Chacina da Lapa: Quem foram Pomar, Arroyo e Drummond

Confira a seguir as notas biográficas de Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond, os três dirigentes comunistas assassinados há 30 anos durante o episódio que ficou conhecido como Chacina da Lapa.

Osvaldo Bertolino - Chacina da Lapa

Pedro Pomar

Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar é um dos mais conhecidos e destacados dirigentes comunistas do nosso país. Militou por quarenta e dois anos nas fileiras do Partido Comunista do Brasil. Nasceu no Estado do Pará, no dia 23 setembro de 1913, e morreu, assassinado, no dia 16 de dezembro de 1976.

Membro da direção local da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e do Partido Comunista do Brasil, em 1936 sofreu sua primeira prisão. Depois da instauração da ditadura do Estado Novo, em 1937, foi processado três vezes pelo Tribunal de Segurança Nacional. No dia 16 de junho de 1941 foi condenado à pena de dois anos de prisão. No início da noite do dia 5 de agosto do mesmo ano, fugiu da prisão junto com outros cinco comunistas – entre eles João Amazonas.

Pomar e Amazonas dirigiram-se ao Rio de Janeiro, onde entraram em contado com a Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP), constituída por dirigentes comunistas locais – entre eles, Maurício Grabois – com o objetivo de reorganizar o Partido depois dos ataques devastadores do Estado Novo. A mãe de Pomar morava no Rio de Janeiro e os abrigou por dois dias – depois foram morar numa pensão. No final de 1942, com a CNOP consolidada, Pomar já era um de seus principais dirigentes. Quando o Partido foi reorganizado na Conferência da Mantiqueira, realizada em 1943, foi eleito para o Comitê de Organização Nacional e seguiu para São Paulo, onde reorganizou o comitê estadual.

De volta ao Rio de Janeiro, assumiu a Secretaria de Cultura do Partido – responsável pelas atividades de formação e de cultura. Nessa função, idealizou o “Movimento de Ajuda à Imprensa Popular”. Por conta dessa iniciativa, em 22 de maio de 1945 saiu o primeiro número do jornal Tribuna Popular, dirigido por Pomar e comandado por um coletivo de que faziam parte o grande poeta Carlos Drummond de Andrade e outros intelectuais da linha de frente da cultura brasileira. Como dirigente desse jornal, Pomar foi um dos principais responsáveis pela política de ampliação das atividades do Partido e visitou vários países da América Latina. Em 1946, esteve em Argentina, Uruguai, Paraguai e México.

As atividades de Pomar também abrangiam o contato com a intelectualidade. Nessa época, ele e Jorge Amado publicaram o livro O Partido Comunista e a Liberdade de Expressão, uma coletânea de artigos e discursos. O jornal Tribuna Popular publicava uma concorrida seção cultural de três páginas. Nela se publicavam autores não-filiados ao Partido, mas que “divergiam honestamente dos comunistas”. Entre eles, Gilberto Freyre, José Lins do Rego, Sérgio Buarque de Holanda, Carlos Drummond de Andrade e Vinícius de Moraes. Eram também publicados textos de escritores comunistas, como Jorge Amado, Graciliano Ramos e Astrojildo Pereira. Pomar comandou a resistência a três ataques da repressão à Tribuna Popular – um deles promovido por um bando armado.

Pomar teria uma notável atividade cultural – mais tarde ele traduziria, entre outras obras, os dois primeiros volumes (de um total de quatro) do livro Ascensão e Queda do III Reich e da defesa do revolucionário cubano Fidel Castro perante o tribunal que o julgou em decorrência do ataque ao quartel de Moncada – intitulado A História me Absolverá. Foi um dos principais articuladores da aliança política com Adhemar de Barros para a eleição suplementar à Assembléia Constituinte de 1946, realizada em janeiro de 1947. Além dele, foi eleito pelo Partido Social Progressista (PSP) de Adhemar de Barros o dirigente comunista Diógenes Arruda Câmara. Em 1953, Pomar integrou a delegação do Partido que passou um ano e meio estudando na União Soviética. Quando a crise decorrente do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) foi deflagrada, ele logo tomou posição a favor da defesa dos princípios comunistas.

Durante os debates do V Congresso do Partido, que seria realizado em 1960, Pomar foi um dos que se destacaram no combate às idéias revisionistas. Quando surgiu o movimento de contestação às manobras que criaram um novo partido comunista, manifestado principalmente por meio da Carta dos Cem, ele foi “expulso” do PCB recém-criado e do qual julgava não fazer parte. Segundo o novo partido, o “grupo Amazonas-Grabois-Pomar” havia sido expulso por atividades “fracionistas”.

Pomar esteve na linha de frente da reorganização do Partido, em 1962. Logo, ele assumiria a função de redator-chefe do relançado jornal A Classe Operária. Durante a ditadura militar, representou o Partido em viagens à China e à Albânia. No final da década de 1960, chefiou um grupo de comunistas na região do Vale do Ribeira, em São Paulo, quando o Partido pesquisava os melhores locais para instalar a luta armada contra o regime militar. Já no início dos anos 1970, voltou a dirigir A Classe Operária – função assumida após o assassinato, pelos militares, do então responsável pelo jornal, Carlos Nicolau Danielli.

