Rosemberg Cariry: Natal da gente brasileira

"Podemos dizer que as festas do ciclo natalino se destacam pelo senso de coletividade, pela beleza, poesia e religiosidade, estando entre as mais vivas e emocionantes de toda a cultura popular brasileira. Festa, beleza e alegria para comemoração da criança que simboliza a renovação cósmica do mundo”.

Por Rosemberg Cariry*

UFC: Ciclo natalino do reisado Brincantes Cordão do Caroá continua

Entre as festas populares brasileiras, o Natal é uma das mais importantes, sendo também uma das mais antigas. Os festejos em comemoração ao nascimento do Menino Jesus, antes uma forte tradição na Península Ibérica, desembarcaram no Brasil com os portugueses. No período colonial, com o intuito de catequizar as nações indígenas, os jesuítas organizavam representações, festas e bailados em homenagem ao Menino Deus. Nasceram assim, nas antigas missões e aldeamentos, as lapinhas vivas e os pastoris, realizados pelos índios. Com o passar do tempo, toda a diversidade e beleza das culturas africanas e afro-brasileiras vieram juntar-se a essas manifestações religiosas ibero-ameríndias, adquirindo belezas e originalidades, em um verdadeiro ciclo de bailados, pastoris, lapinhas, brincadeiras infantis, jornadas, jograis, cantorias, dramas, autos, danças dramáticas, folguedos, rituais e missas.

Podemos dizer que as festas do ciclo natalino se destacam pelo senso de coletividade, pela beleza, poesia e religiosidade, estando entre as mais vivas e emocionantes de toda a cultura popular brasileira. Festa, beleza e alegria para comemoração da criança que simboliza a renovação cósmica do mundo.

Após a Segunda Guerra Mundial, a presença norte-americana se faz sentir fortemente não apenas na economia nacional, mas também nas muitas transformações pelas quais passaram as manifestações culturais do povo brasileiro. A festa do Natal foi uma destas tradições fortemente abaladas pela chegada do Papai Noel estrangeiro, com suas roupas de veludo, o saco de presentes às costas e o trenó puxado por renas do Polo Norte. O Brasil trocou, então, a beleza, a riqueza e a diversidade de sua festa coletiva pelo Papai Noel importado, individualista e agressivamente capitalista.

É como se jogássemos fora a nossa alma, inscrita em tradições culturais e festivas, feitas por várias gerações e com a contribuição de muitos povos, por meio de 500 anos de história, e tomássemos emprestada a alma de uma “empresa” preocupada com a hegemonia do mundo e com a ampliação de mercados para os seus produtos. Hoje o festejo de Natal, nas grandes cidades brasileiras, está praticamente reduzido ao shopping center (o templo do consumo), ao ambiente privado familiar restrito, à troca de presentes entre “amigos nada secretos”, à comilança em torno do peru natalino e ao consumo de bebidas alcoólicas.

A Escola de Saberes de Barbalha resolveu revisitar o espírito comunitário e solidário e realizar o “Natal da Gente”, por meio da festa coletiva e das apresentações de reisados, pastoris, lapinhas, autos, corais, jograis e bandas de música. Para as crianças, mesas fartas de bolos, sequilhos, broas e aluás, em praça pública. Acreditamos que um Natal como esse contribui de forma afetiva para o fortalecimento dos laços de pertença, de sentimentos comunitários e solidários, em um tempo de crescentes individualismos, fascismos e violências. Eu gosto muito dessa forma de comemorar-se a chegada ao mundo de “Jesus Cristinho”, com seu sorrisinho maroto e suas promessas de amor igualitário.


*Rosemberg Cariry é cineasta e escritor

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