas do Ministério do Trabalho, que acompanha apenas o cumprimento das cotas e não os aspectos da aprendizagem.

“Esse é um aspecto importante, mas não temos tradição no acompanhamento dessa aprendizagem, o que requer mudanças na legislação e na responsabilidade”, destaca Castioni, alertando para o risco de que a experiência prática seja apenas mais uma lei que não será cumprida ou cumprida sem produzir os efeitos desejados. Ele diz que a experiência prática só terá efetividade se houver acompanhamento por parte das escolas.

Empobrecimento

Sobre a exclusão das disciplinas de filosofia, sociologia, artes e educação física do currículo do ensino médio, Castioni avalia como um “empobrecimento”, porque, segundo ele, essas disciplinas poderiam ser trabalhadas em complemento aos conteúdos meramente conteudistas, citando o exemplo das artes para estudar matemática, geometria etc. E destaca que essas disciplinas livrariam os estudantes “das áreas maçantes” do ensino.

E, ao encerrar a entrevista, o professor Castioni lembra ainda outra proposta da MP que gera muito polêmica, que é a possibilidade das escolas contratarem professores por “notório saber”. Ele destaca que os professores devem ser contratados por concurso público, questionando como esses concursos mediriam o “notório saber” que precisaria ser definido. E levantou ainda a questão sobre como um professor de “notório saber” conduziria uma sala de aula.