Na manhã do dia 16 de dezembro de 1976, seria a vez de Pomar ser assassinado pela repressão. Nove integrantes do Comitê Central haviam se reunido nos dias 14 e 15. No segundo dia à noite, uma parte dos dirigentes começou a deixar o local. No amanhecer do dia 16, a casa onde se realizava a reunião foi metralhada. Morreu no local, além de Pomar, Ângelo Arroyo.

Terminou assim, aos 63 anos de idade, a trajetória do notável dirigente comunista Pedro Pomar. No final da nota biográfica publicada em honra à sua memória no jornal A Classe Operária, na edição de janeiro de 1977, afirma-se: [Pomar foi uma] “pessoa de elevada moral, sempre levou uma vida modesta e inteiramente dedicada ao Partido e à revolução. Homem de cultura, foi estudioso da história do Brasil, esforçando-se por interpretar o passado do país à luz do marxismo-leninismo. O assassinato de Pedro Pomar, destacado dirigente comunista, priva a classe operária e o povo brasileiro da colaboração eficiente e inteligente de um de seus melhores filhos”.

Ângelo Arroyo

Ângelo Arroyo nasceu em São Paulo em 6 de novembro de 1928. Filho de família proletária, ingressou no Partido Comunista do Brasil em 1945. No ano seguinte, por suas qualidades e dedicação, foi eleito membro do Comitê Regional de São Paulo e Secretário do Comitê Distrital da Mooca, bairro de grande concentração operária.

Metalúrgico desde jovem, foi um ativo militante do movimento sindical no seu estado. Destacou-se como um dos dirigentes da histórica greve geral que paralisou o proletariado paulista em 1953. Foi um dos principais organizadores do Partido Comunista entre operários, formando células em diversas fábricas. No IV Congresso do PC do Brasil, realizado em 1954, foi eleito para o Comitê Central. Sua grande tarefa continuou sendo a construção do Partido junto à classe operária.

Ao longo de sua atividade revolucionária foi preso por várias vezes e sempre se comportou com altivez ante os policiais e torturadores, sendo um exemplo de dignidade aos seus camaradas. Arroyo tinha consciência do papel dirigente que os operários deveriam desempenhar tanto no Partido Comunista como nas lutas pela conquista do socialismo. Por isso, dedicou-se ao estudo do marxismo-leninismo e da realidade brasileira.

Quando as teses reformistas começaram a ganhar corpo no interior do Partido, especialmente após o XX Congresso do PCUS, em 1956, Arroyo foi um dos seus opositores. Discordou da Resolução de Março de 1958 e das teses aprovadas no V Congresso do Partido em 1960. Ao lado de Amazonas, Grabois, Pomar e outros, engajou-se na luta contra a transformação do Partido Comunista numa organização de tipo social-democrata.

Em agosto de 1961, quando a direção partidária tentou registrar um novo programa e estatuto, em que, entre outras coisas, alterava o nome da legenda para Partido Comunista Brasileiro, os revolucionários enviaram uma carta assinada por 100 militantes exigindo a convocação de um novo congresso partidário. O nome de Arroyo estava entre os que encabeçavam tal documento.

Os principais signatários desta carta foram expulsos do Partido. Arroyo, Pomar e José Duarte organizaram a resistência na capital paulista. Nos embates que se seguiram, os distritais da Mooca e do Tatuapé, dois importantes centros operários, ficaram com eles.

A cisão era inevitável e, em fevereiro de 1962, a corrente revolucionária realiza uma Conferência Nacional Extraordinária em São Paulo, visando a reorganizar o Partido Comunista do Brasil. Arroyo foi um dos seus principais organizadores, sendo eleito para a Comissão Executiva do Partido.

Após o golpe militar de março de 1964, ele entrou na clandestinidade. A ditadura militar cassou seus direitos políticos por dez anos e o condenou à revelia a onze anos de prisão. Então passou a trabalhar nas áreas rurais do interior do país, convivendo intimamente com os camponeses pobres de várias regiões.

Seu objetivo era construir as bases de uma revolução que colocasse fim à ditadura militar e conquistasse um novo poder político de caráter popular, democrático e nacional. Para realização bem-sucedida desta tarefa, Arroyo se dedicou a estudar os movimentos populares armados tanto do exterior quanto do Brasil. Desse estudo procurou extrair as lições que permitissem construir um poderoso movimento de massas antiditatorial no interior do país.

Arroyo, ao lado de Grabois e Amazonas, foi um dos principais organizadores do trabalho entre os camponeses do sul do Pará. Ali estava quando, em abril de 1972, o Exército ocupou a região e atacou as bases montadas pelo PCdoB. Foi um dos comandantes da resistência armada que se seguiu, conhecida como Guerrilha do Araguaia. A Guerrilha resistiu heroicamente até 1974, quando seus últimos combatentes foram assassinados.

