A batalha do Rio: servidores declaram guerra ao pacote de austeridade

Centro da capital vive cinco horas de conflito em nova manifestação de servidores contra cortes.

Por María Martin, do El Pais

Confronto servidores x pm RJ - Foto: Yasuyoshi Chiaba/ AFP

Por cerca de cinco horas o coração do Rio de Janeiro virou de novo, nesta terça-feira, um campo de batalha. De um lado, policiais fardados protegiam com bombas de gás lacrimogêneo, cavalaria e blindados a Assembleia Legislativa (Alerj), onde deve ser aprovado um pacote de medidas com cortes de gastos que afetará o salário dos servidores públicos. Do outro, os servidores públicos: policiais civis, militares, agentes de saúde, professores, estudantes e funcionários do Tribunal de Justiça resistindo ao embate, alguns com pedras, rojões e barricadas, outros apenas com máscaras e camisetas no rosto para se proteger.

Não era a primeira vez que policiais reprimiam os protestos dos próprios colegas de farda – no último dia 16, depois de um grupo de manifestantes derrubar a grade que protege a Alerj, a PM respondeu com uma chuva de bombas –, mas dessas vez muitos dos servidores, com seus salários atrasados e ameaçados, se mantiveram na rua, apesar do ar ficar por vezes irrespirável e de ser alto o risco de ser atingido pelo impacto de bombas de gás. O conflito, que começou por volta das 13 horas, estendeu-se até o fim do expediente, num bairro com altíssima concentração de escritórios, e impediu centenas de trabalhadores, muitos em pânico, de voltarem para as suas casas.

Tentando se proteger em uma coluna de mármore do avanço da Tropa de Choque, uma policial civil à paisana resgatava do bolso sua camisa cinza da corporação para proteger o rosto do ardor da fumaça. “Seguro aqui por dignidade. Porque o Estado do Rio não está dando condição nenhuma de manter nossas famílias com dignidade atrasando salários e parcelando o décimo terceiro”, explica ela, que trabalha em uma das delegacias de homicídios que mais mortes registra do Estado. “Estamos cansados. Vamos resistir. Já levei tiro de verdade na perna. Não tenho medo de bala de borracha, não”, sentenciou.

Convocado às 10h, o protesto virou conflito cerca de três horas depois, quando um grupo tentou derrubar uma das grades que protege o prédio da Assembleia desde o dia 13 de novembro para evitar a entrada violenta de manifestantes. O clima nesta terça era mais tenso que nos últimos protestos, pois no interior da Alerj os deputados se preparavam para o primeiro dia de votação de uma parte das medidas de corte de gastos propostas pelo Governo, que deve entrar em 2017 com um déficit de 17,5 bilhões reais nas contas públicas estaduais.

As medidas votadas nesta terça não eram as mais polêmicas e criticadas pelos manifestantes, como o aumento da contribuição previdenciária dos servidores de 11% para 14%. Votava-se, enquanto a polícia atirava, mudanças e cortes de algumas despesas da própria Alerj e o corte de 30% dos salários do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e de dos seus secretários. O objetivo dos manifestantes, porém, era não diminuir a pressão em nenhum momento. Quem participa dos protestos quer a retirada completa do pacote de austeridade, já desfigurado pela resistência das ruas e a oposição dos próprios deputados em aprová-lo.

Repressão e reação

Os policiais chegaram a usar a Igreja de São José, a poucos metros da Assembleia, como ponto de tiro. Agentes foram flagrados nas sacadas do templo atirando diretamente contra a multidão. Uma parte dos manifestantes – entre eles bombeiros, agentes penitenciários, policiais, estudantes e mascarados sem aparente relação com o protesto – reagiu. Lançaram rojões contra os policiais, fogos de artifício, incendiaram barricadas, conteiners de lixo e quebraram mobiliário urbano.

Era uma clara demonstração de força, segundo um dos manifestantes. “Isto é um ato de resistência, vamos demonstrar ao Governo que não aceitaremos nenhuma dessas medidas. Não cabe a nós arcar com os desmandos do poder público, não vamos cobrir esse buraco. O Governo não tem mais legitimidade, nem na ditadura vi tanta repressão como hoje. Se o comando da polícia reage com esse excesso de força, aqui estamos nós, esta é nossa demonstração de força. Depois de quatro horas resistindo, acho que o movimento já saiu vitorioso”, relatava o agente penitenciário Antônio César Dória, vestido de preto e portando luvas e óculos para se proteger do gás.

A batalha teve feridos. Pelo menos 11 policiais em serviço ficaram machucados, segundo a corporação e, nas ruas, não era raro ver manifestantes atingidos por estilhaços de bomba. Também trabalhadores. Sentado numa banqueta branca de plástico, sem se separar do seu carrinho de bebidas, Juvenal Alves, de 59 anos, mostrava a marca do impacto de duas bombas de gás nas suas costas. Ele demorou a perceber a chegada dos fardados em uma das ruas próximas da Assembleia e foi atingido, pelas costas. “Doeu quando me atingiu, mas agora estou bem. Preciso ficar aqui para trabalhar, não tenho como voltar para casa”, dizia resignado.