Círio, teu nome é Belém. Belém, teu nome é Círio

Sem Círio da Virgem, sem cheiro cheiroso 
Sem a chuva das duas que não pode faltar 
Murmuro saudades de noite abanando 
Teu leque de estrelas, Belém do Pará! 

(Bom dia, Belém!, de Edyr Proença e Adalcinda Camarão)

Mercado do Ver o Peso - Wilson Dias/Agência Brasil
Volto a Belém como quem volta pra casa, sempre com mais amor, e ainda com paixão. A semente plantada na foz do Rio Pará, no Forte do Presépio, deu na samaumeira frondosa que espreita a Baía do Guajará, com seus túneis de mangueiras, seus cheiros e sabores tão caboclos. Belém é a grande capital desse espírito paraense, tão amazônico em sua inserção na realidade maior dessa região para a qual o Brasil virou as costas, e ao mesmo tempo tão distinto e singular no seu falar, no vestir, no comer, no cantar, no entregar-se.
 
Neste domingo, Belém celebra o Círio da Virgem de Nazaré, considerada uma das maiores festas religiosas de todo o mundo. Mas para o belemense é muito, muito mais que a procissão e a Santa. É uma renovação dos laços de pertencimento, dos reconhecimentos, dos simbolismos. Atualiza-se todos os anos, no segundo domingo de outubro, o mito fundador da cidade; e, com ele, a essência do “ser paraense”, com seus gostos, cheiros, sons, danças, crenças, procederes. Por isso é dia de se voltar pra Belém, de se voltar pra casa; senão efetivamente – porque é a grande ocasião de se reunir a família e os amigos – ao menos cantando, celebrando, comendo e bebendo à moda de casa; subtraindo das distâncias físicas, não importa o quão grandes sejam, o estatuto de distâncias reais.
 
É por isso que nesse domingo vai dar vontade de passar o dia falando de Belém. De comprar bombom de cupuaçu na Presidente Vargas, tomar chope na Estação das Docas e cachaça no Ver-o-Peso. De cuia. Vagabundear por Nazaré e pelo Umarizal, tomar cerveja na Praça Brasil. E acabar a tarde na Batista Campos, tomando tacacá. Queria tomar Cerpinha no Trapiche (do lado de lá…), comer caranguejo no Dedé e sorvete na Cairu da José Malcher. Queria cerveja quente do Bar do Parque, sair no Xiri Relampiando e me embriagar pras bandas do Jurunas. Esticar pra ouvir um choro no Gilson e acabar a noite no Lapinha ou no Locó! 
 
Queria falar de Waldemar Henrique, da Fafá e do Pinduca, Verequete e Mestre Lucindo. Da Andréa Pinheiro e do Nego Nelson, Pardal, Salomão Habib; Alfredo Reis e Alfredo Oliveira, Pedrinho Callado e Pedrinho Cavallero, Chico Sena, Marcos Quinan e Lucinha Bastos. Queria comprar livro na Jinkings e ficar lendo o Paranatinga, Max Martins e Paes Loureiro. Para ler como quem anda nas ruas…
 
Hoje eu queria, no quintal de D. Francisca e de "Seo" Lages, pra comer um peixe assado de brasa e um belo vatapá, a minha família e os meus amigos. Queria a Iara, a Railídia, a Tchê, o Derny e o Mascarenhas, a Raimundinha e os meninos, a Tia Neusa, a Tia Conceição e a primaiada toda, a Lúcia e a Luana. O Tio Tiago, a Vovó Anésia e o Zé Lages. Queria a Dani Sá, a Ângela Nely, a Dani Damaso e o Edson Coelho; o Mapyu, o Olivar e o Iuri. O Nilson e o Vital.
 
Se São Paulo foi mãe e a Cidade Maravilhosa a amante fogosa, Belém é a mulher em cujos braços quero me abandonar, viver, ser feliz. E morrer.

Por Velho Moço