No início de 1974, Ângelo Arroyo conseguiu furar o cerco imposto pelas Forças Armadas à luta guerrilheira no sul do Pará e reencontrar-se com os membros da direção nacional do Partido. Arroyo é autor de um valioso relatório no qual apresenta um balanço aprofundado da Guerrilha do Araguaia. Por ter sido o único comandante guerrilheiro a sobreviver à operação de cerco e extermínio promovido pela Ditadura Militar, tornou-se um homem “marcado para morrer”. No dia 16 de dezembro de 1976 foi brutalmente assassinado, quando os órgãos de repressão atacaram a modesta casa na qual havia se reunido a direção nacional do PCdoB. Tombou metralhado, ao lado do seu velho camarada Pedro Pomar.

João Batista Franco Drummond

João Batista Franco Drummond nasceu em Varginha, Minas Gerais, em 28 de maio de 1942, filho de João Baptista Moura Drummond e Zilah Carvalho Drummond.

Em 1961 ingressou no Curso de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais, onde foi eleito presidente de seu Diretório Acadêmico em 1964. Foi um dos principais organizadores dos 27° e 28° Congressos da União Nacional dos Estudantes em seu estado. Ainda estudante ligou-se ao movimento camponês no sul de Minas, ajudando-o a desenvolver a luta pela reforma agrária. Após o golpe militar teve de entrar na clandestinidade. Deixou Minas e se dirigiu para o Nordeste do país.

Foi um jovem bastante interessado pelos problemas sociais brasileiros. O anseio por mudanças levou-o cedo a abraçar a causa do socialismo. Ingressou na Ação Popular (AP), organização da esquerda católica que depois adotou o marxismo-leninismo. Na AP foi responsável pela Secretaria de Organização e membro de seu Comitê Político. Entre 1969 e 1970 foi julgado e teve seus direitos políticos cassados por dez anos e condenado, à revelia, a quatorze anos de prisão.

A luta política e ideológica aproximou-o do Partido Comunista do Brasil, organização política à qual passou a ter grande respeito e simpatia. Desde então se uniu ao grupo majoritário que na Ação Popular defendia a unidade e, depois, sua incorporação ao PCdoB.

Em 1972, antes mesmo dessa incorporação, Drummond e todo o setor por ele dirigido ingressaram nas fileiras comunistas. Em seu novo partido passou a exercer a função de dirigente regional e buscou, apesar da dura clandestinidade, enraizar o trabalho do PCdoB entre as massas da cidade e do campo.

Uma de suas facetas menos conhecidas foi o seu amor pela fotografia. Drummond era um excelente fotógrafo. Chegou a ganhar prêmios nacionais concorrendo com pseudônimos. E, trabalhando como fotógrafo, ele sustentou sua família nos anos de clandestinidade.

Entre o final de 1972 e o inicio de 1973 o PCdoB foi alvo de dura repressão. A ditadura queria desmantelar o núcleo urbano do Partido que se constituía no apóio logístico à Guerrilha do Araguaia. Dezenas de militantes em todo o Brasil foram presas. Neste processo foram presos, torturados e assassinados Lincoln Oest, Carlos Danielli e Lincoln Bicalho Roque.

Em 1974, visando a preencher as lacunas em sua direção, Drummond foi eleito membro do Comitê Central. Naquele momento ele já sabia que tal decisão poderia lhe custar a vida.

Foi preso em 15 de dezembro de 1976, após sair da casa no bairro da Lapa, em São Paulo, onde se realizava a reunião do Comitê Central do Partido. Foi levado ao DOI-CODI paulista e ali foi barbaramente torturado e morto. Poucas horas depois seriam chacinados Pedro Pomar e Ângelo Arroyo.

Segundo o relatório do Ministério da Aeronáutica, Drummond “foi morto em confronto com agentes dos órgãos de segurança”. Por sua vez, pelo relatório do Ministério da Marinha, ele “foi morto num tiroteio em 16 de dezembro de 1976 no bairro da Lapa quando a casa em que se encontrava com outros companheiros foi invadida pelos agentes de segurança”.

Mas a versão oficial da ditadura foi a do comandante do II Exército, general Dilermando Gomes Monteiro, segundo a qual a causa da morte de Drummond foi um atropelamento ocorrido na Avenida 9 de Julho, na capital paulista.

Assim falaram sobre ele suas irmãs: “As palavras são pobres para transmitir a riqueza de sua pessoa: tranqüilo, inteligente, paciente, sério, criativo, persistente, carinhoso, contemplativo e decidido, filho, irmão, esposo e pai dedicado. Hoje sabemos que você, na sua loucura amorosa pela Pátria, pelos valores coletivos – essência exclusiva daqueles capazes de provocar mudanças para melhor na humanidade – subestimou a repressão. Assim, perdemos sua presença, sentimos e choramos sua falta, mas saiba que nunca duvidamos de sua certeza de que é possível um mundo melhor. Até hoje (…) a cada passo dado em direção à dignidade, continuamos com um sonho do qual tivemos o privilégio de participar”.